Tragédia de Milagres não foi solucionada, após dois meses

A sociedade ainda aguarda uma resposta para a trágica madrugada de Milagres: quem matou os reféns? Feitas as investigações, o que dizem os laudos? A reportagem apurou que um desfecho pode estar muito próximo

Escrito por Melquíades Júnior , melquiades.junior@diariodonordeste.com.br

Já estão com os delegados os laudos periciais das câmeras, armas e projéteis recolhidos após ação policial no dia 7 de dezembro, durante tentativa de roubo a bancos em Milagres, que resultou em 14 mortos, sendo seis reféns. De posse de novas informações, delegados e promotores da comissão criada para acompanhar o caso estão realizando, durante esta semana, oitivas com testemunhas.

A fase atual é medir a conduta individual de cada agente. Foram aguardados, ontem, policiais militares do Comando Tático Rural (Cotar), mas eles não compareceram. O Cotar esteve na cena do crime após as dez primeiras mortes - nas ocorrências no centro de Milagres estavam 12 policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate).

Passados dois meses do dia que começou conhecido como "trágico", mas que o tempo revelou "desastroso", os crimes em Milagres estão mais cercados de sigilo do que de mistério. O sigilo como uma forma de não gerar ruídos de comunicação de um caso de "grande complexidade", conforme acompanhantes do episódio. Até hoje, o maior ruído veio das próprias autoridades: o secretário da Segurança, André Costa, e o governador Camilo Santana quando, no calor do primeiro dia, destacaram o êxito da frustração: bandidos não conseguiram roubar os bancos. Tudo ganhou outros contornos com o eco da frase "vocês mataram minha irmã", de Genário dos Santos para um dos policiais do Gate, sobre, a irmã Edneide, tomada refém e depois morta.

Legenda: Corredor lateral da casa na localidade de Campo Agrícola, zona rural de Milagres, por onde dois suspeitos tentaram fugir e foram abordados dentro da residência.
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

A reportagem apurou que evidências levam para a confirmação de que boa parte dos disparos que geraram vítimas teriam partido da direção onde estavam os policiais - "é hora de apontar as condutas individuais", disse um investigador. Diante das novidades, as defesas dos PMs partiriam para evitar, ainda assim, a responsabilidade dos mesmos, com base em algumas estratégias: dizer que o local estava escuro, que era impossível distinguir quem era "refém" de quem era "bandido". As roupas que vestiam os reféns (alguns estavam com jaquetas) também dificultariam outro entendimento. Os policiais teriam feito, assim, o "procedimento".

Para o caso de Edneide, a cearense morta com tiro na cabeça enquanto era sequestrada no carro interceptado pelos suspeitos, policiais alegam que, após um refém ter sido colocado no capô do carro, e após ter saído de cima, ficaria difícil acreditar que restariam outros reféns dentro - estavam Edneide e a mãe Laurinda. Isso porque os laudos já apontariam para o disparo feito pela Polícia.

Mas nem tudo se sustenta, conforme outros apontamentos apurados pela reportagem: a área onde a família pernambucana foi morta, no cruzamento das ruas Padre Misael com José Esmeraldo, mantinha iluminação por pelo menos dois postes muito próximos do local.

Rosto limpo

Foi dessa forma que ao menos duas testemunhas viram as pessoas de rosto limpo (enquanto os suspeitos usavam balaclava) dando-se as mãos, denotando que estariam, ali, de escudo. Outras mais, dentro de suas casas, ouviram os gritos de Claudineide, 41, após a primeira sequência de disparos. Não mais ouvidos depois da segunda sequência.

No decorrer das várias oitivas realizadas nesses dois meses, os investigadores quiseram saber por que os corpos foram recolhidos da cena quando havia evidências de que não tinham mais vida - um dos adolescentes, Gustavo ou Vinícius, estava com o cérebro exposto em pedaços.

"Só sei que a culpa não é nossa", disse ontem um dos policiais do Gate, dizendo-se confiante com o andamento das investigações.

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