Advogados pedem que magistrados atendam virtualmente; entidades dizem que plano já existe no Ceará

Medida solicitada poderia ser utilizada pelo Poder Judiciário, após o término da pandemia. Associação Cearense de Magistrados é contra pedido

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: Advogados querem atendimento exclusivo de desembargadores e juízes, por meio de videochamadas
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Dois advogados do Ceará entraram com um pedido no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que seja regulamentado e determinado o atendimento virtual e individual de magistrados de todo o País a advogados, durante a pandemia do novo coronavírus e o regime de teletrabalho do Poder Judiciário - e também depois desse momento, como legado. Questionados sobre o pedido, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e a Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) revelaram que planejam instalar a medida no Estado em um prazo de 30 dias.

Na ação, ingressada no último dia 11 de maio, os advogados Leandro Duarte Vasques e Seledon Dantas de Oliveira Júnior argumentam que é direito do advogado, previsto no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada".

E acrescentam que a própria Resolução nº 313/2020, do CNJ, publicada para determinar o teletrabalho (expediente em casa) durante a pandemia, prevê que seja garantido o atendimento dos magistrados "aos advogados, procuradores, defensores públicos, membros do Ministério Público e da Polícia Judiciária, de forma prioritariamente remota e, excepcionalmente, de forma presencial".

Os advogados sugerem que os tribunais de Justiça divulguem a lista de contatos diretos dos juízes e desembargadores; que utilizem aplicativos de videochamadas; que sejam definidos horários específicos para atender os profissionais do Direito; e que os atendimentos sigam uma ordem de agendamento prévio, com duração de cinco a dez minutos.

Para os advogados, a adoção da medida neste momento deixaria um legado para o Poder Judiciário brasileiro: "A regulamentação de meios virtuais de interlocução apresenta extrema importância, mesmo após o retorno aos trabalhos presenciais nos tribunais e fóruns, para facilitar o acesso de advogados que atuam em comarcas diversas daquelas em que labora (atua) o magistrado. O deslocamento dispendioso e que toma muito tempo do profissional da advocacia pode ser substituído por uma simples ferramenta de chamada de vídeo, otimizando os trabalhos forenses".

Plano

O Tribunal de Justiça do Ceará informou, em nota, que, desde o início do regime de plantão extraordinário que instituiu o teletrabalho obrigatório, disponibilizou canais de atendimento de todas as unidades judiciárias para advogados e para o público em geral, conforme determinado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ainda assim, o Tribunal "vem estudando formas alternativas para ampliar o atendimento de advogados e partes diretamente pelos magistrados, assim como ocorre, por exemplo, no gabinete da ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com isso, a referida prática pode servir como marco norteador de um projeto piloto que está sendo elaborado pelo TJCE".

O plano é traçado junto da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará, que afirmou que trata da possibilidade de atendimentos virtuais com o TJCE desde a primeira semana de isolamento em razão da pandemia da Covid-19.

O presidente da OAB-CE, advogado Erinaldo Dantas, afirma que é de fundamental importância haver a possibilidade de videoconferência com magistrados.

"Apresentamos essa ideia para o TJCE e, em resposta, fomos informados de que nos próximos 30 dias um projeto piloto será apresentado com todos os detalhes para a viabilização desse atendimento para os advogados e advogadas cearenses"

Criminal

Leandro Vasques pontua que a medida beneficiaria advogados e clientes interessados em processos das mais diversas áreas, como criminal, cível e empresarial, em todo o País. Na criminal, cita um exemplo de um cliente que responde a um processo em Santa Catarina e que mudou de endereço no Ceará, para ficar com os pais durante o período de pandemia e isolamento social.

A Justiça de Santa Catarina enviou três cartas precatórias para serem cumpridas no endereço antigo, mas não localizou o investigado e decretou a prisão preventiva do mesmo, segundo ele. "Um ruído de comunicação gerou a sensação para o Poder Judiciário de que o cidadão cearense estava se esquivando da Justiça. Ele vai ter que pagar uma passagem aérea para o advogado ir despachar com esse juiz em Florianópolis. Será que o advogado não poderia, em uma conferência de cinco minutos, esclarecer para esse juiz que não houve nenhuma má fé?".

Magistrados

A Associação Cearense de Magistrados (ACM), representada pelo presidente, o juiz Daniel Carneiro, afirmou que o pedido dos advogados é "completamente desnecessário" e que espera que o CNJ não acolha a medida. O magistrado pontua que o Tribunal de Justiça do Ceará suspendeu os atendimentos presenciais para evitar a propagação da Covid-19, mas já forneceu alternativas para os advogados e o público se dirigirem aos magistrados por meio remoto.

"A lei, em momento algum, assegura ao advogado que esse atendimento tem que ser exclusivo. O que a lei assegura é que o atendimento é direto, e assim já é feito, seja através de e-mail, aplicativos de telefonia celular ou outros meios disponibilizados. O advogado ou o cidadão faz o seu pedido, a sua reclamação, e o magistrado tem acesso diretamente a isto e responde assim que possível", afirma o juiz.

Para o presidente da ACM, "essa medida será certamente muito prejudicial à prestação jurisdicional, na medida em que os magistrados deverão desviar o foco de sua atenção para ter que ascender a canais de teleconferência para conversar com advogados, tudo isso que demanda tempo e desvia sua concentração naquilo que deveria ser sua principal atividade, que é o julgamento e a análise de processos".

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