Forma como demandas são cobradas cria terror, analisam sociólogos

Especialistas entrevistados pelo Diário do Nordeste avaliam que é legítima a cobrança por melhores condições de trabalho, mas criticam enfaticamente o modo como a categoria dos policiais militares vem agindo no Estado

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
Legenda: Encapuzados, os PMs estão amotinados e desafiam o Comando da Corporação
Foto: FOTO: JOSÉ LEOMAR

Os vídeos que circularam pela internet nos últimos dias, os quais mostram ações de policiais mandando lojistas fecharem as portas ou interceptando veículos de outra corporação em avenidas de grande circulação da Capital não deixam dúvidas: as ações precisam ser analisadas juridicamente. Para além da impossibilidade constitucional de policiais militares formarem movimento grevista, sociólogos consultados pelo Diário do Nordeste acreditam que as causas são válidas, mas o modo como as demandas vêm sendo implementadas não.

A integrante do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Suiany de Moraes, afirma que compreende "a necessidade de auto-organização e de reivindicação por melhores condições de trabalho. É legítimo, mas a forma como estão sendo feitas é aterrorizante. Não é impondo medo que a sociedade vai colaborar com o processo deles", acredita.

De acordo com Suiany, mandar fechar comércios e impor toque de recolher lembra os ataques das facções criminosas ocorridos nos últimos anos no Ceará. "As pessoas estão sentindo medo de sair nas ruas e ser mandadas para casa pela Polícia. Isso impacta nos trajetos, no cotidiano, elas não vão fazer mais o que fariam, cria-se uma sensação de pânico", alerta.

Política

Para o professor Rafael Alcadipani, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as ações são "inadequadas" e configuram "crime militar".

"A população não pode ficar refém de pessoas que cobrem o rosto e fazem esse tipo de coisa, quem faz isso não é a Polícia, quem faz isso é criminoso", ressalta o professo Alcadipani.

Conforme ele, a paralisação do Ceará tem um forte componente político, "como se fosse uma revanche das últimas eleições" ocorridas por aqui.

"É muito preocupante que a gente assista policiais amotinados e deixando a sociedade completamente desprotegida. Se, por um lado, algumas das demandas são justas, por outro, é importante que as negociações não tenham uma lógica político-partidária", pontua o especialista.

Para o sociólogo Cesar Barreira, do LEV, a relação entre polícias e eleições é um grande impasse. "Estamos trabalhando em um momento em que essas paralisações estão aparecendo como uma grande moeda de troca. É através das paralisações, das manifestações que as pessoas galgam votos, e isso é muito preocupante", salienta o professor.

Anistia

De acordo com Barreira, é preciso ter cuidado com relação à discussão sobre anistia aos profissionais que já foram identificados e contra os quais foram instaurados Inquéritos Policiais Militares (IPMs). O governador Camilo Santana disse, ontem, que "anistia de quem fizer motim na Polícia é inegociável".

"A gente tem que analisar o todo do motim, não podemos fazer uma tabula rasa. Não cabe dizer que isso é correto ou é incorreto, temos que avaliar o todo para ver quais são as medidas que poderiam ser tomadas", diz o professor.

A opinião de Rafael Alcadipani é divergente: "não é uma coisa para se discutir agora". "Nesse momento, é importante que o Governo negocie com o movimento e estabeleça pontes de diálogo para evitar o que está acontecendo. Mas a população não pode ser refém da sua própria Polícia".

Já para Suiany de Moraes, o Brasil, como um todo, nunca soube utilizar-se bem desta ferramenta democrática.

"Eu não sei até que ponto a anistia resolveria. É preciso que os policiais reivindiquem, mas sem violação de direito, sem aterrorizar a população, até para que tenha apoio popular", disse Suiany.

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