Novo diretor adjunto de presídio do Cariri é réu por tortura

Agente penitenciário iniciou os trabalhos na função de gestor em fevereiro último. Há três anos, o servidor público foi denunciado pelo MPCE por torturar presos, em um processo que ainda transcorre na Justiça

Escrito por Messias Borges , messias.borges@diariodonordeste.com.br
Legenda: Servidor réu por tortura é o novo diretor adjunto da Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc)
Foto: FOTO: ARQUIVO DIÁRIO DO NORDESTE

Um processo oriundo de uma denúncia grave e, três anos depois, uma promoção. O novo diretor adjunto da Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc), Cícero Diego Alves de Sousa, é réu em um processo que apura a tortura de presos da Cadeia Pública de Juazeiro do Norte. Oito agentes penitenciários e cinco policiais militares também são réus pelo crime.

O servidor iniciou os trabalhos na nova função em 1º de fevereiro deste ano, mas foi nomeado pelo secretário da Administração Penitenciária (SAP), Luís Mauro Albuquerque, apenas no último dia 14 de março. A portaria, com a nomeação de Cícero Diego e mais 16 novos diretores adjuntos de unidades penitenciárias, foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) da última quarta-feira (20).

O caso de tortura começou a ser investigado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) após a mãe de um detento procurar os promotores de Justiça em uma sala de audiência da 1ª Vara Criminal de Juazeiro do Norte, no dia 21 de setembro de 2015. Quatro dias antes, o filho dela e mais três colegas da cela 3 (conhecida como 'X3') teriam sido agredidos por agentes penitenciários e PMs.

O MPCE apurou, a partir dos depoimentos de vítimas e testemunhas, que "as agressões físicas foram praticadas com tapas, socos, chutes e lançamento de spray de pimenta, bem como causadas através de quedas que os presos sofreram quando foram obrigados a correr sobre o chão do corredor que dá acesso à cela, que fora molhado pelos agentes penitenciários".

A denúncia alega ainda que "os detentos também foram submetidos à tortura psicológica, sofrendo inúmeras humilhações". "Os agentes penitenciários chamaram os detentos de 'filhos da puta', 'lixo' e outros impropérios", completa.

O diretor da Cadeia Pública, o servidor Cássio Magno Ferreira Freitas, teria acompanhado as agressões e questionado aos presos se eles tinham sido agredidos, para ouvir a resposta "não, senhor".

A tortura teria sido motivada por injúrias que os detentos haviam proferido contra os agentes penitenciários. Segundo as testemunhas, o diretor da Unidade também teria feito o seguinte questionamento aos internos: "Vocês ainda vão desrespeitar os agentes?". E novamente ele teria ouvido "não, senhor".

Retaliação

Após denunciar o caso, os detentos do 'X3' teriam sido punidos com a perda do banho de sol e dos aparelhos de televisão que eram mantidos dentro da cela, segundo o MPCE.

Um preso também revelou ter sofrido ameaça de morte de um agente penitenciário, em um corredor do prédio da Perícia Forense do Ceará (Pefoce), enquanto aguardava a realização de exames solicitados pelo Ministério Público. Os exames de corpo de delito realizados pela Pefoce, sete dias após as supostas agressões, identificaram discretas escoriações no cotovelo e escoriações puntiformes nas costas de um preso; enquanto a análise precisa dos demais foi prejudicada (inconclusiva), segundo os documentos.

Cícero Diego de Sousa, Cássio Magno Freitas e os outros 12 suspeitos acabaram acusados pelo crime de tortura (quatro vezes), pelo MPCE. No dia 22 de janeiro de 2016, a Comarca de Juazeiro do Norte aceitou a denúncia e tornou os servidores públicos réus.

O processo se encontra na fase de instrução, com depoimento dos réus, das vítimas e também das testemunhas.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Cícero Diego e Cássio Magno, patrocinada pelo mesmo advogado. No processo, o defensor afirma que "alguns elementos, buscando vingar-se da bela atuação da segurança pública desta localidade, ludibriam o órgão acusatório a mover a máquina estatal sem qualquer elementos que possam acusá-los".

A SAP informou, por meio de nota, que as ações realizadas no sistema penitenciário cearense "são pautadas pela legalidade". Afirmou ainda repudiar qualquer prática que possa violentar a dignidade humana". Em relação à denúncia contra o servidor Cícero Diego Alves de Sousa, "a SAP entende que não há condenação contra o mesmo. A capacidade técnica e a idoneidade são os critérios para a escolha de profissionais da Secretaria". Disse ainda que "tem adotado uma série de medidas para disciplinar as unidades prisionais, obedecendo à lei e se mantendo vigilante contra atos que possam violentar os direitos das pessoas que cumprem penas em nossas unidades".

Secretário

Um relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) identificou a aplicação de métodos análogos à tortura no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte, em 2018, quando Mauro Albuquerque (atual titular da SAP-CE) era secretário naquele Estado. "A ampliação do uso da força como forma de gerir estabelecimentos penais, constituindo modos de atuar que dificultam a implementação de políticas e serviços adequados para a população privada de liberdade, impedem o cumprimento adequado da Lei de Execução Penal e criam diversas situações onde a prática da tortura é exercida com naturalidade por aqueles que deveriam custodiar as pessoas privadas de liberdade", apontou o relatório do órgão ligado ao Governo Federal.

Sobre as denúncias do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a Secretaria afirmou que órgãos fiscalizadores como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério Público do Rio Grande do Norte constataram que eram improcedentes.

 

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