Dono de reserva ambiental sofre ameaças por proibir caça

Alemão de 63 anos recebeu mensagens intimidatórias de um suposto caçador, pelo aplicativo WhatsApp. Polícia Civil confirma que a Delegacia de Itapajé investiga o caso. O Ministério Público do Ceará também já foi informado

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: O ambientalista faz a fiscalização da Reserva a pé, com frequência, e conta com o apoio de órgãos como a Polícia Militar e o Ibama
Foto: FOTOS: CAMILA LIMA

Ameaças a ambientalistas são recorrentes na história do Brasil. O que antes era silencioso e implícito para o alemão Hermann Redies, tornou-se concreto, com palavras e imagens. Como proprietário da Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) Mãe-da-Lua, na Serra das Vertentes, em Itapajé (a cerca de 120 km de distância de Fortaleza), ele não permite a caça de animais, na área composta de 764 hectares. O trabalho de preservação do homem de 63 anos tem revoltado os caçadores, nos últimos meses.

O alemão é proprietário do espaço desde 2006 e, três anos depois, conseguiu transformá-lo em RPPN, por meio de um decreto do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo Hermann, a média de crimes de caça de animais era de dois ou três registros por ano, até 2019. Em meados de outubro do ano passado passou para dois ou três casos por semana.

"Durante muito tempo eu consegui controlar isso (caça). Nós colocamos essa placa (mostrando), eles deram 35 facadas e um tiro. São ameaças indiretas. Alguém quer dizer 'se você vem aqui, nós fazemos a mesma coisa com você', mas isso não é escrito. Isso acontecia o tempo todo (sic)", lembra Hermann.

O ambientalista faz a fiscalização da Reserva a pé, com frequência, e conta com o apoio de órgãos como a Polícia Militar do Ceará (PMCE) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em visitas à propriedade. Na manhã de 20 de dezembro de 2019, ele ouviu latidos de cães na Reserva e foi averiguar sozinho o que acontecia. Ao se aproximar do local, um caçador correu, junto de três cachorros, e não foi mais visto.

O episódio foi relatado na rede social Facebook, onde o alemão pediu ajuda da comunidade para identificar os caçadores, que estavam capturando mais animais nos últimos dias, e disponibilizou o seu número do aplicativo WhatsApp. Além de denúncias, ele recebeu também ameaças.

Mensagens

Um homem, que se identificou como 'Francisco Caçador', enviou mensagens a Hermann Redies logo depois: "Você continua causando problema com nós, caçadores. Hoje, você botou meus amigos para correr. Agora, se você realmente é homem de verdade, vai lá no mesmo canto, que eu vou estar lá (sic)".

"Só para você ter ideia, antes de eu vir embora, vou deixar um monte de 'trabuco' (dispositivo que atira automaticamente com balas ou chumbo, se um animal ou uma pessoa toca no fio que aciona o mecanismo) armado com a mira no rumo das trilhas. Se você der sequer um vacilo, 'cabungo', já era, velhote. É melhor você ficar esperto. Você gosta de ficar andando a hora que bem quer na Reserva, pois anda agora para você ver como é que Francisco Caçador trabalha com quem se atravessa no caminho dele (sic)", completa.

Além de texto, 'Francisco Caçador' enviou fotos e vídeos com tom de ameaça, que mostravam tatus, porcos selvagens e calangos mortos, os cães utilizados para a caça, uma fogueira (onde a carne de um animal estaria sendo assada) e até uma arma de pressão utilizada para abater os bichos na Reserva.

Apesar das ameaças partirem de apenas um contato no WhatsApp, o alemão acredita que o grupo de 'Francisco Caçador' tenha cerca de seis homens, sendo a maioria morador da região. Mas outros grupos também praticariam caça, na Reserva. Hermann revela estar "preocupado". "Eu levo isso a sério. Eles podem fazer uma emboscada", afirma.

Hermann denunciou as ameaças à Polícia Civil do Ceará (PCCE) e ao Ministério Público do Ceará (MPCE) e enviou e-mails ao diretor-geral da PCCE, delegado Marcus Rattacaso, e ao diretor do Departamentos de Polícia Judiciária do Interior Norte (DPJI Norte), delegado Marcos Aurélio. O alemão recebeu informações de vizinhos que policiais civis estiveram na região, na última quinta-feira (16).

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) confirmou que "a Delegacia Municipal de Itapajé está com investigações em andamento, com o objetivo de apurar denúncias de ameaças contra um homem que representa uma associação de proteção ambiental com atuação em Itapajé. Equipes da PCCE realizam diligências na região, com o objetivo de identificar os responsáveis pelo ocorrido". Questionado por meio da assessoria de comunicação, na tarde da última sexta (17), se também investigava a denúncia, o MPCE não repassou informações e alegou que não conseguiu contato com a Promotoria de Itapajé porque a Unidade já estava fechada e retornará apenas na próxima segunda-feira (20).

Natureza

O alemão Hermann Redies mora no Ceará há 20 anos. Após residir em outro município cearense, ele se estabeleceu na Reserva, em Itapajé. "Escolhi esse terreno porque me parecia bem preservado, tinha macacos-pregos, por exemplo. No mesmo tempo, isso é onde ainda tem civilização, lei e ordem", conta e faz referência a estados onde os ambientalistas correm ainda mais risco de vida, como na Região Norte do Brasil.

A fauna da RPPN Mãe-da-Lua conta com macaco-prego, veado, porcos selvagens, gato-maracajá (ameaçado de extinção), caititu, tatus e 170 espécies de aves - inclusive jacu-verdadeiro (também ameaçado de extinção) e mãe-da-lua (uma ave noturna que canta nas noites de luar e dá o nome à Reserva). Já a flora contém 295 espécies.

Dentre todos os animais, o alvo principal dos caçadores é o tatu, especialmente da espécie chamada no Ceará de "peba". "Eu não sei quantos sobraram agora. Isso, para eles, é mais fácil. Porque o cachorro localiza os bichos e, depois, eles precisam ir só olhar, cavar e tirar o bicho", lamenta Hermann.

Biólogo de formação, o alemão, além de fiscalizar a terra, realiza pesquisas sobre a fauna e a flora da região, cataloga as espécies. Ele divulga suas pesquisas n o site da Reserva (mae-da-lua.Org).

"Isso é a vida que eu gosto. Gosto da natureza. Eu moro aqui, não quero morar na cidade. Eu penso que minhas atividades são boas para fauna e flora que têm aqui, então eu consigo dar essa contribuição", conclui.

 

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