Entre contemporâneo e medieval, Escócia é deleite para adultos e crianças

O roteiro da jornalista Eulália Camurça com o filho Benício Camurça Marques serviu para desbravar, aprender e brincar. Eles passearam pela arquitetura contemporânea com ares medievais, por cenários de filmes e pelas belezas naturais

Escrito por Eulália Camurça ,
Legenda: A arquitetura medieval é uma das atrações da capital escocesa.
Foto: Eulália Camurça

O olhar de uma criança abre janelas em qualquer lugar do mundo, mas a deliciosa decisão de viajar com filhos demanda programação e estratégia. "Pense que tudo será feito no tempo do Benício", uma amiga alertou para que eu não fizesse planos inalcançáveis e desconfortáveis para um menino de seis anos. Parece até estranho levar uma criança para Edimburgo no lugar de ir para a Disney, mas as circunstâncias nos levaram para lá. E foi inesquecível.

Legenda: Do ponto alto de Edimburgo, o curioso Benício fica atento a tudo.
Foto: Eulália Camurça

Se tem infância, tem fascínio por castelos. O mal-estar nas prisões, o estranhamento nas salas das armas, a admiração pelos combatentes. Tudo é uma aventura. E o Castelo de Edimburgo, além de guardar histórias, tem uma das vistas mais incríveis da cidade desde a colina de Castle Hill. A exuberância inclui os desfiladeiros que abraçam a edificação. Dentre as atrações do castelo, uma acontece com pontualidade britânica, às 13 horas. É o momento em que um general de artilharia repete uma tradição que acontece desde 1861: um disparo de canhão.

Para a imaginação infantil, é como se estivéssemos num combate em algum lugar do passado. O gesto que hoje atrai turistas indicava a hora para que marinheiros sincronizassem os relógios.

Do castelo, basta descer na Royal Mile, uma das avenidas mais famosas da cidade e se deleitar com a arquitetura de uma capital contemporânea com ares medievais e interioranos. Pelas calçadas, o encontro com estátuas dos grandes nomes do pensamento mundial. Adam Smith, um teórico da economia mundial, e David Hume, um dos maiores filósofos do mundo. O passeio tem a trilha sonora das gaitas de fole. Instrumentos de som tocados por moradores locais vestidos com as kilts típicas da região. Em um breve passeio, o ouvido de Benício se despertou com o tom exótico da gaita e o doce das tocadoras de harpas.

Na descida do castelo, uma maravilhosa surpresa: o Museu Câmara Obscura. É um delírio até mesmo para a criança que está dentro da gente. O misterioso mundo da ilusão nos leva a lugares improváveis e muito divertidos. As salas de câmeras filmam os pequenos visitantes que parecem brincar com o tempo e os frames fazendo uma dança de movimentos. Dá para se perder num minúsculo labirinto de espelhos ou por atravessar uma ponte curtíssima que parece se mover em 360 graus.

Benício não cansava e queria repetir a experiência. "Uau, mamãe, é muito legal", repetia eufórico. Na segunda, eu já queria desmaiar de tão tonta. Risos! Todos os quadros, as imagens, tudo é interativo ou sensorial. Uma maneira de convidar a criança a fazer parte do descobrimento deste fascinante mundo da ilusão para olhares que não são educados para serem enganados. São seis andares de fascínio, uma reunião de hologramas, imagens em 3D, espelhos que deformam. A vista do terraço é lindíssima. Difícil é convencer as crianças a saírem de um lugar tão estimulante!

Lúdico

Outro espaço excelente é o Museu da Infância. Gratuito, oferece um passeio pelas diferentes formas de brincar pelo mundo num tom extremamente nostálgico. Das bonecas, os carrinhos do século XVII aos modelos antigos de videogame. Aos poucos, dá para perceber porque brincar é um direito: porque contribui para a formação humana e para a troca coletiva que deve ser estimulada desde os primeiros anos de vida.

Legenda: O Museu da Infância abriga desde bonecas a uma vitrola de 1920. 
Foto: Eulália Camurça

Em todas as salas, as crianças vivem a sensação de estranhamento com alguns brinquedos que não têm controle ou luzes. Benício amou encontrar uma vitrola dos anos 1920. Sim, ele é um amante dos vinis! Juntos, percorremos os 21 quartos e mais de dois mil objetos. A vontade era de entrar nas vitrines e nunca mais sair de lá.

Mas algumas das histórias de Edimburgo são impeditivas para crianças. Tanto que muitas pessoas atraídas por narrativas de horror fazem passeios de turismo assustadores! Tem lugares que foram cenários de muita maldade. Tem até visita a cemitérios durante a noite numa cidade conhecida pela caça às bruxas.

Milhares de mulheres foram mortas por meios cruéis, acusadas de bruxaria durante o século XVI. Cenas terríveis que não podem nem devem ser esquecidas. O desafio é como traduzir a maldade para o coração infantil, mas é algo que precisa ser enfrentado para evitar que seja repetido.

Para os amantes de Harry Porter, muitas são as referências da construção das histórias de J.K Rowling. Dizem que foi num dos cafés que ela começou a pensar nas narrativas do jovem herói. Se há cafés que inspiram best sellers mundiais, têm os PUBs que são um convite à perdição. Alguns recebem crianças, mas só até 20h.

Nos bares, muita música de qualidade e a oportunidade de experimentar whisky ou gim produzidos na região. Quem gosta de comida exótica, um prato típico da região é o haggis. Com sabor condimentado, é feito de fígado, coração e pulmões de cordeiro. É estranho, mas eu, assim como Benício, sou seletiva e não gostei...

Natureza

De Edimburgo dá para pegar estrada até as Highlands, um caminho com uma natureza formidável. Dizem que é uma das maiores reservas de água do mundo. As formações das colinas permitem o grande acúmulo de água. O clima sempre chuvoso dá uma alegria para quem é do sertão.

A região inspirou o título do filme "Skyfall", de 007. Em alguns cenários, os lagos fazem um espelho do céu. O caminho vai até o Lago Ness, que guarda uma das lendas mais antigas da Escócia. O mistério do monstro inspirou filmes e muitas outras narrativas. Dizem que já foi visto há mais de mil anos, alguns afirmam ter fotografado, mas quase nada se confirmou até hoje. Talvez esse seja o fascínio que nos move até lá.

Legenda: O Lago Ness, contemplado pelo garoto, guarda uma lenda antiga, o mistério do monstro.
Foto: Eulália Camurça

O verão dá ainda mais exuberância para Edimburgo. Deixa o jardim botânico ainda mais verde e exalta as cores das diversas espécies naturais. A cidade ganha cores e a alegria dos festivais. Em julho, tem festival de jazz e blues. Em outros meses, tem cinema, literatura. Em cada lugar, uma curiosidade.

Legenda: O Jardim Botânico exala exuberância por meio de plantas e flores Passeio pela Highlands, uma das maiores reservas de água do mundo.
Foto: Eulália Camurça

Até mesmo o encontro com a estátua de um cachorrinho que ficou famoso por guardar o túmulo do dono por longos anos. Muitas são as lendas relacionadas à estátua. Uma delas diz que quem pegar no nariz dá sorte. Na dúvida, pegamos! Muito destas histórias que narro aqui vou ter que contar para Benício quando ficar mais velho. Provavelmente, ele vai esquecer de muitos detalhes. Mas, a cada vez que contar, vamos reeditar as aventuras e encantos de um lugar, no mínimo, intrigante.