Ameaçado de fechar as portas, Teatro da Praia é um dos últimos espaços culturais da Praia de Iracema

Após 27 anos de atividades, prédio do teatro foi colocado à venda. Outros equipamentos localizados no entorno do Dragão do Mar acabaram ou migraram para outras regiões

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Teatro só pode existir se funcionar na Praia de Iracema. Gestor busca alternativas para manter o espaço
Foto: Foto: Fabiane de Paula

A mensagem recebida, em plena sexta-feira de Carnaval (21), foi das mais indigestas. Naquela altura, Carri Costa fora procurado pelos proprietários do imóvel no qual funciona o Teatro da Praia. Soube da proposta de compra do prédio. O valor informado apontava cifras em torno de R$ 900 mil.

"Fiquei meio suspenso, não perguntei quem iria comprar. Ouvi a notícia. A história do Teatro rolando na minha cabeça. Pedi calma, que iria pensar, colocar as ideias em dia. Ver o que poderia fazer", recorda, já na Quarta-feira de Cinzas, o ator e diretor. A folia e descanso do período momino desandaram. São 27 anos de existência somente naquele endereço.

Quase três décadas de história deixarem de existir era uma constatação que lhe martelava a mente. Carri optou por divulgar o imbróglio nas redes sociais. Ganhou apoio e a sensação de não estar só. Inicialmente, nada de apontar vilões. "Os donos do imóvel não me pressionam ou são más pessoas. Surgiu uma oportunidade de compra, e eles têm família também", adverte o responsável pelo Teatro.

Inaugurado oficialmente em abril de 1996 (o equipamento já funcionava três anos antes), o Teatro da Praia nasceu com um signo bem definido: ser palco democrático às artes. Nestes primeiros capítulos de trajetória, sediou oficinas voltadas à formação de atores e técnicos. Até serviu de cenário de videoclipe do cantor Falcão.

Legenda: Espaço de fruição das artes na Praia de Iracema
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Montado num antigo galpão, datado, segundo contas do próprio Carri, dos anos 1930, foi erguido sem nenhuma característica arquitetônica luxuosa. A função do prédio era atender à antiga zona portuária da cidade, próxima ao cais do Porto e à Ponte dos Ingleses. Em 1997, a realização do I Festival de Esquetes de Fortaleza (Festfort), no Teatro da Praia, era o prenúncio de uma estrada marcada por provações e resistência.

O atual locatário tem prioridade na compra. Foi até perguntado se poderia cobrir os R$ 900 mil. Difícil realidade para quem quitou os últimos quatro aluguéis no sufoco. "O Teatro da Praia nunca se bancou. Tem uma bilheteria que geralmente é R$ 15. Cabe em torno de 150 pessoas. Há três ou quatro anos não lota. A acessibilidade no entorno do Dragão do Mar ficou complicada também. A média do nosso público é de 70, 80, às vezes 30 pessoas, no máximo. Então, como é que um espaço desse se mantém?", questiona o organizador.

Cenário

O caso Teatro da Praia se assemelha a outras casas culturais que deixaram de existir ou buscaram melhores dias longe da Praia de Iracema. Teatro da Boca Rica e Teatro das Marias encerraram as atividades e precisaram debandar diante dos muitos impasses de manutenção. Um duro golpe em quem respira e depende de cultura. Outras configurações de espaço como Alpendre - Casa de Arte, Amici's, Noise 3D, Hey Ho Rock Bar restam apenas na memória.

"Quando chegamos, não tinha Dragão do Mar, não existiam esses bares e boates. Trouxemos para cá, no início do Teatro da Praia, um público alternativo, gente que não ia para teatro. Com a vinda do Dragão, até pensamos que iria alavancar. Aconteceu o oposto, pelo não apoio. A proposta de tornar a área em uma grande zona cultural não aconteceu", critica Carri.

Respondendo pelo Teatro da Boca Rica, Rejane Reinaldo também volta no tempo. 1995 foi o ano de estabelecimento do teatro. A missão, ser por excelência um território voltado às artes da periferia e do interior do Ceará na Praia de Iracema.

Legenda: "A premissa era trabalhar o nosso teatro. Nosso teatro sempre foi de periferia, o Boca Rica que antes se chamava 'Grita' nasceu no Rodolfo Teófilo. Fomos para a Praia de Iracema com aquela ideia de ampliar nossos horizontes, fazer teatro, mas também ser um centro divulgador das artes populares. Fazer mostras de reisados, dramas, muito rock, hip hop", divide Rejane Reinaldo
Foto: Fabiane de Paula

"Muita gente por ali tinha aquela ideia de que viria o Dragão do Mar e teríamos um polo aglutinador. Com um arredor de muitos ateliês, teatros, centros culturais. Abertos, produzindo, para exatamente haver essa conexão, essa resposta, uma relação profunda com o Dragão", argumenta a atriz, diretora, professora universitária e pesquisadora.

Destinos

Hoje, após quase 20 anos de serviços prestados, o Teatro da Boca Rica retornou às origens. Funciona atualmente no bairro Rodolfo Teófilo. Migrar também foi a alternativa do Teatro das Marias, após sucessivas batalhas para manter a casa em Iracema.

Fundado em 2004, como residência oficial da Cia. Vatá, o Teatro das Marias investiu, ao longo desses anos, como um fomentador do mercado cultural cearense, com atividades de oficinas, residências, circo, teatro e realização de espetáculos.

Legenda: "Em abril de 2018 fechei as portas do Teatro das Marias depois de resistir por 15 anos.Foram anos de luta e resistência. Brigando Lutando pela revigorada da Praia de Iracema e em especial por existir sendo um espaço cultural gerido e mantido por mim e minha família, quem muito me ajudou", relembra Valéria Pinheiro
Foto: Fabiane de Paula

A iniciativa mudou para o sertão cearense, precisamente no município de Jati, vilarejo Mãe D'Água. "Não tivemos apoio nenhum, em qualquer instância federal, estadual ou municipal para manutenção do Teatro das Marias. Até que tive que colocar tudo dentro de um caminhão e vir embora. Até hoje pago dívidas", explica a gestora do equipamento, Valéria Pinheiro.

A luta de Valéria segue em outro pedaço de chão cearense, tão carente ou mais de cultura como a região central de Fortaleza. "Temos que cobrar e exigir da pasta de cultura a manutenção de espaços... O Estado não é só Fortaleza O Cariri não é só Crato, Juazeiro e Barbalha. Enquanto eu existir serei uma voz forte", diz a realizadora.

Futuro

O Teatro da Praia, argumenta Carri, nunca funcionou como um espaço particular para fins comerciais. Muito pelo contrário. Desses 27 anos mobilizou a categoria de atrizes e atores. Na visão do artista, trouxe a cidade para a Praia de Iracema. O objetivo era que a população se apropriasse dessa casa cultural.

"Minha intenção é que o poder público me receba. Para mostrar a eles qual o valor desse lugar. É muito mais que esses 900 mil. É muito mais do que um prédio que venha a ser construído no local. Não é comprar um imóvel para mim. Isso aqui pode ser do Estado. Eu não quero é que o Teatro da Praia saia daqui. Não quero que esse espaço relevante se esvaia", acrescenta Carri Costa.

Legenda: "Para nós é difícil manter a limpeza do espaço. Não temos funcionários. Sou eu um casal de amigos que limpamos. Fazemos a bilheteria, varremos, espanamos. É uma coisa bem artesanal o Teatro da Praia. A questão humana é muito forte", explica o diretor
Foto: Fabiane de Paula

A Secretaria de Cultura do Ceará (Secult) afirma estar aberta a ouvir artistas, grupos e coletivos culturais, debatendo as políticas públicas para as artes e cultura. "Já estamos também em conversações com o próprio Carri Costa no sentido de pensar alternativas para a permanência desse teatro tão importante para a cena artística em nosso Estado", explica em nota a Secult. Dentre as ações programadas pela Pasta, consta o lançamento de edital específico para manutenção de espaços cênicos, previsto para o segundo semestre de 2020.

Sem perder o humor e o desejo de um melhor destino ao Teatro da Praia, Carri assume que a ideia é não parar. "A programação permanece. Muito pelo contrário, vou é aumentar. Estamos em cartaz de sexta-feira a domingo. Vou trazer mais pessoas para cá, chamar mais grupos", finaliza.

Nota da Secultfor:

A Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) esclarece que o Teatro da Praia, bem de propriedade privada, não possui tombamento municipal. Por reconhecer a relevância da questão suscitada e a importância da manutenção do espaço como equipamento cultural, a Secultfor se dispõe ao diálogo com a direção do Teatro, o proprietário do imóvel e outros agentes para a avaliação dos cenários e encaminhamentos possíveis.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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