"O Estado assumiu o controle total das unidades prisionais”, diz Mauro Albuquerque

Há quase um ano a frente da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o secretário avalia que a situação do sistema prisional segue complexa, mas algumas ações em curso tem mudado efetivamente a condição das prisões

Escrito por Redação ,
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Presos divididos por facções nas unidades prisionais, superlotação, entrada de celulares. Problemas históricos do sistema penitenciário do Ceará que somados aos ataques ordenados de dentro de presídios que resultaram em caos nas ruas tanto de Fortaleza como de outros municípios em, pelo menos, duas ocasiões só em 2019, evidenciam quão difícil é essa realidade.

Hoje, o Ceará tem 23.810 pessoas recolhidas nas unidades prisionais, destas, 7.500 estão condenadas. Na avaliação do Governo do Estado, apesar da complexidade do problema, a situaçao tem mudado. Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, o titular da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Ceará, Mauro Albuquerque, enfatiza a retoma do controle das prisões por parte do Estado e evidencia que as metas de garantia de disciplina e reestruturação desses espaços, aos poucos, vem sendo alcançadas. 

A frente da pasta há 11 meses e 12 dias, o secretário destaca o êxito das intervenções idealizadas por ele nas penitenciárias. Mauro também ressalta a investida direta do Estado no combate às "regalias", como a posse de televisores e ventiladores nas prisões, que conforme o secretário, alimentavam os meios de arrecadação de verbas da facções que alugavam esses equipamentos.

Nesse intervalo de tempo, 6 mil celulares foram retirados dos presídios do Ceará, e, embora, de acordo com o secretário, "não seja possível dizer que não há mais celulares nesses locais", a redução dos equipamentos é drástica e gerou efeitos. 

Quais as principais ações realizadas durante quase 12 meses da gestão?
Reestruturação do sistema é uma das principais, treinamento dos agentes, modernização do sistema em questão de equipamentos, armamentos, que não tinha, aquisição de viaturas e toda uma dinâmica de reestruturação. Com todas essas ações, o Estado assumiu o controle total das unidades prisionais. São várias ações. Depois de implantar a parte de disciplina ação no sistema penitenciário, viemos com a parte de humanização que é justamente a questão de educação para o preso.

Pra se ter uma ideia, eu tinha 1.200 presos o ano passado dentro de sala de aula, hoje eu tenho 3.600. Cursos profissionalizantes hoje a gente tem 4 mil presos previsto para esse ano. Ano que vem mais 8 mil.

Isso eu estou dando uma profissão para o interno. Se ele for colocado hoje na rua ele já sai na vantagem por ter uma boa escola, enquanto isso ele está praticando dentro do sistema. Eu estou diminuindo custo par ao sistema. Está remindo a pena. Se ele trabalhar direitinho vai ganhar um terço dentro do sistema. Hoje tem 5 mil presos lendo livros dentro da cela. Só não temos mais porque estamos aguardando mais livros. Se tivesse 15 mil (livros) teria 15 lendo. Porque hoje não tem televisão.

Se tivesse televisão, ninguém conseguiria ler dentro da cela. Não tem mais tomada. Tiramos. Não tiramos a energia. A iluminação continua. Mas tiramos ventiladores porque tudo era alugado, era fonte de renda para as facções.  

Como a SAP retomou o controle dos presídios cearenses?
Foram 234 ataques, com 460 pessoas presas. Várias delas estão presas até hoje, com isso o Estado deu uma resposta. Porque a intenção era intimidar o Estado e não intimidou. Pelo contrário. Só estimulou a fazer o que tinha que ser feito. Quanto mais atacavam na rua, mais eu arrochava dentro do sistema. Trabalho, enfrentamento, eles estavam tentando intimidar e tiveram o efeito contrário. Já são ações que eu já conhecia. O Ceará sempre foi atacado por facções quando frustravam as regalias deles. Qualquer ação atacavam. Então, isso eu já sabia que provavelmente ia acontecer.

Quando se fala em "arrochar", o senhor fez isso dentro do que se estipula a Lei de Execuções Penais? Dentro da legalidade? Porque tem denúncias violações de Direitos Humanos, como tortura, restrição de visitas...
Totalmente dentro da legalidade. Inclusive o arrocho é dentro da lei. Fala restrição de visitas, está previsto na lei que eu posso cortar visita se não oferecer segurança. Ta lá artigo 41 da lei de execução penal parágrafo único. Basta ser motivado pelo diretor, o diretor é responsável. E outra não tem e a gente debaixo de ataque ia colocar gente lá pra ficar refém, correr risco, para ter matança, ter rebelião...

A gente foi atacado em janeiro e não teve nenhuma rebelião. Teve amotinamento. Tentam também falar que houve uso excessivo da força. Não houve. Houve enfrentamento da parte do preso e o estado revidou. Sendo que todos os presos que foram autuados, quando a gente foi tirar a televisão, tentaram enfrentar o Estado.

O Estado entrou lá, os agentes foram agredidos. Entramos preservando ao máximo a integridade dos internos. Se algum preso de machucou, a primeira coisa que ele teve foi atendimento médico. Depois delegacia, depois corpo de delito. Eles usaram muito porque não estavam acostumado com isso.  Eles responderam por isso. Antes eles faziam e ficava por isso mesmo.

E as imagens de dedos mutilados, machucados... [Dentre outras denúncias, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura visitou três presídios localizados na Região Metropolitana de Fortaleza e encontrou indícios de maus-tratos, castigos coletivos, abuso da força e problemas estruturais que afetam a saúde e a dignidade dos detentos. O resultado das visitas foi publicado em um Relatório de Missão no mês de abril]
Nós investigamos. (Pega uma pasta com fotos e mostra as imagens). Olha a situação desses dedos. Isso aqui é minha mão (mostrando a própria mão entreaberta simulando estar com os dedos dobrados) Se você chega em um lugar e eu mostro isso, você diz: o Mauro está com os dedos quebrados. Eu não recebi nenhum nome. Se tiver o nome (de preso com o dedo quebrado), me dê que eu investigo.

É fácil fazer foto e forjar uma situação. Se você chegar lá para o preso, todo mundo fica com o dedo quebrado. Eles pegaram os enfrentamentos e tentaram desqualificar para não responder por isso. [Apesar da afirmação, laudos da Perícia Forense anexados em processos contra o Estado comprovam as fraturas nos dedos de, pelo menos, 30 presos].

E como a Secretaria está lidando com as acusações?
Com tranquilidade. Eu tenho números de trabalho. Você entrar dentro de uma cadeia é limpa hoje. Eu tenho sala de aula. Por exemplo, eu tenho 28mil presos que foram apresentados a Justiça sob escolta. Eu fico tranquilo porque tem um judiciário atuante que fiscaliza as unidades prisionais. Fico tranquilo porque tem um Ministério Público que acompanha o sistema prisional. Tranquilo que o único interesse deles é a verdade.

As unidades ainda estão separadas por facções?
A maioria das unidades está separada por presos. Pelo seu regime: fechado, provisório e semiaberto. Tenho uma outra unidade que não foi feita essa mudanças ainda porque ela está em reforma. A gente reestrutura o sistema e isso oferece mais segurança.

Então, independentemente de o preso se declarar ligado a alguma facção, ele vai para uma unidade e pode ficar junto com outros de outras facções?
É que nem crime sexual. Ele vai para um unidade e tem a segurança que merece. Se algum preso tem algum problema e não pode conviver em grupo, ele vai para unidade e fica segurado, mas dentro da unidade.

Como está essa questão da liderança? Tem um circuito especial de vigilância?
É uma dinâmica. Se eu tenho uma ala problemática, a rotina é a mesma, mas eu vou revistar mais vezes aquele local.

Mas as lideranças não estariam isolada, por exemplo?
Estão isoladas. No entanto, todas as lideranças estão isoladas em um só local.

Isso não propicia uma rebelião?
O Estado está preparado para enfrentar a população carcerária. O Estado não trabalha para ficar refém. O que eles faziam muito como moeda de troca era "se não me der isso, eu viro a cadeia", e eu to preparado para não deixar a cadeia virar. Em janeiro, sob ataque, a Polícia Militar já não estava dentro do sistema penitenciário. Isso é importante pra gente fazer o trabalho autossuficiente. Então, se as facções se juntarem, elas vão unir forças? A gente tá preparado para isso. O Estado não pode ficar refém.

Secretário foi reconduzido ao cargo por Elmano de Freitas
Legenda: Secretário foi reconduzido ao cargo por Elmano de Freitas
Foto: Fabiane de Paula

 

Ataques ordenados por facções criminosas ocorreram em janeiro e em setembro deste ano. Se não há mais celulares nos presídios como os detentos continuam enviando ordens para as ruas?
Nós tiramos 6 mil celulares das unidades. 2.700 em janeiro, 1.600 em fevereiro e 700 em março... O último agora foram 29 celulares tentando entrar. Não é que não tenha celular, diminuiu bastante e a ideia é zerar. Afirmo que ninguém da época do ataque de setembro tinha celular na mão. Foi comprovado que quem tava comandando era lá de Pernambuco. E a Polícia Federal foi lá e buscou o preso.

Aqui ninguém tinha celular na mão. Mas você não consegue isolar o preso. Tem uma série de contatos que geram comunicação com o mundo externo.

O que a gente provocou com a retirada do celular foi o retardo da mensagem. Antes, até vídeos de execução não tem mais. Porque antes eles executavam e mandavam para os outros. Tinham o poder na mão. Ou seja e a pessoa era obrigada a fazer. E isso interfere diretamente na questão da segurança prisional.

O Governo tinha prometido ainda para este ano a inauguração de um presídio de segurança máxima? Vai sair em dezembro ainda? O que está faltando para ser inaugurado?
Esse ano não. Deve sair no começo do ano. Ele já está com mais de 90% e não estmaos com pressa. Estamos fazendo bem feito porque o preso que é de liderança ele está separado e controlado. Está com procedimento de fiscalização mais intenso. Não é o local é o procedimento. Mas com uma unidade de segurança máxima vou trazer presos de volta da penitenciária federal porque vai ter um procedimento específico. Será em Aquiraz e capacidade de 168 e ampliação para 400 presos. Em janeiro ou fevereiro estaremos com ele funcionando.

Foi divulgado também pelo Governo a implantação de um presídio em Quixadá exclusivo para 5 mil pessoas terem acesso a livro exclusivo para educação, tem cronograma para a construção desse equipamento?
O governador já ordenou que abra a licitação, quinta-feira já vão me apresentar o projeto pronto. A gente que remodelou, trabalhamos nele uns 3 meses, remodelando. Ele é de educação, capacitação e industrialização ou seja, vamos colocar fábricas lá dentro justamente na faixa de serviço e empresa. Então já estamos terraplanando o local e o projeto tá andando para a entrega em um ano a um ano e meio. Queremos fazer até 2021.

Além de Quixadá, está previsto alguma outra unidade penitenciária regional?
Até o meio do ano [2020], talvez a população possa diminuir para 23mil presos. Além de Quixadá, teremos mais quatro unidades: uma em Tianguá; tem a de segurança máxima; outra é a cppl 6, que será inaugurada em no meio de 2020, e a de Horizonte. Com isso, estamos gerando mais 2mil vagas, a gente vai ampliando e reestruturando as unidades. Esse ano a gente vai diminuir bastante o déficit de vaga interna. Estamos, hoje, com cerca de 90% das vagas ocupadas nas prisões.

O Ministério da Justiça apresentou números nos quais há uma redução de 20 mil casos de homicídios no Brasil. O senhor atribui essa redução a essas políticas públicas que foram efetuadas tanto a nível nacional como aqui no Ceará também?
Sim, bem mais a questão da parte estadual. A política é boa, mas se o policial militar não estiver trabalhando na rua, se civil não estiver prendendo, se vc não tem o controle sob o sistema penitenciário. A ação é muito efetiva, isso é importante. A Secretaria de Segurança trabalha muito bem, além de manter o controle do sistema penitenciário. Se tiver o controle do sistema penitenciário, acaba esse poder online e começa-se a temer vir pra cadeia.

Se uma pessoa não tem medo de responder, de pagar pelo que ela fez, fica realmente difícil. Nós cortamos o fluxo de regalias. Também houve essa diminuição no Rio Grande do Norte. Faz parte do equilíbrio. Não basta só prender, tem que ter certeza de que ele vai estar preso. É fundamental para a segurança penitenciária.

O que ainda precisa ser melhorado?
Eu acho que nada era como antes, mas não estamos no ideal. Estamos reconstruindo o sistema. As cadeias foram destruídas massivamente em 2016, eu estive aqui e vi as condições. Se passou muito tempo reconstruindo o que foi destruído em 2016. Então, nós temos uma meta que está sendo atingida a cada dia. Tem muito trabalho para fazer, ano que vem nós vamos dobrar a meta. Só de capacitação nós tivemos 4 mil, ano que vem será 8mil.

Todo mundo que está dentro do sistema penitenciário vai sair com uma profissão. Nós estamos dando oportunidade pra ele não voltar. As pessoas confundem muito disciplina com violência, não tem nada a ver. É completamente ignorante pensar assim.

Quando eu falo ‘arrochar’ é porque todo preso que cometer indisciplina, vai responder. E ‘atrasar’ a cadeia dele. Trabalhamos separando as pessoas que realmente querem voltar pra sociedade e ter oportunidade. Estamos fazendo o que deveria ser feito no básico: escola, com educação para o preso analfabeto com três meses está lendo. Estamos mudando a dinâmica. Eu fico triste porque as pessoas que vêm fiscalizar não observam as melhorias nesse período de um ano.

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