Homicídios julgados em menos de 400 dias triplicam em Fortaleza

O programa “Tempo de Justiça” incrementou a finalização de processos de assassinatos na Capital, desde o início de 2017. Quase metade dos acusados é levada ao banco dos réus pouco mais de um ano após os crimes

Escrito por Nícolas Paulino , seguranca@verdesmares.com.br
Legenda: Segundo a decisão da Vara de Delitos e Organizações Criminosas, os réus cometiam crimes, pelo menos, desde o ano de 2012 Fortaleza, há cinco Varas do Júri
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

Caso Dandara dos Santos: fevereiro de 2017. Triplo homicídio no Padre Andrade: março de 2017. Mulheres torturadas e decapitadas em mangue do Vila Velha: março de 2018. Os três casos, que tiveram grande repercussão na sociedade cearense, também apresentaram desfechos semelhantes: os acusados foram condenados pela Justiça em menos de 400 dias, ou seja, pouco mais de um ano após as ocorrências. Os ganhos são do programa ‘Tempo de Justiça’, cujas atividades mais que triplicaram os casos finalizados em até 399 dias, comparando os anos de 2015 e 2017.

A iniciativa opera exclusivamente sobre crimes dolosos contra a vida, com autoria esclarecida, ocorridos a partir de janeiro de 2017, somente em Fortaleza. Dos 282 processos que chegaram naquele ano, 107 já foram finalizados. Destes, 51 obedeceram ao tempo da meta, o que representa 48% do total. Em 2016, treze processos estavam concluídos dentro do mesmo período; antes, em 2015, apenas 14. Ou seja, no comparativo, os números quase quadruplicaram.

Os dados de 2018 ainda não podem ser contabilizados porque novos casos foram integrados ao Programa até dezembro, ou seja, não é possível medir o decurso de 400 dias. Só nos primeiros dois meses de 2019, mais nove processos foram incluídos no sistema, conforme dados da plataforma apresentada à reportagem pelo coordenador interinstitucional do Programa no Ministério Público Estadual (MPCE), promotor Manuel Pinheiro. Para ele, as conquistas recentes buscam retomar a função “dissuasória” dos julgamentos como fator de prevenção a novos crimes.

“A média nacional de elucidação de homicídios gira em torno de 8% a 10%. Os processos duram, em média, 8 anos e meio para serem julgados, e apenas 3 ou 4% dos acusados são condenados. Se há pessoas que estão cogitando praticar homicídios, o sistema ainda não as desestimula. A ideia do ‘Tempo de Justiça’ é resgatar esse fator de prevenção que é a certeza de um julgamento num tempo razoável”, explica o promotor.

Prazos legais

Porém, a noção do tempo processual não deve ser confundida com os ponteiros do tempo cronológico. Por mais que familiares, amigos e a sociedade civil clamem por ‘Justiça’, não se pode atropelar as fases da ação penal, como explica o superintendente da área judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), Nilsiton Aragão. 

Primeiro, a Polícia Civil deve elaborar o inquérito policial que subsidia a denúncia ofertada pelo Ministério Público; depois disso, vêm as oitivas de testemunhas e dos réus, as audiências e, por fim, o julgamento diante do Tribunal do Júri.

Tudo isso envolve múltiplos atores, e cada um tem prazo legal para se manifestar, incluindo a defesa. “O ‘Tempo de Justiça’ nos ajuda a entender o porquê da demora do processo, e também que essa demora não ocorre só no Poder Judiciário”, esclarece Aragão. Na plataforma informatizada à qual os órgãos têm acesso, por exemplo, é possível identificar o tempo consumido em cada etapa da ação penal, incluindo intimações, audiências e outras manifestações.

A partir da identificação dos gargalos, segundo Manuel Pinheiro, são pensadas intervenções nas rotinas de trabalho dos órgãos - TJCE, MPCE, Defensoria Pública e Polícia Civil - que consigam minimizar os prazos. As alterações já renderam frutos: conforme Nilsiton Aragão, houve aumento de mais de 44% na velocidade dos julgamentos de homicídios na Capital. Se, em 2015, a média de duração de todo o processo era de 707 dias; em 2017, passou para 394 dias (embora haja casos de finalizações em 200 dias). 

Expansão

“Qualidade e velocidade são grandezas inversamente proporcionais. Existe um limite que a gente pode acelerar. O que é inaceitável é o processo ficar parado numa prateleira, ainda que virtual”, explica o superintendente. E nem é possível, já que a plataforma informatizada emite alertas pop-up caso haja atraso de alguma das partes envolvidas.

Hoje, debruçados no Programa, estão dez juízes das cinco Varas do Júri de Fortaleza, 15 promotores e 10 defensores públicos. Em março, deve ser iniciada a expansão do Programa para a região do Cariri, abrangendo os municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Conforme Aragão, no futuro, também devem ser contempladas a Região Metropolitana e a Região Norte. Também há discussões da criação de “novos braços” para acompanhar processos de crimes como furtos, roubos e tráfico de drogas.

“O que o Programa visa é restaurar a credibilidade do sistema de Justiça, para sairmos do ciclo vicioso, em que a impunidade alimenta a violência e a violência alimenta a impunidade, e passarmos para um ciclo virtuoso, em que a confiança no sistema faz com que as pessoas tenham coragem de delatar e testemunhar contra os autores. Quanto mais elas confiarem, mais elas vão à Polícia e à Justiça”, acredita Manuel Pinheiro.

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