Núcleo do MPCE prepara segunda denúncia, agora sobre PMs

Promotores do Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc) preparam denúncia a partir de inquérito que investiga atuação dos policiais. Especialistas sugerem "ação peculiar" no MP ao denunciar assaltantes quando mortes em questão podem ter autoria policial. Confirmação: Polícia de Sergipe repassou placas dos veículos à PM cearense

Escrito por Melquíades Júnior , melquiades.junior@diariodonordeste.com.br

Não é necessário se concluir um inquérito para que o Ministério Público possa oferecer uma denúncia à Justiça, desde que as possíveis atualizações, feitas na forma de aditamentos, guardem coerência com o alicerce da peça. Não bastassem evidências da investigação em Milagres apontarem para falhas da ação policial na madrugada, a denúncia do Ministério Público "por 14 latrocínios" desconsidera que ao menos quatro dessas mortes ocorreram horas após a tentativa frustrada de roubo aos bancos, quilômetros distantes da cena inicial. Para estas, nos relatos dos PMs, foi "confronto", no depoimento das testemunhas, evidências de execução.

De qualquer jeito, distante de situação de roubo. Mas nem uma nem outra foram consideradas na denúncia do MP, resumindo todas a latrocínio (roubo seguido de morte) no contexto do ataque às agências do Bradesco e do Banco do Brasil.

De acordo com a denúncia, porque "foram 14 os mortos decorrentes da ação delitiva orquestrada pela organização criminosa, devendo todos os seus membros (coautores e partícipes), em princípio, responder pelas 14 mortes (não importa se de vítimas ou de comparsas; independente de quem puxou o gatilho). São os atos e suas consequências", disseram os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco).

Esta denúncia, de dois meses atrás, vem antes de outra, que ainda é preparada pelo Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc), também do MP, dessa vez sobre a conduta dos policiais na operação.

Para especialistas consultados, uma denúncia antecipada sobre autoria de mortes quando outra denúncia futura poderia apontar para falhas das forças de segurança, parece "ato falho do MP", ou "dentro de uma racionalidade muito peculiar".

Ainda o fuzil

A reportagem apurou que no curso da investigação policial tentou se avaliar a veracidade de dois pontos enunciados nos depoimentos dos policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), elite da PM cearense e diretamente envolvida na operação: de que os assaltantes possuiriam fuzis e atiravam contra os reféns. Além de não haver qualquer evidência nos autos para as duas, testemunhas viram que os tiros partiam de fora da localização dos suspeitos, pegos de surpresa.

"É no mínimo estranho que os suspeitos atirassem contra os próprios reféns que estariam ali justamente para ser escudo. E mais inusitado: fazê-lo antes de os policiais abrirem fogo, ao ponto de eles verem o que ocorre. Gravíssimo, contudo, é quando a fala do policial, contra todas as evidências anteriores, ainda assim é endossada por omissão na peça. O MP é uma instituição séria demais pra manter algo tão insustentável", comenta um advogado especialista em direito penal ao conhecer o documento da denúncia obtida pela reportagem - diante do sigilo judicial, prefere preservar a identidade.

A própria denúncia do MP entende que havia "escudos humanos" e que estes seriam os familiares pernambucanos.

Percebendo inconsistências, também diante dos autos do inquérito a que também tivemos acesso, o especialista reflete sobre o que chama de "suposto e perigoso movimento orquestrado". "O mais sugestivo seria aguardar a conclusão dos inquéritos e então distribuí-los para denúncias".

Já o advogado Stefferson Nogueira, que faz a defesa dos familiares das vítimas de Serra Talhada (cinco dos seis reféns mortos), diz aguardar a conclusão do inquérito, e que a denúncia final guarde coerência com o que foi investigado pela Polícia Civil. A conclusão ajudará na fundamentação do processo que a família pretende mover contra o Estado do Ceará.

Tentamos contato com os promotores de Justiça do Gaeco que assinam a denúncia, mas nenhum quis falar, pelo caráter sigiloso do documento. Reiteramos pedir esclarecimentos sobre as informações que já temos, sem necessitar que elas fossem inicialmente transmitidas, mas a justificativa foi a mesma. O Ministério Público do Estado emitiu nota para explicar a negativa e acrescentou que uma comissão de promotores acompanha as investigações em andamento, "acerca da apuração das condutas individualizadas que causaram diretamente cada uma das mortes no contexto da atuação policial".

PM recebeu as placas

O resultado da operação em Milagres tornou-se mais grave na medida em que houve planejamento. A Polícia Civil de Sergipe, por meio do Complexo de Operações Policiais Especiais (Cope) repassou as informações da chegada da quadrilha para a Polícia Militar do Ceará, incluindo as placas dos veículos Saveiro branca e uma picape L200 Triton. O secretário de Segurança André Costa negou, em entrevista, que a polícia cearense soubesse das placas, mas foi justamente o acompanhamento delas (aliado às escutas telefônicas) que fez a Polícia sergipana contatar a força de segurança cearense para a aproximação da quadrilha.

A partir de 5 de dezembro (a dois dias do ataque), saveiro placa OEP 8836 (já utilizada em outro ataque um mês antes) e L200 placa JUM 4545 (reconhecidamente adulterada) eram monitorados dia e noite pela Polícia - além das escutas telefônicas. A 'deixa' foram os últimos reparos feitos na L200 (roubada 15 dias antes) por José Eraldo (apontado como comandante da quadrilha e morto na ação) em uma oficina situada no Complexo de Taiçoca, município de Nossa Senhora do Socorro (SE).

De lá, chegaram a Itabaiana, onde permaneceram por 20 minutos, passando em Canindé do São Francisco por volta de 10h do dia 5 de dezembro. Na sequência, deslocaram-se para Delmiro Gouveia (AL), ficando estacionados por duas horas. A partir de 13h40, deslocam-se a caminho do trevo Ibó/BA, na divisa com Pernambuco. Dali, a Polícia sergipana não tinha mais dúvidas, o próximo destino seria Milagres.

Especialistas ouvidos pela reportagem relacionam que a disparidade entre denúncias ao fim dos inquéritos relativiza os fatos e responsabilidades, podendo favorecer no âmbito jurídico os responsáveis pela ação resultante

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