Conheça Bel Santos, atração da Bienal que tem feito uma revolução social por meio da literatura

A educadora Bel Santos Mayer participará da programação da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, a partir desta quinta-feira (22) até sábado (24)

Escrito por Wolney Batista , wolney.santos@verdesmares.com.br
Legenda: Bel cursou faculdade de Matemática antes de reconhecer a vocação para multiplicar a literatura
Foto: FOTO: PAULA CARRUBA

Em tempos de contingenciamento, a transformadora potência da educação continua a fazer diferença na história de tantos "uns" Brasil adentro. Um nome para se ressaltar nesse levante é o de Bel Santos Mayer, educadora social nascida em São Paulo que compreendeu, ainda jovem, o poder da literatura na vida das pessoas. Devido ao seu papel preponderante de repensar a sociedade, Bel é uma das convidadas da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, que segue até domingo (25), no Centro de Eventos do Ceará (CEC).

"A questão principal foi reconhecer o poder que a leitura tem de transformar trajetórias, territórios. Um poder que eu demorei para descobrir. Vindo de uma casa pouco letrada, com pais com pouquíssima escolarização, minha mãe aprendeu a ler depois que eu estava na escola. Quando eu me dei conta desse poder, fui encantada pelas palavras que Antônio Cândido escreveu nos anos 1980 sobre o direito humano à literatura. Aquilo foi tão bom pra mim que eu não consegui deixar que acontecesse apenas comigo, quis que isso acontecesse com mais pessoas", situa o início da caminhada.

Inclinada para as letras, ela dedicou-se para tornar-se professora, mesmo a contragosto do pai. "Ele não entendia como é que alguém que gostava de estudar queria ser professor. Já começava ali a degradação da educação pública. Para ele, quem queria estudar teria que fazer algo mais nobre, que desse mais poder", relembra.

Bel até que tentou a carreira profissionalmente sólida, vislumbrada pelo pai, ao fazer faculdade de Matemática, mas logo percebeu que poderia dar uma contribuição mais significativa. "A gente costuma ver na matemática uma ciência da exatidão, de busca, de compreensão do espaço. A Literatura também faz isso. Me converteu e eu fiquei mais com ela. Acho que gosto mais de mastigar palavras do que números".

Transformações

Há 23 anos, a educadora coordena o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac), instituição que trabalha com a garantia de direitos humanos há quatro décadas. "Em 2006, nós decidimos concentrar as nossas ações em um território. A ideia seria levar a algum lugar tudo aquilo que nós sabíamos fazer, as melhores pessoas que nós conhecíamos. Levar tudo isso para um lugar que fosse considerado ruim para se viver".

O lugar foi Parelheiros. Um distrito da Zona Sul da capital paulista. As mulheres do extremo dessa região sofrem 180 vezes mais com violência física e psicológica do que as moradoras do Jardins, bairro nobre de São Paulo, segundo o Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa SP, levantado em 2017. O índice de desinformação em Parelheiros também é alto. Lá, 17% dos bebês nascidos vivos são filhos de jovens com 19 anos ou menos. O trabalho de educação na área era urgente.

"Em 2008, nasceu a biblioteca Caminhos da Leitura, dentro de uma unidade de saúde, que não tinha dentista. Depois, o dentista chegou e ocupou o espaço da biblioteca. Então a comunidade nos ajudou a encontrar um outro espaço onde a biblioteca funciona até hoje: a casa do coveiro de Parelheiros, numa área de um cemitério. Alguns jovens falaram: 'Mas nem morto'. Eu falei: 'Morto tem que ir. Precisa é ir vivo e levar palavras que possam gerar vidas". A biblioteca de Parelheiros ocupa o mesmo espaço há 10 anos.

Membro do grupo gestor da Rede LiteraSampa, Bel semeia essa multiplicação de locais de cultura cotidianamente. No estado de São Paulo, já são 13 bibliotecas comunitárias que integram a rede. A Literasampa é braço também de um grupo maior, que se estende por todo o Brasil. A rede nacional é formada por 115 espaços.

"A melhor experiência é fazer juntos. Essa atuação coletiva. Atuar coletivamente é fazer uma marca para o nosso país de importância para a leitura. Então, as redes de bibliotecas nos ensinam, parafraseando uma amiga, Patrícia Lacerda, que sempre diz: 'É muito melhor voar em bando. E é isso que as redes de bibliotecas fazem. Além de nos impulsionar, a gente voa em bando, não voa sozinho".

Desafios

Na batalha diária para colaborar com o engrandecimento intelectual de uma fatia considerável de brasileiros, Bel Santos critica as decisões recentes tomadas pelo Governo Federal em relação à educação. "A gente tem pela primeira vez um Plano Nacional de Leitura e Escrita (PNLE) ameaçado com a retirada da participação da sociedade civil e dos conselhos", diz em referência ao decreto 9.930, publicado em julho no Diário Oficial da União (DOU).

Foto: FOTO: DANIELA TRINDADE

A medida altera principalmente o artigo quarto que trata das instâncias colegiadas do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), que caminha em conjunto com o PNLE. A mudança extingue o Conselho Consultivo, composto por representantes da sociedade civil que não recebiam remuneração por esse trabalho.

O corte na verba da educação é outro entrave que deve ser revisto, aponta Bel Santos. "Um desafio grande é esse boicote dentro das políticas públicas, porque a gente precisa ter pessoas que cuidem desse mundo, do livro e da leitura. Só o livro não é suficiente, a gente precisa das pessoas, a gente precisa ter a sociedade pensando qual é a política do nível de leitura que deseja. Os gestores de políticas públicas devem acordar para a força que a literatura e a biblioteca têm como aliadas de todas as áreas de conhecimento, de todas as políticas. Elas estão associadas a tudo que envolve a nossa vida. Tenho um marcador de páginas que está escrito: 'Vai pra biblioteca que isso passa'. A biblioteca, se não tem respostas, tem perguntas pra todos os nossos dilemas", contextualiza a educadora.

Participações de Bel Santos na Bienal

Quinta-feira (22)
Mesa "Caminhos da leitura: desvio à esquerda e depois enfrente" - 15h  
Com Bel Santos (SP) e Bruninho Souza (SP) e mediação de Alílian Gradela
Local: sala "O Sal da Terra" - Mezanino 2 , no CEC

Sexta-feira (23)
Encontro "Poesia é um direito; voz é poder" - 17h,
Com Bel Santos (SP) e Vânia Vasconcelos (CE)
Local: sala "O Sal da Terra" - Mezanino 2, no CEC

Sábado (24)
Mesa "Atenção no percurso: Estamos em Obras (2)" - 15h
Com Bel Santos (SP) e Amara Moira (SP) e mediação de Argentina Castro (CE)
Local: sala "O Sal da Terra" - Mezanino 2, no CEC

Serviço
XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará
Período: até o dia 25 de agosto
Horário: 10h às 22h
Local: Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999, Edson Queiroz) 
Programação gratuita.

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