De passagem por Fortaleza, casal realiza atividades sobre identidade com poesia e ilustrações

Projeto “De onde nascem as flores”, de Anna Charlie e Daniel Ianae, percorreu vários espaços da cidade, incluindo a comunidade do Titanzinho

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@verdesmares.com.br
Legenda: Mesclando ilustração e poesia, casal Anna Charlie e Daniel Ianae promovem discussões e descobertas
Foto: Foto: Helene Santos

Sem identificar nome, idade e lugar ao qual pertence a protagonista do livro "De onde nascem as flores", o casal Anna Charlie e Daniel Ianae espalha pistas imediatas: as metáforas embutidas na narrativa também podem constituir detalhes de nossa própria história. Na obra sob autoria deles, a travessia é percorrida por uma menina que nasce como todas as outras pessoas, única. O que a faz ser diferente, contudo, é o fato de, em sua pele, no lugar de pelos, brotarem flores.

"Ela estava sofrendo preconceito por causa disso, mas não ligou para o que os outros disseram", adianta Laura Lavor Calandrini, de 10 anos, moradora do bairro Serviluz, em Fortaleza. "Achei legal ter conhecido essa história e os autores, que estiveram lá com a gente".

A fala da pequena, dita sem rodeios porque a memória fez questão de gravar o que a marcou, evoca a visita da dupla de autores ao Projeto de Vida Titanzinho na semana passada, quando da realização de uma ação promovida por ambos.

Legenda: Dinâmicas de observação da própria face foram base para crianças fazerem o autorretrato, na comunidade do Titanzinho
Foto: Foto: Davi Pinheiro

Trata-se de uma passagem que estão fazendo por várias cidades do País de modo a promover oficinas e debates. A intenção é sublime (e urgente): aprofundar o olhar de um público diverso - crianças, jovens ou adultos - sobre questões como autoconhecimento e identidade.

"Com o livro em mãos, que conseguimos publicar após financiamento coletivo no ano passado, temos essa oportunidade, por meio do projeto de mesmo nome da obra, de levar atividades em que trabalhamos um pouco as temáticas abordadas. Em cada lugar que passamos, fazemos conexões e trocamos conhecimento com outras culturas e saberes", explica Daniel

Na fala, o artista justifica a parceria com a iniciativa realizada há quatro anos no Titanzinho, além de pontes firmadas com outras instituições e casas do saber na Capital cearense.

Nesse movimento, eles passaram por equipamentos como o Porto Iracema das Artes e o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc-UFC), além da Casa Bendita, onde vão realizar a última oficina neste sábado (18), das 9h às 17h30.

O poeta saiu de São Paulo com a ilustradora e designer Anna, sua esposa, para as cidades de Goiânia, Brasília e, neste momento, Fortaleza. Na segunda-feira (20), devem partir para Natal (RN), continuando o percurso de mergulhar pessoas naquilo que têm de mais singular: elas mesmas.

Legenda: As novas faces desenhadas pelos participantes do Projeto de Vida Titanzinho a partir do trabalho de Anna e Daniel
Foto: Foto: Davi Pinheiro

Metodologia

Unidos à equipe do Projeto de Vida Titanzinho, Anna e Daniel contaram a narrativa do livro e, na sequência, utilizaram um espelho como suporte para que as crianças enxergassem a própria face; dali, deveriam extrair o que as forma enquanto humanos.

Em outra metade de tempo, os pequenos tiveram ainda os olhos vendados. "Nós vimos as outras pessoas só tocando, sem olhar para o outro, com a venda nos olhos. A gente tava procurando alguém igual à gente", explica Laura, dimensionando que não foi possível cumprir a tarefa: somos genuínos.

Legenda: A leitura do livro "De onde nascem as flores", unida a outras atividades propostas por Anna Charlie e Daniel Ianae no Titanzinho, emergiram o público em questões sobre si
Foto: Foto: Davi Pinheiro

Iara Andrade, enquanto uma das psicólogas integrantes da ação, sublinha que a atividade reforçou a identidade.

"Que grupos eu faço parte? Quais são as minhas características? Foram perguntas que levantamos para que eles pensassem a respeito e pudessem construir a proposta da Anna e do Daniel".

A ideia do casal - não apenas no Titanzinho, mas também nos outros espaços que ocupam - é otimizar o desenho de um autorretrato poético, por meio de práticas e exercícios. Para isso, Anna utiliza técnicas de guache e Daniel declama os poemas do livro, dando um tom reflexivo a cada gesto.

Legenda: A união dos talentos de Anna Charlie e Daniel Ianae, entre outras conquistas, tem rendido travessias pelo Brasil
Foto: Foto: Helene Santos

"Os temas que trago na poesia acabam passando um pouco pela minha própria história, inclusive focando em contextos sociais. Na obra, há uma garota que passa por bullying e que otimiza o autoconhecimento dela", situa. "São reviravoltas que a gente traz da vida e cuja importância vemos na literatura, arte capaz de mediar uma abertura para se falar de temas difíceis de encarar de um jeito comum em conversas do dia a dia".

Anna, por sua vez, deixa entrever aspectos das gravuras sob sua pena.

"Os temas mais frequentes são a figura feminina, botânica e pássaros. Acho que eles trazem muita poética. E sempre afirmam algo com relação ao autoconhecimento".

Aprendizados

A passagem por Fortaleza, conforme o casal, foi especial. Para além dos lugares onde realizaram atividades, permitiu conhecer vários espaços de amplitude da leitura e do conhecimento, como a Biblioteca Livro Livre, no Curió. "Isso enriquece muito o nosso caminho", destacam.

Legenda: Após passar por Fortaleza, o casal de artistas deve seguir para Natal (RN)
Foto: Foto: Helene Santos

"Ouvimos muitas histórias incríveis aqui na cidade. Houve uma senhora que lembrou do momento em que aprendeu a ler; também uma jovem recordou de sua ancestralidade. São coisas fortes que, para nós, é possível de se traduzir de um jeito especial caminhando com essas pessoas", arremata Daniel.

Serviço
Projeto “De onde nascem as flores”
Livro e trabalhos de Anna Charlie estão disponíveis para compra no site mantido por ela e Daniel

> Saiba Mais

O Projeto de Vida Titanzinho é uma organização da sociedade civil que, desde 2015, atua no bairro Serviluz por meio do trabalho de psicólogas e estudantes de Psicologia. O eixo principal da iniciativa é aprofundar questões sobre Direitos Humanos. Para isso, semanalmente acontecem encontros com grupos de crianças e adolescentes residentes no bairro, investindo em dinâmicas de grupo, palestras, contações de histórias, trabalhos com arte e atividades de campo. O financiamento das ações se dá por meio da venda de blusas personalizadas do projeto. Para Iara Andrade, uma das psicólogas participantes, o retorno do ofício que empreende é singular: “Uma das principais coisas que a gente percebe, trabalhando orientação profissional e projeto de vida, é o vislumbre das crianças e adolescentes para se visualizarem no futuro. Pensar em trajetórias, de uma maneira mais ampliada, abre possibilidades”. 

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