Cia. Dita faz paralelo entre o corpo e a cidade no espetáculo 'Fortaleza'

Nova montagem da companhia de dança estreia nesta segunda-feira (17) no palco principal do Theatro José de Alencar

Escrito por Rômulo Costa , romulo.costa@verdesmares.com.br
Legenda: Em intervenção artística, bailarinos posaram nus diante de prédios históricos, como a Santa Casa de Misericórdia
Foto: FOTO: RÉGIS AMORA

Como dar conta das questões de um corpo-cidade que se lança como resistência? Foi essa pergunta que ressoou no imaginário dos bailarinos da Cia. Dita para dar início à montagem de "Fortaleza", o novo espetáculo de dança do grupo, que estreia hoje no Theatro José de Alencar. A apresentação encerra a programação em homenagem aos 109 anos do equipamento cultural localizado no Centro da capital cearense.

Com sete bailarinos em cena, o espetáculo é o desdobramento de um projeto que, a princípio, culminaria em um ensaio fotográfico sobre o patrimônio histórico da Cidade, mas que acabou sendo levado para os palcos. "A ideia era criar uma série de fotografias que pudessem propor uma relação entre corpo e arquitetura", insere o bailarino Fauller, que dirigiu o novo espetáculo.

Durante cinco anos, entre 2014 e 2019, a companhia mapeou e registrou 60 edificações históricas de Fortaleza que mantêm relação com a memória e a trajetória da cidade. O trabalho foi desenvolvido em parceria com o fotógrafo Régis Amora e abarcou desde construções datadas no século 18, como a Igreja do Rosário, até prédios mais modernos, como o Náutico Atlético Cearense, construido na década 1950.

Intervenção

A Praça Portugal também foi um dos equipamentos que receberam a intervenção dos artistas da companhia, em janeiro de 2015. A fotografia mostrava um casal completamente sem roupas se beijando na praça que, até então, estava no centro dos debates da Capital em razão do projeto da Prefeitura de Fortaleza que pretendia modificar o espaço para dar lugar a um cruzamento entre as avenidas Dom Luiz e Desembargador Moreira.

A imagem teve repercussão imediata, ganhou as redes sociais e desdobramentos na imprensa local. "O corpo é movido pelo viés político e cabe o paralelo com a arquitetura de uma cidade como Fortaleza, que não cuida da sua memória. Ver essas edificações junto aos corpos fomentam um debate sobre como a gente cuida da nossa memória", reflete Régis Amora sobre o trabalho.

A proposta era que o conjunto de fotos pudessem não só registrar o estado de conservação dos equipamentos, mas também servir como um convite para observar a arquitetura da Capital, que chega a se esconder na pressa do cotidiano e na falta de cuidados. "A gente não observa esses lugares. Nem mesmo os artistas têm essa relação de proximidade com eles. Eu queria evidenciar que esses locais existem e fazem parte da nossa memória e da nossa história", traduz Fauller, responsável por transformar o conceito em coreografias.

Legenda: Sete bailarinos se revezam no espetáculo que surgiu como desdobramento de ensaio fotográfico sobre a memória de Fortaleza

Foi a relação entre o corpo dos artistas e as edificações que atinaram o grupo a pensar um desdobramento cênico para o projeto fotográfico. "Coreografar é como organizar uma arquitetura. Existe uma necessidade de organização espacial, como a de alguém que quer construir algo", considera o diretor e coreógrafo.

Fauller entende também que apenas as fotografias não dariam a dimensão de uma outra Capital construída para além do concreto. "Fortaleza é uma cidade feita por pessoas, mais do que por prédios. A gente precisa construí-la todo dia para lidar com o contexto dela. É preciso construir uma fortaleza dentro de si para conseguir lidar com a violência, por exemplo", completa.

A edificação dessa cidade feita pelas pessoas e a partir delas é o que deverá estar na nova montagem, desde as raízes indígenas, passando pela relação com a Belle Époque, até acontecimentos mais recentes ligados à violência urbana - como as chacinas do Curió e da Gentilândia.

Corpo-cidade

Transpor o corpo exposto nas imagens para a dança no palco foi um processo natural, na avaliação da bailarina Wilemara Barros. O exercício foi pensar em um corpo que abriga também a cidade e que a expressa. "Passamos a descobrir um corpo que se locomove, habita e transporta a cidade. A gente descobriu, na verdade, um corpo-cidade", pontua a artista.

A experiência de posar nua diante das construções históricas também serviu para perceber fragilidades e potências que se transpuseram para o espetáculo. "O corpo da gente se encontra em situações frágeis em alguns momentos, mas carrega uma força de resistência muito grande. É como a arquitetura dessa cidade que sobrevive a tudo que está ao nosso redor", compara.

Serviço
Espetáculo "Fortaleza". Hoje (17), às 19h, no Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525 - Centro). Classificação indicativa: 18 anos. Gratuito.(3101.2583)

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