Axé music dos anos 1990 é celebrado no repertório de blocos carnavalescos em Fortaleza

Criado em Salvador ainda em meados da década de 1980, o gênero hoje inspira bandeiras, levanta saudosismo e entusiasmo entre o público das festas na capital cearense

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: O Bloco das Travestidas viu na referência das coreografias das músicas de axé uma possibilidade de se expressar e superar preconceitos
Foto: Foto: Thiago Matine

Até o fim da década de 1980, os artistas de maior destaque no cenário do axé music em Salvador (BA) vinham de comunidades e cantavam a realidade do povo negro - fundamental na história da primeira capital do País. Nomes como o pioneiro Luiz Caldas, Bamdamel e Sarajane mantinham o pé nessa influência e um certo apelo regional. Não sem razão, o termo "axé" batizou essa cena e significa "energia", em iorubá (um idioma da cultura afrodescendente).

Somente em 1992, com o estouro do disco e da música "O Canto da Cidade", da cantora Daniela Mercury, o axé ganhou espaço no cenário pop brasileiro e na mídia de alcance nacional. A influência se alargou pelo tempo e artistas que eram crianças ou ainda jovens, naquele período, hoje adotam esse repertório com a maior reverência em blocos carnavalescos.

Em Fortaleza, por exemplo, o das Travestidas e o "Pra Quem Gosta é Bom" abraçaram essa referência. E o cantor capixaba Silva fará seu quarto show na capital cearense, em apenas um ano, com repertório fundamentado no axé dos anos 1990 (Daniela Mercury, Araketu, Bamdamel, dentre outros). O "Bloco do Silva" se apresentará na terça (25), às 22h30, no Aterrinho da Praia de Iracema.

"O axé music ganha ares de música pop com Daniela Mercury. Ela trazia e ainda traz essa coisa ligada aos blocos afros, como o Ilê Aiyê, e ao samba-reggae. Mas, a Bamdamel tem um marco importante nos anos 1990. Já fazia sucesso desde 1980, mas na década seguinte lança 'Prefixo de Verão'. O axé até então trazia discursos sociais, falava de racismo. 'Prefixo' ainda marca muito essa coisa de falar de Salvador", situa o jornalista e curador musical Luciano Matos (BA).

Tema

Para o Bloco das Travestidas, "O Canto da Cidade" inspirou o tema do grupo para o ciclo carnavalesco de 2020, "As Cores da Cidade". Segundo a drag queen Mulher Barbada, a música é um hino do axé e coroa a diversidade abraçada pela comunidade LGBT. "Nesse pensamento, queríamos colocar músicas do axé que também nos embalaram quando éramos adolescentes", observa.

O bloco inclui outros clássicos do axé na sequência de seu show atual, como "Pequena Eva", sucesso da banda Eva (e que projetou Ivete Sangalo para o estrelato), e um medley do É O Tchan. Para a Mulher Barbada, embora a crítica musical nem sempre tenha digerido bem o axé "estourado" nos anos 1990, boa parte já reconheceu esse legado como algo genuinamente brasileiro. "Mas, pra mim, o povo sempre abraçou a axé music como um grande tesouro nacional", diz.

Para a drag queen, esse repertório, mais que o apelo estético em si, remete à lembrança de quando várias pessoas LGBT tinham vontade de se expressar, mas ainda temiam o preconceito e a repressão. "Só que agora a gente tem 'outros corpos', outras vivências. A gente já saiu dos armários, parou de se esconder, botamos a cara na rua. É como se a gente tivesse se dando a liberdade para reviver a 'criança viada' que nós éramos nos anos 1990", reflete.

Refrões

Rodolfo Ricardo, baixista do bloco Pra Quem Gosta é Bom, lembra como o público, às vezes, não identifica os versos do repertório de axé logo de cara, mas costuma "explodir" de alegria nos refrões. "Algumas músicas pegam mais do que outras. 'Baianidade Nagô' (Bamdamel) é uma que as pessoas cantam do início ao fim (e nós do bloco também!)", conta.

Com apenas dois anos de estrada pela programação festiva da cidade, o bloco encontrou no axé dos anos 1990, uma referência para montar seu repertório, dentre nomes contemporâneos da música baiana (Baiana System), maracatus, frevos e outros gêneros de apelo carnavalesco.

Legenda: Há dois anos na ativa, o bloco "Pra Quem Gosta é Bom" incluiu o axé em seu repertório carnavalesco atual

Para Rodolfo, quem traz o axé music dos anos 90, em sua memória afetiva, pode viajar para um tempo bem distinto de hoje. "Até a metade da década de 1990, não tínhamos internet, então, quando uma música fazia sucesso, querendo ou não, nós tínhamos acesso pela televisão ou pelo rádio. Não diria que ganhou um respeito da crítica agora, mas as crianças e adolescentes daquela época hoje também curtem essas músicas (e muito!) nas festas e nos pré- carnavais da cidade", observa.

Serviço
Pré-Carnaval

Neste sábado (15), às 20h, o Bloco das Travestidas se apresenta pela programação no Largo dos Tremembés (calçadão da Praia de Iracema, próximo à Ponte Metálica). O Bloco Pra Quem Gosta é Bom será atração do Polo da Praça Waldemar Falcão, dos Correios (Centro), de 16h às 20h. Acesso gratuito.

Confira a programação completa deste último fim de semana de Pré-Carnaval em Fortaleza.

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