Espetáculo inédito da Edisca, "Estrelário" encerra trilogia e aborda ligação do homem com o sagrado

A montagem apresenta ainda a nova geração de bailarinos em coreografia da entidade. Ao todo, 17 profissionais, entre 13 e 31 anos

Escrito por Wolney Batista , wolney.santos@verdesmares.com.br
Legenda: Bailarinos da atual geração da Edisca conduzem novo espetáculo da escola de arte com expressiva dramaticidade e envolvente trabalho corporal
Foto: FOTO: RODRIGO GADELHA

Moradora do bairro Bom Jardim, Mayra Vasconcelos cresceu, no sentido amplo da palavra, frequentando a Edisca. Desde os nove anos, ela cruza a cidade diariamente, há mais de uma década, em direção ao bairro Água Fria, onde fica a sede da escola. Filha de uma costureira com um comerciante, viver de arte era um desejo distante da sua realidade. "Sempre sonhei em ser bailarina e meus pais não tinham condições de me colocar para fazer aula de dança, porque era muito caro, até que minha mãe descobriu a Edisca", relembra.

Ela é uma das bailarinas que levam ao palco nesta semana o novo espetáculo "Estrelário", que se volta ao humano para mostrar a expressão dos deuses em cada indivíduo, além de nos conectar com o universo - real e espiritual - e revelar que fazemos parte de uma unidade: desde as minúsculas partículas de átomo, as estrelas, até o divino.

"Em Estrelário a gente fala do sagrado aqui e agora. Nesse sagrado que existe em cada um de nós. Quem foi que nunca ouviu frases como: 'Vós sois deuses?', 'O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus'. Eu queria mostrar essa fagulha do divino não em homens e mulheres que fizeram a marca na terra por sua trajetória, mas pessoas comuns, em todas as pessoas, como um bem que vem de algo superior extremamente generoso", esmiúça a coreógrafa e fundadora da Edisca, Dora Andrade, sobre o mote da criação artística.

"A obra vem em duas esteiras. Uma muito étnica, até porque a gente trabalha com música étnica, o multiculturalismo, a diversidade. Mas mais do que isso, traz muito do gestual de signos de uma ancestralidade ritualística e cerimoniosa em relação à natureza, às pessoas, aos deuses", completa o também coreógrafo de "Estrelário", Gilano Andrade.

A montagem apresenta ainda a nova geração de bailarinos em coreografia da entidade. Ao todo, 17 profissionais, entre 13 e 31 anos, levam ao público o resultado de meses de trabalho. "Esse balé foi muito atípico. Via de regra a gente demora algo em torno de três meses entre definir o tema e o conceito que vamos trabalhar esse tema. Nesse balé, a gente teve imensos intervalos para fazer outras coisas ligadas à instituição", detalha o processo, Dora.

Legenda: A montagem apresenta ainda a nova geração de bailarinos em coreografia da entidade. Ao todo, 17 profissionais, entre 13 e 31 anos, levam ao público o resultado de meses de trabalho
Foto: FOTO: RODRIGO GADELHA

Estrelário é a terceira e derradeira parte de uma série de espetáculos que teve início com Sagrada, em 2011, e continuação em Religare, em 2015.

"Em Sagrada, a gente falava da sacralidade em todas as formas de vida do planeta, tinha uma pegada muito ecológica. Falava do sagrado em torno da água, como algo vital para a vida e como um bem finito. Depois nós tivemos o Religare, que houve inclinação maior para falar da espiritualidade mais próxima das religiões", diz Dora, sobre a ligação entre as peças.

Enquanto as duas primeiras montagens tinham a água e projeções audiovisuais como elementos cênicos, nesta última, o balé tem o foco total. "Esrelário vem num minimalismo muito forte. A gente decantou ao máximo. Quem fala é o corpo, a alma, a energia. Até porque a gente desceu do céu para terra. No Sagrada e Religare, mesmo contando com elementos terrenos, remetia-se ao supremo e agora é o supremo em cada um de nós", justifica Gilano.

Apesar dos temas referidos na trilogia versarem sobre a religião, a fundadora da Edisca faz questão de frisar a delimitação clara para evitar focar em uma crença específica, reforçando o caráter laico do balé. "A gente coloca a espiritualidade fora do contexto religioso, mas ao mesmo tempo assumindo que essa é uma dimensão fundante do ser humano", conclui Dora Andrade.

Emocionada com mais um ciclo concluído, no qual os talentos lapidados na escola serão apresentados na nova empreitada, ela transparece a força motriz para a dedicação empregada há décadas à frente da instituição. "Uma das coisas que ambiciono muito, não só nesse espetáculo, mas em todos os que já fiz e os que eu possa vir a fazer, é que os espetáculos da Edisca possam contribuir para transformar a percepção dessa sociedade sobre os pobres. A gente precisa enxergar, tocar e reconhecer essa riqueza que existe nas periferias".

Legenda: Moradora do bairro Bom Jardim, Mayra Vasconcelos cresceu frequentando a Edisca
Foto: FOTO: RODRIGO GADELHA

Vida transformada

Uma dessas riquezas, a bailarina Mayra hoje tem 22 anos e perpetua o aprendizado adquirido como professora de ginástica rítmica em um projeto, além de estar no penúltimo semestre da graduação de Educação Física "Quero chegar ao mestrado, doutorado, pós...Quero ser professora universitária" vislumbra o futuro com a potente arma que adquiriu na escola: "Aqui descobri o que quero fazer, a pessoa que sou e a que quero ser".

Serviço
Espetáculo Estrelário - Edisca
Nesta quinta (14), sexta (15) e sábado (16), às 18h e 20h, Teatro da Edisca - Prof. Antônio Carlos Gomes da Costa (Rua Des. Feliciano de Ataíde, 2309, Água Fria).
Ingresso: Uma lata de leite em pó. Troca nos dias das apresentações, na portaria do Teatro, a partir de 13h.
Informações:(85) 3278-1515

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