As Bahias e a Cozinha Mineira expõe violências cotidianas brasileiras em nova fase da carreira

Álbum "Tarântula" puxa levante contra opressões em crônicas contemporâneas; confira entrevista exclusiva ao Verso

Escrito por Wolney Batista , wolney.santos@verdesmares.com.br
Legenda: Recente álbum da banda explora, em 10 canções, sonoridades mais maduras de Raquel Virgínia, Rafael Acerbi e Assucena Assucena
Foto: FOTO: PEDRO DIMITROW

O período histórico turvo por qual passa o Brasil, e todas as questões que o envolvem, é a espinha dorsal dos debates levantados pelo grupo As Bahias e a Cozinha Mineira em "Tarântula", álbum mais recente da banda.

O posicionamento sociopolítico já parte no título do novo trabalho, que faz referência a uma ação policial feita pela ditadura militar paulista em 1987 e que perseguiu mais de 300 travestis com objetivo de exterminá-las como forma de prevenir o HIV.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, na última semana, que aprova o uso de leis de racismo para punir homofobia reforça a urgência para a reflexão sobre a violência e marginalização sofrida por grupos, como o LGBT.

O espaço travesti é o mais marginalizado da sociedade até então. A gente conversa muito entre nós sobre a questão do convívio e a possibilidade da entrada da travesti dentro do mercado de trabalho, dentro do espaço no qual ela é renegada. Dentro das estatísticas brasileiras, de 10, nove estão na prostituição de maneira compulsória e a única coisa que pode mudar isso é o fato de as pessoas terem a consciência e contratar travestis pra dentro desses espaços", posiciona-se Rafael Acerbi, que ao lado de Raquel Virgínia conversou com exclusividade com o Verso.

"Eu sou um homem que aprendi muito junto com elas a respeito de mim, a respeito delas, então, acho que o brasileiro não convive com as travestis; e a partir do momento que você convive também transiciona a sua mente, seus princípios e passa a, de fato, ter uma relação de respeito com as pessoas", completa ele ao citar as vocalistas Raquel e Assucena Assucena, duas mulheres trans.

Para Rafael, a empatia é um dos caminhos possíveis para reverter esse rastro de sangue no País, assim como o trabalho da banda. "Entender o que nos diferencia, o que nos aproxima e como a gente consegue, a partir daí, através do afeto, construir outras possibilidades de Brasil, onde esses números de violência parem de crescer. Porque a gente vive números de guerra. A nossa música tem essa missão também de levar essas vozes, da Raquel, da Assucena pra abrir os olhos e os ouvidos das pessoas".

Ainda sobre o título do novo álbum, Raquel ressalta a importância de lembrar esse episódio como forma de denunciar e impedir que uma postura similar do Estado se repita na história.

"Para nós é superimportante rememorar esse momento porque a gente precisa entender que quando um grupo persegue outro já é um absurdo, mas quando um Estado passa a perseguir um grupo específico, é muito sério", exprime.

Foto: FOTO: PEDRO DIMITROW

Para a artista, é urgente trazer "Tarântula" para um lugar de destaque e abordar o tema em toda oportunidade. "É importante falar sobre isso, o estado brasileiro perseguindo um grupo específico, no caso o público LGBT, mas poderia ter acontecido com qualquer outro grupo, e a gente não pode deixar que isso nunca mais aconteça com grupo nenhum".

Polarização

O novo disco é composto por 10 canções, todas escritas por Rafael, Raquel ou Assucena. Em uma das faixas, "Pipoco e Pipoca", o grupo joga luz sobre o armamento, a supermidiatização das esferas da vida e a violência que abate as classes mais carentes da sociedade. "No final das contas, as violências sempre estão entre as camadas mais baixas. A elite brasileira não sofre o tanto de violência que as outras camadas da sociedade sofrem, andam nos seus carros blindados, dentro de sua segurança", diz Raquel.

A forte polarização política, que se acentuou após a última eleição presidencial, no fim do ano passado, também é alvo de um pensamento crítico no projeto musical. "A música 'Chute de Direita' super-retrata o símbolo do que se tornou a polarização. A Assucena é a compositora da música e ela fala desse lugar do futebol como panis et circenses da realidade brasileira. Em termos do que a gente está fazendo nesse disco, tudo que a gente faz é político e tudo tem um significado", pincela Rafael .

Ele sinaliza que As Bahias busca explorar, através da música, crônicas da realidade brasileira em um momento socialmente complexo, em que "há polarizações extremas e uma dificuldade de estabelecer diálogo entre opostos".

Outro destaque da nova fase da carreira é a animada "Shazam Shazam Boom", um mergulho mais profundo no universo pop. "É uma espécie de metalinguagem do pop, fazer uma crítica ao pop e também a todas as formas do século 21 de se fazer arte, onde tudo tem que ser espetacularizado".

Fortaleza

Dias antes da entrevista, Raquel havia passado uma curta temporada na capital cearense, um lugar que ela definiu com "uma cena artística pungente, onde tem muita gente bacana trabalhando e desenvolvendo arte".

Da cidade, a artista tem na memória um show simbólico no Dragão do Mar, no dia em que Belchior faleceu. Além disso, conta boas surpresas musicais que teve por cá. "Tô apaixonada pela Mona Gadelha. Eu tive uma conexão com ela, por conta de um laboratório de músicas. Ela conhece muitos compositores incríveis do Ceará. É uma felicidade estar conhecendo o trabalho, ela é uma grande compositora, cantora, jornalista, articuladora cultural. Foi um feliz encontro".

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