Operação Masmorras Abertas completa um ano, e denúncia ainda não foi recebida

O grupo de agentes penitenciários que ocupavam cargos de confiança retornou às funções em agosto do ano passado, mesmo mês em que o MPCE ofereceu a denúncia contra a suposta quadrilha composta por servidores públicos

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@diariodonordeste.com.br
Legenda: Os agentes chegaram a ficar afastados das funções durante 120 dias. Todos eles já tiveram o exercício da função restabelecido
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Maior escândalo envolvendo servidores do alto escalão da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus-CE) completou um ano. Neste intervalo, a nomenclatura da Pasta mudou. No início de 2019, deixou de ser Sejus e passou a ser denominada Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Os agentes penitenciários alvos da primeira fase da Operação Masmorras Abertas, que tinham funções de prestígio e comandavam as maiores unidades prisionais do Estado, voltaram a exercer os cargos públicos.

Mesmo decorridas centenas de dias, muito falta acontecer para desvendar a real participação dos agentes em um suposto esquema criminoso desarticulado e denunciado pelo Ministério Público do Estado Ceará (MPCE). Um ano se passou e o Poder Judiciário cearense ainda não analisou a denúncia do órgão acusatório.

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Agentes denunciados pelo MPC. A lista de servidores alvos da primeira fase da Operação Masmorras Abertas é composta pelos agentes penitenciários Edmar de Oliveira Santos, Celso Murilo Rebouças de Mendonça, Herlano Walquer Falcão Macieira, Paulo Ednardo Oliveira de Carvalho, João Augusto de Oliveira Neto, Mauro César Ximenes Andrade e Francisca Celiane de Almeida Celestino

Em agosto de 2018, o MPCE denunciou, por intermédio do Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), Edmar de Oliveira Santos, ex-titular da Coordenadoria do Sistema Penal (Cosipe); Celso Murilo Rebouças de Mendonça, ex-adjunto da Cosipe; Herlano Walquer Falcão Macieira, ex-diretor da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) II; Paulo Ednardo Oliveira de Carvalho, ex-coordenador de Patrimônio da Secretaria de Justiça e Cidadania; João Augusto de Oliveira Neto, agente penitenciário; Mauro César Ximenes Andrade, ex-diretor adjunto da CPPL I; Francisca Celiane de Almeida Celestino, ex-diretora do Centro de Triagem e Observação Criminológica (Cetoc) e Gizeuda Ferreira de Lima.

Conforme a acusação, o grupo composto por servidores públicos, à exceção de Gizeuda, por quase dois anos se associou às organizações criminosas "para cometimento de vários crimes contra a administração pública". O documento emitido pelo Ministério Público aponta que o grupo sempre agia em detrimento dos direitos fundamentais dos detentos, incluindo a prática de torturas e busca por vantagens individuais, se valendo dos cargos que ocupavam na Pasta para "se protegerem ou ocultarem seus crimes e de outrem".

Os servidores foram acusados de cometer crime de tortura; organização criminosa; oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, entre outros delitos. No dia 16 de abril de 2018, a primeira fase da Masmorras Abertas foi deflagrada evidenciando que muitas das constantes fugas no Sistema Penitenciário do Ceará tinham envolvimento dos servidores da Secretaria. Edmar de Oliveira e Herlano Walquer chegaram a ser presos por porte ilegal de arma e foram soltos horas depois.

De início, todos os agentes mencionados foram afastados das suas funções pelo prazo de 60 dias e impedidos de acessar prédios e sistemas da Sejus. O afastamento foi prorrogado por mais 60 dias e depois disso, ainda em agosto do ano passado, tiveram restabelecidos os exercícios das funções como agentes, mas sem atuarem diretamente nos presídios.

Por nota, o MPCE informou que os servidores afastados estão como agentes penitenciários de plantão, sem os cargos de gestão que ocupavam anteriormente. Nenhum deles foi exonerado. O Ministério Público destacou que aguarda liberar sigilo do processo para que informações sejam compartilhadas com a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD), o que deve contribuir com o processo no âmbito administrativo. Na denúncia, o Ministério Público pediu que um dos efeitos da condenação fosse a perda da função pública.

Vantagem financeira

Quando o MPCE deflagrou a operação, foi divulgado pelo órgão que alguns dos agentes envolvidos recebiam vantagem financeira para transferir presos de uma rua para outra com o objetivo de facilitar fugas. Por meio de interceptações telefônicas, às quais o Diário do Nordeste teve acesso, o MP afirma ter ficado nítida a teia criminosa que atuava dentro dos equipamentos do Governo.

Uma das conversas mostrou que Edmar, ex-coordenador da Cosipe, conversava com Gizeuda, presa durante as diligências da Masmorras Abertas. A mulher buscava informações privilegiadas sobre transferências internas e teria acesso facilitado a diversos presídios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Nesta semana, ao afirmar que a Justiça continua sem receber o processo, a advogada de defesa de Edmar de Oliveira, Celso Murilo e Francisca Celiane, Ruth Leite, destacou que seus clientes "estão profundamente traumatizados". De acordo com ela, "ninguém pode dizer que eles são culpados. A Justiça nem recebeu a denúncia".

O advogado Paulo Pimentel, representante da defesa de Paulo Ednardo e João Augusto, pontuou que "ambos se sentem injustiçados, pois alegam inocência, mas confiam plenamente na Justiça". Ednardo e Augusto estão, atualmente, de licença médica.

Já Nestor Santiago, advogado de Herlano Walquer, disse que o cliente dele ainda não foi interrogado. Para Santiago, a demora é causada pela quantidade de envolvidos, pelo volume de processos na Vara e pelo fato de todos os acusados residirem em Fortaleza. "O que obriga que todos sejam citados por carta precatória. O interrogatório é o último ato do procedimento probatório, e a ação penal encontra-se no início, com apresentação das defesas", explica.

Poder Judiciário

Por nota, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou que, em setembro de 2018, a juíza titular da 2ª Vara de Itaitinga determinou a notificação dos denunciados para apresentarem resposta por escrito, no prazo de 15 dias. "Como os réus não residiam no referido município, foram expedidas cartas precatórias para a Comarca de Fortaleza, com o objetivo de notificá-los em seus respectivos endereços", disse o TJCE.

Também segundo o Tribunal, dos oito denunciados, sete foram notificados e apresentaram defesa preliminar. A única a ainda não ter se posicionado foi Gizeuda Ferreira. A mulher foi notificada no dia 9 deste mês e, segundo o TJCE, após decorrer o prazo para a defesa dela, os autos seguirão conclusos para a magistrada decidir pelo recebimento ou não da denúncia do MP.

O Tribunal de Justiça pontua que o processo é complexo e ressalta que muitos dos envolvidos residem em Fortaleza, "o que gera a necessidade de citação por meio de cartas precatórias, com a observância dos prazos legais para defesa e um lapso de tempo maior para o cumprimento de atos judiciais e o andamento normal do feito", afirma.

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