Audiovisual cearense marca presença na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Duas produções da Cariri Filmes, filmadas fora do Estado, destacam-se entre os longa-metragens que serão exibidos no festival

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Homenageado ao lado da filha Camila Pitanga, Antônio Pitanga atua na obra de Rosemberg Cariry
Foto: Petrus Cariry

23ª Mostra de Cinema de Tiradentes inaugura o calendário audiovisual brasileiro em 2020. Entre os dias 24 de janeiro e 1º de fevereiro, a cidade histórica mineira abraça a diversidade cinematográfica nacional. Gratuito, o evento reúne 113 filmes (31 longas, 1 média e 81 curtas-metragens), divididos em 53 sessões de cinema. A rica programação inclui mesas de debate, oficinas, lançamentos de livros e performances artísticas. A sétima arte cearense demarca forte presença na agenda de exibições.

A noite de abertura da Mostra traz a pré-estreia mundial de "Os Escravos de Jó", de Rosemberg Cariry. Na ocasião, diretor e equipe se reúnem para celebrar as trajetórias de Antônio Pitanga e Camila Pitanga, artistas homenageados desta edição. O ator baiano, com reconhecida contribuição ao cinema nacional, integra o elenco do drama produzido por Bárbara Cariry, da Cariri Filmes.

Outro grande nome do audiovisual a brilhar em Tiradentes e contar com o trabalho da produtora cearense é o cineasta Geraldo Sarno. Aos 81 anos, o realizador acostumado a filmar obras reflexivas que mergulham nos costumes e anseios da cultura popular nordestina retorna à ficção com "Sertânia". Rodada durante quatro semanas nas cidades de Milagres, Brumado e Marcionílio de Souza, no interior da Bahia, a obra concorre com outros cinco longas ao Troféu Carlos Reichenbach (Mostra Olhos Livres).

As produções cearenses "Cabeça de Nêgo", de Déo Cardoso e "Canto dos Ossos", de Jorge Polo e Petrus de Bairros, participam da "Mostra Aurora" e também estreiam em Minas Gerais. Destaque do último Festival de Gramado com oito prêmios, "Pacarrete", de Allan Deberton, terá exibição especial na "Mostra Praça". A sessão inclui bate-papo com o público presente.

Legenda: Cena do filme "Cabeça de Nêgo", de Déo Cardoso
Foto: Divulgação

A produtora Bárbara Cariry evidencia a força dos profissionais cearenses do cinema envolvidos tanto em "Os Escravos de Jó" como "Sertânia". Audiovisual é sinônimo de trabalho e somadas as duas equipes temos um contingente superior a 160 empregos diretos. As filmagens também movimentaram restaurantes, hotéis, lavanderias, postos de gasolina e todo o mercado das cidades visitadas.

"A oportunidade de exibir os dois filmes em Tiradentes foi um presente enorme. São projetos filmados fora do Ceará. Foi um desafio levar nossas equipes, fazer esse intercâmbio e produzir com trabalhadores cearenses. 2019 foi um ano feliz nesse sentido", descreve a produtora.

Retorno

Ao telefone, Geraldo Sarno divide as expectativas em torno da volta às telonas. "Sertânia" é um projeto tocado desde 2003 e após uma série de entraves só conseguiu ser concluído graças à colaboração da Cariri Filmes. A obra une e ilumina uma filmografia desbravadora do Sertão nordestino. São mais de 50 anos de carreira e cerca de 20 produções, entre curtas, longas e programas de TV. Atravessa ícones como "Viramundo" (1965), "Viva Cariri" (1969), "Iaô" (1976), "Coronel Delmiro Gouveia" (1977), e "Casa-Grande e Senzala (1978).

Legenda: Geraldo Sarno explora a poesia do cinema e o conhecimento adquirido ao percorrer o Sertão nordestino
Foto: Miguel Vassy

"Sertânia é uma história que vem de uma reflexão sobre o Sertão e o cinema", argumenta Sarno. Explorando as possibilidades da fotografia preta e branca, "Sertânia" ambienta a trama no período do pré-cangaço. Naquela cidade fictícia somos apresentados ao desterro de Antão (Vertin Moura). Filho de Canudos (BA) e homem marcado por perdas familiares, ele retorna de São Paulo e passa a integrar o bando de jagunços de Jesuíno Mourão, papel de Júlio Adrião.

Legenda: "Sertânia": Mergulho nas memórias doloridas
Foto: Miguel Vassy

O fora da lei é baleado e fica à beira da morte. Assim, Sarno esmiuça uma narrativa não-linear, baseada nos delírios do protagonista. Memórias de dor são devassadas e o veterano destila temas como as relações de poder, paternidade, religiosidade, a carência de um lar e feminilidade no Nordeste do Brasil.

Identidades

Após "Os Pobres Diabos" (2013) e "Notícias do Fim do Mundo" (2019), Rosemberg Cariry adentra os impasses da construção da identidade durante a juventude. "Os Escravos de Jó" tem como cenários a força histórica de Ouro Preto. Filho de pais adotivos, Samuel (Daniel Passi) é um jovem estudante de cinema e conhece Yasmina (Daniela Jesus), uma imigrante palestina. Os dois se apaixonam e precisam enfrentar as dificuldades que surgem por conta de suas histórias e perspectivas de vida.

Explorando a arquitetura barroca do patrimônio artístico brasileiro e universal, Cariry adentra as proximidades entre herança colonial e contemporaneidade. O diretor elogia o convite da Mostra Tiradentes e aponta o festival como um dos mais importantes palcos das artes no Brasil por reunir obras intensas e permitir o amplo debate em torno de políticas públicas, mercado, estéticas do cinema, entre outros assuntos pertinentes. Participar da homenagem a Antônio Pitanga (ele interpreta o livreiro Jérèmie Valés), é outra notável alegria.

Legenda: Os estudantes Yasmina (Daniela Jesus) e Samuel (Daniel Passi) se apaixonam, na cidade de Ouro Preto. No entanto, precisam vencer muitas dificuldades e preconceitos para afirmarem o seu amor
Foto: Petrus Cariry

"É um ator muito experiente. Possui uma trajetória desde a década de 1960. Atuou desde produções mais caras a trabalhos de baixo orçamento. Trabalhou com grandes diretores e é sempre uma figura afável, aberta e que está sempre contribuindo de uma forma muito positiva no processo de construção do filme", compartilha o cearense.

O atual cenário do audiovisual brasileiro passa pelo crivo do experiente realizador. O Brasil vive situação "muito complexa e trágica", mas é necessário manter a altivez por meio das artes. "Não podemos perder a sensibilidade, nem a poesia, e a capacidade de trabalho. Se nós perdemos isso, será a vitória completa da obscuridade. Acredito que o Brasil é maior que isso tudo. Vamos superar. Passamos por momentos mais difíceis", completa Rosemberg Cariry.

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