A música para embalar o sono

Em tempos de celulares e conexões digitais sem descanso, colocar uma criança para dormir pode ser um desafio aos pais e cuidadores. O hábito de ninar os bebês é antigo e, agora, com a sociedade hiperconectada, ganha reforço de diversas formas. Seja pela criação (e reprodução) de repertórios para os pequenos escutarem, a exemplo do que faz a compositora cearense Joyce Custódio; ou com auxílio de vídeos criados para o ritual antes do sono, como atua o músico paulista Hélio Ziskind (autor de canções das séries de TV do Cocoricó e do Castelo Rá Tim Bum).

Com toda a modernidade, alguns pais dão continuidade às cantigas de ninar. Para a psicóloga Lourdes Magalhães, especializada no atendimento infantil, a importância desse hábito é estabelecer um "acordo rítmico" entre os pais e a criança. "Existe aquele toque de embalar. Um diálogo corporal e emocional ímpar entre pais e filhos", observa .

Esse costume de colocar para ninar, segundo a psicóloga, também ajuda a estabelecer uma linguagem de afeto e a relação de confiança entre pais e filhos, reforçado pela delicadeza da musicalidade. "Estabelecendo essa confiança, a criança leva isso pra vida", acrescenta Lourdes.

Em Fortaleza, à frente do projeto "Pratecantar", Joyce Custódio produz canções encomendadas para crianças. Tudo começou com a necessidade de embalar o próprio filho, Leon. Até então, ela não tinha o foco em criar para esse universo, mas a criação da canção e o contato com o repertório da dupla Palavra Cantada (SP) despertaram a vontade de desenvolver essa vertente artística.

Encanto

"Fui atrás dos CDs de canções de ninar do Palavra Cantada. Fiquei mexida com a possibilidade desse tipo de composição para esse público, aos recém-nascidos. E acho que me instigou também a preocupação (da dupla) com o arranjo, com a sonoridade", lembra Joyce Custódio. Além do projeto solo, ela forma o trio de música infantil Trupe Realejo, ao lado dos músicos cearenses Renan Rebouças e Alex Vasconcelos.

Focado no conteúdo audiovisual, o músico Hélio Ziskind veicula, há um ano, a série "Boa Noite", para seu canal no Youtube (o "Zis Canal"). Ziskind posta vídeos em que ele contracena com um bonequinho de animação. No vídeo, para colocar o companheiro pra dormir, o músico canta um repertório próprio de canções: criações recentes, composições da série do Cocoricó, dentre outras.

Foco

Ziskind observa que a ideia é "criar um foco", um clima para a criança se concentrar e dormir. "As histórias nem sempre são calmas, são até de perigo. Mas por que elas se acalmam? Porque produz um foco. A criança vê o bonequinho indo dormir, e pode trazer isso pra si", reflete o músico.

Até então, Joyce Custódio diz que recebeu poucas encomendas para o projeto "Pratecantar". No entanto, o que ela criou, nesse sentido, segue a linha das histórias de vida dos familiares do bebê e do impacto da chegada da criança na família.

Informações específicas do comportamento infantil, a origem dos pais, dos avós, são referências para a compositora criar uma canção que traça um perfil do bebê e também envolva seus parentes. Indagada sobre o que seria importante para criar uma boa canção de ninar, Joyce observa, por intuição, que a relação entre a mãe e o bebê é uma referência.

Elementos

Notas mais longas, cuidado com a voz e uma sonoridade relaxante, com instrumentos percussivos que reproduzem sons da natureza, por exemplo, são elementos da composição feita para acalmar as crianças. Além disso, "(o tom da) voz materna é muito importante. É uma ligação íntima, e a criança reconhece", acrescenta a artista cearense.

O músico Hélio Ziskind enfatiza o apelo da voz dos pais junto às crianças. "A mãe e o pai que cantam pra criança dormir trazem uma comunicação profunda", identifica. Ele ainda observa como "a voz fica num estado de relaxamento que comunica uma paz pra criança. Mais que a canção em si, existe a questão das vozes de quem canta, que são a mensagem principal". Pela série "Boa Noite", Ziskind canta sobre temas como "brincar no parquinho", "a esperança", "o pé de feijão" e "o céu dos índios".

Confira "Brincando no Parquinho", um dos vídeos da série: