Disputa entre grupos criminosos afeta direito à habitação na Capital

Famílias recebem ultimatos para sair de suas residências e ficam sem assistência. "A facção está morando na minha casa", relata vítima expulsa. SSPDS, por sua vez, diz que investe no policiamento de proximidade

Escrito por Nícolas Paulino , seguranca@verdesmares.com.br

Era uma noite comum na casa do bairro Dias Macedo, com a TV ligada e janta no fogão. Mas, por volta das 19h, a calmaria acabou. Seis homens armados invadiram a residência e deram a ordem à mãe: "Saiam. Você não é mais dona, somos nós". A família só teve uma hora para embrulhar alguns pertences, arrumar as "trouxas" de roupa e "sair correndo sem ter pra onde ir, sem ter expectativa de nada, nem com quem contar", relata a mãe, em entrevista ao Sistema Verdes Mares, sobre como supostos membros da facção Guardiões do Estado (GDE) tomaram seu lar.

A expulsão ocorreu no dia 8 de novembro do ano passado, mas só no dia 31 de janeiro deste, já "desesperada" com a difícil situação da família, ela procurou a Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência. Além dela, que não quis se identificar por temer represálias, dois filhos perderam as casas. Bem como mais seis famílias que moravam no bairro, segundo alega.

As desventuras continuaram quando, no dia de Natal, a mãe da mulher morreu "de tristeza", já que morava vizinho à filha e presenciou a expulsão da família. A ordem da facção prevaleceu até mesmo no momento do adeus: a mulher só teria duas horas para velar a mãe e, em seguida, teria de sair logo do cemitério.

Na esperança de obter ajuda, ela procurou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Habitacional (Habitafor). Escutou de um servidor que o jeito era conversar com o chefe da facção para reaver o imóvel, avaliado em R$ 60 mil. Sem saída, seguiu o conselho. Apenas para sofrer um novo abalo. "Ele deu ordem pra tomar minha casa. Estão morando lá, e as duas casas dos meus filhos estão fechadas pra eles alugarem ou venderem", revela a mulher.

Agora, ela vive noutro bairro, pagando aluguel com os mirrados ganhos como diarista, mas ainda tem medo de sair de casa por estar ameaçada de morte. "Eles dizem que onde me pegarem, vão sequestrar e botar pra matar na frente da nossa família. Minhas irmãs não podem falar comigo. Eu estou ficando doente porque não durmo e não como mais, só chorando dentro de casa". Seu único desejo é uma indenização para ir embora.

Assassinato

No bairro vizinho, Boa Vista, um homem identificado como Marcos Vinícius Lima de Sousa, de 28 anos, foi assassinado a tiros, na noite da última terça (12), supostamente por dois homens numa moto. Segundo a Polícia Militar, ele morava no bairro há pouco tempo e teria sido expulso do residencial Cidade Jardim, no bairro José Walter.

O delegado Edmo Leite, titular do 16º DP, responsável pela área, apurou que a expulsão teria ocorrido por retaliação a ações do filho da mulher, que seria traficante de drogas e pertencente a uma facção rival. Nas diligências, um homem foi preso por tráfico de drogas, mas suspeito de envolvimento com o caso. As investigações seguem em andamento para descobrir quem são os outros implicados na história.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa que, desde o ano passado, "dezenas de pessoas já foram capturadas por envolvimento direto ou indireto em expulsões de famílias de suas casas". As investigações são conduzidas pelas delegacias de cada área onde os casos foram registrados.

A Pasta afirma que vem expandindo o projeto de policiamento 24 horas na Capital, incluindo áreas onde estão conjuntos habitacionais alvos de grupos criminosos. Hoje, há 26 bases de policiamento e dois caminhões de Plataforma de Observação Elevada (POE) nessas comunidades. Já a Habitafor ressalta que, para ocorrências que não são do Minha Casa Minha Vida (MCMV), caso do Dias Macedo, a orientação é que as famílias procurem a SSPDS. Além disso, diz que "somente recomenda diálogo das famílias com os agentes do Poder Público".

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