Alice Braga fala com exclusividade sobre desafios de produzir cinema no Brasil

Considerada a atriz brasileira mais bem-sucedida no exterior, Alice Braga não abandona as produções nacionais. Também produtora, ela fala sobre a necessidade de contar histórias por meio do cinema, mas se preocupa com as políticas de incentivo

Escrito por Rômulo Costa , verso@verdesmares.com.br

A fala apressada da atriz Alice Braga dá vazão a questões próprias do cinema, mas não deixa de ser suficientemente veloz para apontar as necessidades que vão além da linguagem que a projetou no mundo.

Aos 35 anos e equilibrando a responsabilidade de ser a atual atriz brasileira mais bem-sucedida do cinema internacional, a paulistana deixa escapar preocupações com a gestão da cultura no Brasil, as políticas de incentivo e a formação de novos profissionais de cinema no País. Tudo isso em nome de uma urgência que não se esgota na produção cinematográfica: a de perseguir as boas histórias.

A atriz esteve em Fortaleza no último dia 15 para avaliar roteiros produzidos por estudantes do Laboratório de Audiovisual da Escola Porto Iracema das Artes. Veio a convite dos cineastas Sérgio Machado e Karim Aïnouz, velhos parceiros de cinema que atuaram como tutores de parte dos roteiros finalizados na escola de artes cearense. Alice, como fez questão de dizer, também empreendeu a viagem por acreditar que é preciso descentralizar a produção audiovisual brasileira e apostar nas cabeças grávidas de enredos ainda não contados.

Aliás, esse desejo de observar personagens e suas trajetórias parece mesmo ser o desejo da atriz desde que viveu a jovem Angélica no filme "Cidade de Deus" (2002). O reconhecimento internacional do filme acabou ensejando a carreira internacional de Alice que, anos mais tarde, viu-se atuando em grandes produções do cinema de Hollywood. "Esse filme foi o início de tudo. Foi o que me abriu as portas lá fora e aqui no Brasil também", dimensiona.

De lá para cá, a paulistana que acompanhou a profissão da mãe e da tia, respectivamente Ana e Sônia Braga, empreendeu uma rotina dividida entre as produções em Los Angeles e o cinema brasileiro.

Alice faz questão de não se enxergar longe do Brasil, embora a carreira no exterior acabe por colocá-la de certa maneira distante do País. "Engraçado que as pessoas sempre falam 'nossa, uma atriz internacional'. Eu sempre faço questão de dizer que não sou uma atriz internacional. Eu sou uma atriz. Trabalho lá (nos EUA), eu abri portas lá, mas eu continuo aqui", demarca.

Acumulando mais de uma década de carreira no exterior, o que lhe rendeu prêmios e reconhecimentos relevantes - como o ingresso este ano na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pela premiação do Oscar -, as produções nacionais nunca deixaram de estar nas possibilidades da atriz.

Por aqui, filmou longas como "O Cheiro do Ralo" (2006) e a comédia Entre idas e vindas (2016), ao mesmo tempo que encaixou produções internacionais como "Eu Sou a Lenda" (2007) e "Elysium" (2013). Mais recentemente, outras duas produções estão prestes a ser lançadas: o longa nacional "Eduardo e Mônica", inspirado na música de Renato Russo, e "Os Novos Mutantes", filme da franquia X-Men.

Legenda: Alice Braga esteve em Fortaleza para ser júri da produção de alunos do Laboratório de Audiovisual da Escola Porto Iracema das Artes
Foto: FOTO: Helene Santos

Protagonismo feminino

Versátil, a atriz passeia entre os blockbusters e produções mais autorais. Para ela, o que importa é a trajetória do personagem que é convidada a dar vida e, nesse caminho, a sensibilidade é uma aliada. "Quando você é ator, tem quem está sempre aberto ao desconhecido. Alguma coisa aparece no seu caminho - um roteiro, uma história, um personagem. Tento seguir meu o coração", afirma.

Até aqui, Alice Braga diz que seguiu as "portas abertas" diante de si para empreender a carreira internacional.

Agora, uma das preocupações é a necessidade de garantir o protagonismo das mulheres no cinema. Ela defende que mais histórias sejam contadas na perspectiva feminina para garantir a igualdade de gênero. "É surreal que a gente esteja falando disso ainda hoje. Mas, a gente tem que seguir nessa luta, seguir batalhando, levantando essa discussão", afirma.

O desafio de produzir

Já na quarta temporada como protagonista da série norte-americana "A Rainha do Sul", mais recentemente ela decidiu acumular mais uma função no cinema ao se arriscar como produtora independente. À frente da empresa Losbragas, que mantém com a irmã Rita Moraes, um dos primeiros trabalhos de Alice no ofício foi produzir a série de comédia "Samantha" para a Netflix. "Como produtora, minha vontade é apoiar projetos que talvez não conseguissem existir sem contatos, possibilidade de investimentos. Isso é um jeito de apoiar e incentivar nossa cultura", afirma.

Econômica ao tratar da própria carreira, a fala da atriz é constantemente entrecortada por preocupações sobre a política nacional, em especial por possíveis interferências na área da cultura. As prováveis mudanças na gestão cultural brasileira dão o tom das inquietações.

Para Alice, o futuro ainda enseja dúvidas e o cinema nacional pode ser prejudicado. "Apoiar nosso cinema é urgente. Agora, mais do que nunca. Nós já tínhamos certa dificuldade e com o que está acontecendo hoje no País, as pessoas tratando a cultura da maneira como estão tratando, os artistas sendo tratados da maneira como estão...", levanta a dúvida.

As críticas empreendidas às leis de incentivos, como a Rouanet, é uma das indignações que Alice não esconde. Para ela, criou-se uma "guerra de narrativas" que impede que as pessoas percebam o retorno cultural e financeiro existente quando o Governo decide apoiar a cultura. "As pessoas não têm acesso a informações de como isso potencializa uma indústria, de como isso gera dinheiro e impostos", assevera.

Mesmo se considerando otimista, Alice fala em desafios quando vislumbra o futuro do cinema nacional. É hora de estar junto com outros produtores e conectada às produções independentes, como as desenvolvidas no Ceará, como ela aposta. Assim, acredita que o cinema brasileiro pode se fortalecer. "A gente vai passar por um período bem difícil para a nossa cultura, mas agora é hora da gente batalhar mais para contar nossas histórias, continuar nos apoiando para não perder o pé", considera.

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