Poder das instituições é esvaziado pelo descontrole

No último dia da série de reportagens do Sistema Verdes Mares sobre a condição das carceragens do Ceará, a apuração revela como a falta de controle e monitoramento dos presos afetam na segurança do Estado

Escrito por Jéssica Costa / Márcia Feitosa ,
Legenda: Um militar do BPChoque (identidade preservada) definiu um presídio em rebelião como "o pior lugar em que esteve" e questiona como alguém consegue viver ali
Foto: Foto: Kid Júnior

A segurança no Sistema Penitenciário não evoluiu na mesma proporção que a população carcerária, no Ceará. Aos poucos, as instituições que deveriam garantir o funcionamento das unidades tiveram suas funções esvaziadas pelo descontrole. Não há agentes penitenciários, nem policiais militares suficientes nos Complexos de Itaitinga; não existe bloqueador de sinal de celular; não têm câmeras. A única coisa intocada é a muralha, que sozinha, não faz sentido.

Um policial militar lotado no Batalhão de Policiamento de Guarda de Presídios (BPGEP) explica que apenas a parte externa é de responsabilidade da PM. "Nossa responsabilidade é ocupar as guaritas, para que nada de fora impacte dentro do Sistema. Nossa guarda é externa, mas não está sendo feita direito. O Complexo Itaitinga II, onde estão quase todas as Casas de Privação Provisória de Liberdade (CPPLs), tem 12 guaritas, mas somente três tem gente".

Segundo o militar, equipes do Batalhão de Choque da PM estão sempre de prontidão no quartel, e podem ser chamadas em caso de emergência. "O BPChoque é acionado ao menor sinal de violência, porque os presos não respeitam os agentes, e só o Cotam, o Gate e o Raio conseguem controlar. Ninguém tem ideia do que acontece lá dentro. Não nego meu medo de estar ali, porque conheço quais são as reais condições da segurança".

Um oficial do BPChoque, que já esteve na intervenção de uma rebelião, falou com a reportagem sobre a operação. "É assustador. Sinceramente, não sei como alguém sobrevive ali. Estive mais de uma vez lá para conter rebeliões. A forma como eles gritam, como quebram as coisas é como se ali estivesse concentrada toda a raiva do mundo. Nunca senti uma coisa tão ruim quanto estar lá dentro, nem um alívio tão grande quanto sair de lá".

Medo

Uma operadora de telemarketing, que mora nas proximidades do Complexo, nunca esteve lá dentro, mas sente que as coisas estão muito piores, nos últimos dois anos. "Teve um tempo que ninguém nem percebia que tinha presídio ali, mas, de um tempo pra cá, todo mundo aqui vive apavorado. Quando começa a gritaria, tem gente que vai pra casa de um parente, com medo. Dia desses, saí para deixar meu filho na escola e encontrei um preso, que tinha acabado de fugir. Descalço, com uma cara de susto, ele fez sinal para eu e meu filho ficarmos calados. E ficamos. Todos morrem de medo deles".

Um agente penitenciário entrevistado disse que há tempos não faz seu trabalho do jeito que era para ser. "A gente vê sim muita coisa errada, mas são oito agentes contra mais de mil presos. O Estado não me dá condição de ser agente e eu tenho muito desgosto de minha omissão".

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