Com roteiro de Fernanda Torres e direção de Andrucha Waddington, "O Juízo" é suspense brasileiro

Filme aposta no suspense em uma produção quase familiar com a presença de Fernanda Montenegro

Escrito por Mylena gadelha , mylena.gadelha@svm.com.br
Legenda: Ao lado do neto, Fernanda Montenegro tem uma interação importante no último ato do filme

Ainda em 1999, Andrucha Waddington estreava nos cinemas no comando da direção de 'Gêmeas', longa com uma mistura entre drama, suspense e terror. Vinte anos depois, ele retorna ao gênero com o filme 'O Juízo', lançado em todo o País, na última quinta-feira (5).

Se naquela época Fernanda Torres, atual esposa de Andrucha, assumia a persona de atriz e interpretava a protagonista Iara no primeiro trabalho dele, agora ela se firma em outra função cinematográfica. Como roteirista, é ela quem comanda e dá o tom da história lançada neste ano.

O detalhe especial fica por torná-lo uma produção quase familiar: Fernanda Montenegro, mãe da artista e sogra do diretor, e Joaquim Waddington, filho do casal, constroem personagens centrais na trama.

Em 'O Juízo', Augusto (Felipe Camargo) é um homem na busca da recuperação do alcoolismo. Nessa jornada, leva a esposa Teresa (Carol Castro) e o filho Marinho (Joaquim Waddington) sob falsos pretextos para a fazenda herdada pelo avô. O local, completamente isolado e no meio da floresta, esconde segredos e é assombrado por velhos fantasmas.

A ideia, segundo contou Fernanda em entrevista coletiva, veio de viagens a Minas Gerais. Para ela, as fazendas do Estado e o carma carregado por elas até hoje, de escravidão, extrativismo e sofrimento, deram lugar às ideias de assombro.

Entre os esboços do que viria a se tornar, o filme ganhou um roteiro pronto em meados de 2015 e só em 2016 as gravações foram, de fato, iniciadas. "Entramos em montagem nos dois anos seguintes, ali por 2017 e 2018. No meio desse ano, ficamos com tudo pronto, escolhemos data e chegamos em uma hora, perto das férias, época em que o público pode encontrar outros parecidos com ele", revela Waddington, em entrevista ao Verso, ao citar também os dois meses contínuos de filmagem.

Cuidado

Na profundidade do contexto destes personagens, o diretor Andrucha conta ter tido uma atenção especial na condução das linhas dramáticas e de como os aspectos da história poderiam se moldar ao medo do espectador. Segundo ele, o terror exige um cuidado muito grande, além de permitir uma liberdade distinta dos outros modelos.

"Não deixa de ser um desafio. Exatamente porque existe uma cartilha dentro desse gênero usada para criar o clima, tensão. O cinema brasileiro, desde a retomada, já transitou por alguns gêneros. A comédia, os biográficos, os com temática espírita. De uns anos para cá, podemos ver uma safra bem bacana dos filmes de terror e suspense", opina.

Em meio aos clichês já batidos desse tipo de filme, ele conta da intenção de trazer uma densidade maior para o trabalho, iniciado ainda em 2016 e finalizado em 2019, tanto nos aspectos técnicos, como a fotografia, mas também na história.

Um dos fios que permeiam o texto escrito por Fernanda Torres, por exemplo, é o acerto de contas perante a escravidão no Brasil. Os personagens Couraça (Criolo) e Ana (Kênia Bárbara) são os fantasmas da história do filme e também de um país que ainda possui reflexos da exploração.

Legenda: Em entrevista, Andrucha contou da relação profissional mantida pela família no set Lima Duarte é uma das participações especiais do longa

Couraça, inclusive, funciona como o indutor das tensões e atitudes errôneas do protagonista. Traído pelos antepassados de Augusto, "os Menezes", ele viu a filha perder a vida por conta do tráfico de diamantes. Após perder tudo, inclusive pessoas tão importantes, não restou outra saída senão o tormento das gerações futuras.

"É a busca por uma reparação de cerca de 200 anos nesse personagem do Criolo. Foi um cara assassinado em busca de liberdade e que, como não desencarnou, parou no tempo e esperou por essa vingança", explica sobre o enredo.

Olhar

E não só de apelos desesperados e entradas furtivas vivem as narrativas de suspense. Pelo menos, é essa a ideia defendida por Waddington.

Questionado sobre as sequências de câmeras mais seguras para esse tipo de gênero, ele desconversa. Acredita mesmo é no temor causado pelos sussurros, pelas cenas mais escuras e nos recursos menos espalhafatosos em cena.

"Já tínhamos esse DNA do gênero no roteiro. Então buscamos trabalhar nossa fotografia e direção de arte em um conjunto para criar esse ambiente", inicia. Segundo ele, fugir de estereótipos esteve em pauta desde o início, quando tudo ainda estava até no campo das ideias.

"Propositalmente, buscamos essa fuga do clichê vindo dos sangues e sustos. Nosso filme tem uma pegada muito mais de drama, de construção de atmosfera, do que de um truque barato", pontua o diretor.

Para quem assiste, a sensação é exatamente essa: de imersão em um universo sombrio, que não revela o íntimo de si. É nas silhuetas difusas e nos olhares confusos dos protagonistas e coadjuvantes onde se deposita objetivo principal do que é visto.

Cinza

Se é para falar de detalhes, 'O Juízo' tem dos mais diversos. Na prática, possui um verdadeiro balanço entre as falhas e os acertos.

Ainda que a busca por fazer algo diferenciado tenha norteado o trabalho, o longa também utiliza de simbolismos típicos, em que o horror se esconde nos diálogos demorados entre os atores e até mesmo na propriedade principal da história.

No casarão da família de Augusto, onde passam a viver Teresa e Marinho, está o objeto principal da maldição. O filme não esconde isso. A todo momento, visto de cima, ele é imponente ao passo em que também é frágil, servindo como um espelho de um passado falho e tortuoso.

Além dos elementos físicos, o filme se propõe a construir uma aura. Uma energia pesada paira nas expressões dos personagens e na iluminação, como prova do sucesso da estratégia proposital da equipe de produção.

Talvez, esse seja o grande trunfo: moldar as expectativas de quem assiste a passos lentos, sem prometer tanto, mas ainda assim oferecendo um produto de entretenimento com certa qualidade.

Nesse caso, mesmo com alguns erros de ritmo e de clareza na história, o espectador ainda deve sair satisfeito. Nas palavras de Andrucha, é essa a intenção. "Quebrar os clichês e expectativas" utilizando-os a favor da narrativa.

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