'Considero má interpretação', diz magistrada sobre processo

A magistrada é acusada de ter participado de um esquema de venda de liminares, nos plantões do Judiciário cearense

Escrito por Márcia Feitosa - Editora ,

Passados dois anos da ‘Operação Expresso 150’, por que a senhora decidiu falar?

Completamos dois anos desses fatos no dia 28 de setembro, mas na verdade só fui citada para o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) agora, no dia 13 de setembro. É quando tenho conhecimento de todas as acusações. Só podemos nos defender quando sabemos do que estamos sendo acusados.

A senhora participou do esquema investigado pela Polícia Federal (PF) ou tinha conhecimento dele?

Não, nunca. O que aconteceu foi a existência de um grupo de advogados, no Whatsapp, de conversas informais, troca de informações. Algumas delas de futebol, outras contra os magistrados, no sentido de que esses magistrados estariam, de alguma forma, vendendo suas decisões. Quando a PF se deparou com alguns nomes, passou a investigar. Se você me pergunta por que eu, Sérgia, entrei nessa confusão, é porque um advogado se referiu a um plantão meu, disse que entraria com uma medida.

Quem seria esse advogado?

O Fernando Feitosa. Os advogados sabem muito bem o perfil dos magistrados que estão nos plantões. Isso acontece em todos os tribunais. E o perfil de magistrada que sempre fui foi aquela ligada à Direitos Humanos, ao respeito às liberdades e aos direitos individuais. Quem tem esse perfil tem também o de fazer a magistratura mais aberta. Creio que os advogados, sabendo disso, deveriam falar entre si, mas não conheço nenhum deles, nunca os vi, nunca tive nenhum contato. Prova disso é que, em quase dois anos de investigação, nenhum telefone deles foi encontrado no meu celular. Houve a quebra do sigilo telefônico, isso tem laudos da PF.

Em uma conversa transcrita pela PF, advogados convidam o então companheiro da senhora para ir a um restaurante. A senhora sabia que ele falava com advogados, que tratava sobre seus plantões?

Não acredito nessa versão. Até hoje não há prova disso no inquérito. Eles colocam um nome ‘Frank’, como se fosse meu ex, mas no processo existem outras duas pessoas de nome ‘Frank’. Existe um ‘Frank’ prisioneiro, que era cliente de um desses advogados, para fornecer atestados de trabalho, nos pedidos de saída para o preso trabalhar, por R$ 3.500. 

Como esse outro ‘Frank’ iria ao restaurante, se está preso?

Sim, estava preso. Mas da prisão ele monitorava isso. E tinha outro ‘Frank’ no processo que estava solto. Era também cliente deles e tinha sido solto por um habeas corpus, concedido em plantão. Então, a PF até hoje não esclareceu de qual ‘Frank’ se fala. O que estava preso, evidentemente, não está dentro da minha dúvida.

Vários pontos do relatório falam da suposta participação do ‘Frank’ no esquema. Ele se envolveu de alguma forma? 

Se participou, nunca chegou a tratar sobre isso comigo. Nunca tive conhecimento. Esse tipo de tratativa precisa de uma consolidação da ponta e nunca tomei conhecimento. Ele nunca chegou a mim para me fazer proposta, nada de escandaloso. Não tenho informações que levem a crer a esse respeito.

Qual período a senhora esteve com o ‘Frank’?

Estivemos juntos por uns cinco anos. O relacionamento terminou no começo de 2016. 

Como está a situação de seu Processo Administrativo no Tribunal de Justiça? 

O Tribunal optou por não fazer sindicância, e utilizar o inquérito policial como sindicância. Isso para quem tem um conhecimento técnico é complicado, porque o inquérito é inquisidor e a sindicância é contemplada pelo contraditório. São diferentes: um é administrativo, o outro é penal. Ou seja, já demonstram uma ponta de dureza.

Sua defesa pode ser prejudicada pelo PAD ter o inquérito como fonte?

O inquérito é baseado em uma premissa muito simples: se os habeas corpus requeridos nesses plantões eram do grupo desses advogados, então já eram contaminados. Se eram de outros advogados, tinham credibilidade. Ocorre que nós, das Câmara Cíveis, não temos contato com advogados criminais. No meu caso, faz mais de 20 anos que estou na área Cível. Um juiz não pode receber, ou deixar de receber, qualquer pedido pelo nome da parte ou do advogado. Juiz não examina fatos, examina Direito. Em meus oito plantões, de 2012 e 2013, foram apresentados 75 pedidos, sendo 47 habeas corpus e 28 de matérias Cível. Dos 47 habeas corpus, 37 eu indeferi e 10 foram deferidos. É um percentual de 21% de deferimento, um número natural. No colegiado, 36 desses habeas corpus foram confirmados, e 11 modificados. Desses 11, eu tinha indeferido cinco, a modificação foi para deferi-los.

E em relação ao depósito de dois cheques da Sincol? 

O texto do delegado leva a uma conclusão errada. Ele diz que depois que esses cheques foram recebidos, essa advogada teria depositado cheques na conta do meu ex-companheiro. Na minha não. Minha conta é imaculada. Ele ouviu os dois na PF. Essa doutora Cláudia, que eu não conheço, nunca vi, nem sei de quem se trata, disse que ela tinha comprado um apartamento ao ‘Frank’. E que esse valor era um sinal do apartamento. Depois, ela viu um problema no apartamento e desfez o negócio.

Várias autoridades teriam lhe pedido favores, segundo a PF. Entre elas, desembargadores, juízes e um ex-governador. Isso realmente aconteceu?

O Poder Judiciário é lento. As pessoas muitas vezes se dirigem ao magistrado, não para pedir favor no sentido de julgar de um jeito ou do outro, mas de julgar<MC1>, de apressar. Isso não é um favor, é uma obrigação. Minha memória é muito fotográfica. Vou escrevendo palavras, que são gatilhos para minha memória. Para quem lê não tem nenhum nexo, mas pra mim tem. Esse é o meu costume, costumo fazer anotações. 

A senhora acha que foi vítima de uma série de equívocos?

Não. Não considero nenhum equívoco, considero má interpretação. Um desses espelhos de processos, uns dois ou três, que o delegado encontrou lá, estava escrito com a minha letra a palavra “preferencial”. Ele me perguntou por quê eu dava preferência a determinados processos. Respondi que não sou eu, mas a lei. Também achei estranho quando ele me perguntou porque as Câmaras do Tribunal tinham quatro desembargadores e só três julgavam. Tentei explicar que isso era para o bom funcionamento do trabalho, mas percebi que ele não entendeu. Isso me causou espécie, porque uma pessoa que está investigando o Judiciário tem que saber como funciona. Essas perguntas me fizeram crer que não estavam a par do Judiciário .

E quanto as informações de que houve sonegação de impostos, de sua parte? 

Um laudo da PF, que está no anexo 95, infelizmente, comete erros primários que levaram a conclusões erradas do relator. Por exemplo, me imputa a propriedade de uma casa que eu nunca tive, no Parque Manibura; me imputa transferências de valores, em uma conta da Caixa Econômica, como se essa conta fosse minha, quando era provisória, provisionada. Esses erros tiveram impacto inclusive na análise que fizeram de meu Imposto de Renda. Fui na Caixa porque não sabia de onde vinha aquilo. Levei o número da conta e disse que era minha, pedindo o extrato. Fui em duas ou três agências e todas disseram que aquela conta não era minha, que devia ter algum numero errado. Um erro grave, o laudo diz que soneguei imposto. Como soneguei imposto de um bem que eu nunca tive?

O que a senhora espera do fim da ‘Expresso 150’? 

O fim só pode ocorrer com o julgamento final. Hoje, de todos os desembargadores envolvidos nesse procedimento, e eu não estou aqui falando de quem é inocente ou culpado, só eu estou na ativa. Não pensei em nenhum minuto em me aposentar, porque tenho absoluta consciência de que esse processo vai chegar ao fim com a declaração da minha inocência. Sou inocente, nunca cometi atos de corrupção. 

A senhora é operadora do Direito. Agora, está do outro lado. Como ré, a senhora considera o processo justo, efetivo, ou acha que precisa ser modificado?

Tem tanta coisa para ser modificada, sabe? Costumava dizer que já tinha sido tudo na Justiça cearense, menos ré. Comecei com minha mãe trabalhando em cartório, fui advogada da Arquidiocese, depois entrei na magistratura. Isso está me mostrando o quanto é importante a possibilidade que tenho de retomar minha vida com outro perfil, outro olhar. Se eu voltar, hoje, para o Tribunal, não é mais a Sérgia que saiu, é uma Sérgia melhor e com mais capacidade de distribuir a Justiça com mais equidade. 

Valeu a pena dedicar a vida à magistratura?

Como juíza, sempre disse que não havia nada no mundo mais difícil de comprovar do que o que não fez. Confio muito em meus advogados e na dureza dos juízes que irão me julgar, mas também na imparcialidade. Nada é pior que ser julgado por um juiz parcial. 

E a pergunta inicial, a senhora acha que valeu a pena ter se dedicado à magistratura? 

Vamos pular essa pergunta.

*Desembargadora afastada do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE)
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