Medidas de proteção foram negligenciadas no caso de estupro

Segundo relato da mãe ao Sistema Verdes Mares, a criança foi transportada, no dia do crime, na mesma ambulância que o suspeito - e a assistência psicossocial mínima só veio cinco dias após a violação

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br

O estupro de uma criança de 11 anos no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), em Itaitinga, no último sábado (13), além de evidenciar a vulnerabilidade desta população e a brutalidade desse tipo de crime, notabilizou série de falhas que agravam a violência sofrida pela vítima. Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, a mãe da criança narrou fatos ocorridos na tarde de sábado.

No relato, chama atenção o fato de a vítima, após a ocorrência, ter sido transportada na mesma ambulância que o suspeito tanto para a Delegacia Metropolitana de Itaitinga, como para a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) - medidas de proteção negligenciadas que acentuam traumas.

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Apenas na manhã de ontem, passados cinco dias do crime, é que vítima e família receberam atendimento assistencial, realizado no Centro de Referência Especializado de Assistência Social; e um contato via telefone por parte da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado (Sejus). Até essa quinta-feira (18), a criança não havia sido encaminhada a nenhum serviço de atendimento psicossocial e tentava retomar a rotina com a ajuda dos profissionais da escola onde estuda.

A mãe da vítima conta que, após ter praticado o crime, o suspeito correu em direção aos agentes penitenciários, que só perceberam e intervieram na situação depois que os presos já tinham se manifestado e "tirado satisfação com o suspeito". O pai da criança chegou a bater no suposto agressor, mas foi contido pelos demais internos, já que segundo "regras internas" não pode haver registro de violência durante as visitas.

Desproteção

Somente ao fim das visitas, a mãe e as crianças foram levadas ao chefe dos agentes, que garantiu o encaminhamento da vítima à Delegacia Metropolitana do Eusébio e à Perícia. Conforme a Sejus, o Cepis contava com 29 agentes penitenciários de plantão no dia do crime. O presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Ceará (Sindasp), Valdemiro Barbosa, porém, já havia dito que há quase 2.500 detentos e apenas 15 agentes na unidade.

"Quando terminou a visita, o agente me botou na gaiola (espaço gradeado próximo às vivências), para ele poder fechar as celas. E foi falar com o chefe da equipe. Passou o caso para ele e acionou a ambulância", relembra a mãe. De lá, ela e a filha, relata, seguiram junto a três agentes penitenciários - sendo dois homens e uma mulher -, o motorista e o suspeito rumo à Delegacia. "Ele veio atrás na gaiola da ambulância e a gente no meio, escoltadas por dois homens e uma mulher. Todos na mesma ambulância. Só que ele estava atrás", acrescenta.

Ao chegar às instituições, ela descreve que o suspeito era conduzido para áreas separadas, mas, durante o transporte, ele e a vítima se viam. "Na Delegacia, ele foi tirado e colocado em uma sala separado. Ficamos juntos quando íamos para as viagens. Quando ele passava, a gente se afastava", diz. Os procedimentos foram finalizados por volta de 1h de domingo (14).

Questionada sobre o desrespeito às medidas de proteção à vítima, a Sejus reiterou, em nota, a informação repassada pela mãe da menina, assumindo que "criança, familiares e agressor foram conduzidos, na presença de uma agente penitenciária feminina, à delegacia responsável, em um chamado veículo-xadrez. O acusado foi levado na carceragem do veículo e a vítima, na cabine de passageiros".

"Meu marido até chegou a bater nele, de tanta raiva que sentiu. Mas os outros presos contiveram ele, porque, na hora da visita, ninguém pode fazer confusão"

Visita

Segundo a mãe, a família só recebeu uma visita presencial na segunda-feira, quando três homens que não se identificaram formalmente disseram estar apurando o caso e a interrogaram junto à filha, questionando a criança sobre acusações feitas pelo suspeito após o registro da ocorrência. "Eles não disseram de onde são. Uma pessoa aqui perto de casa falou que são da CGD (Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário), mas eu não sei. Eles chegaram, perguntaram várias coisas e foram embora", relata. A CGD, por meio de assessoria, informou que nenhuma equipe do órgão "realizou diligência informada pela mãe da vítima".

O órgão esclareceu que "respeita o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, conforme legislação vigente".

Denúncias

A CGD também foi questionada se existe alguma denúncia envolvendo a atuação dos agentes penitenciários que estavam no local no dia e horário da ocorrência, e respondeu que "até o presente momento, não existe denúncia. No entanto, uma investigação preliminar já foi instaurada para apuração do presente fato".

"Na Delegacia, ele foi tirado e foi colocado em uma sala separado. Ficamos juntos quando íamos para as viagens. Quando ele passava, a gente se afastava"

Outro ponto questionado junto à Sejus foi a junção de vários internos de pavilhões diferentes no mesmo ambiente, pois, conforme a mãe da vítima, o pai da criança é do pavilhão 6 e o suspeito do crime, do 8. Em nota, a Sejus disse apenas que "a criança encontrava-se no pátio do pavilhão onde estava recolhido seu pai".

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informou que vai "averiguar as denúncias de irregularidades no atendimento à vítima e solicitará as devidas providências, caso elas sejam comprovadas". O MPCE afirmou ainda que não prestará informações detalhadas sobre o caso, porque ele corre em segredo de Justiça.



 

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