Adolescentes assassinados: a dinâmica da violência no Ceará

Em doze meses, 279 vítimas de 12 a 17 anos foram assassinadas no Estado. Pesquisas mostram que desfecho trágico e precoce costuma acontecer com mais frequência nas periferias

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@diariodonordeste.com.br

A violência perpetrada contra os jovens é uma lacuna no Brasil. Um dos países mais violentos do mundo, onde os adolescentes não escapam de protagonizar cenas tenebrosas, estejam eles como criminosos ou vítimas. Adílio Anderson Aragão, Maria do Socorro Martins, José Miguel da Costa, Pedro Henrique Ximenes... Todos estas vítimas fazem parte de uma lista longa que resulta em uma conta negativa.

Por que tantos adolescentes morrem no Brasil? Como esse fenômeno pode ser explicado e controlado? Os dados apontam uma realidade trágica. Em doze meses, no Estado do Ceará, 279 vítimas de 12 a 17 anos foram assassinadas. Cada história destas 278 vítimas da violência urbana se multiplica. Família, amigos, colegas de sala, professores e vizinhos. Todos, mesmo que indiretamente, integram o roteiro com desfecho infeliz.

A mãe se culpa por não ter "feito diferente". O pai por não ter imposto limites. Amigos e irmãos da mesma faixa etária podem chegar a se questionar: "se aconteceu com ele, pode acontecer comigo?". O Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) tem atingido características epidêmicas no Ceará. Há sete anos, o Estado tinha o terceiro pior IHA entre os estados brasileiros.

A projeção do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) é que se as taxas médias de investimentos feitos pelo Governo do Ceará se mantiverem, o Estado terá, em breve, mais dinheiro destinado à Segurança do que áreas como Educação e Saúde. O orçamento da política de Segurança Pública cresce em ritmo acelerado, mas as políticas de prevenção e de proteção social parecem não seguir na mesma velocidade.

De um por um

Dos 279 crimes, 208 aconteceram de janeiro a junho de 2018. Os outros 71 em igual período deste ano. Os dados mostram que houve queda de 66% no número de adolescentes assassinados no Ceará comparando os dois semestres. A queda de 66% é significativa e acompanha a curva da redução de todos os Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) no Estado.

Quase 85% dos adolescentes assassinados são do sexo masculino. 95% deles morreram em crimes com uso de arma de fogo, os outros 5% registrados ocorreram com arma branca ou outros meios que não puderam ser especificados nos relatórios da SSPDS. O perfil do adolescente vitimizado é negro e da periferia. As chances de um fim precoce aumentam para aqueles que não frequentam à escola há mais de seis meses.

Conforme o sociólogo e coordenador do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, Thiago Holanda, a redução dos índices de adolescentes assassinados não acompanha a diminuição da vulnerabilidade de pessoas deste grupo. O número ainda elevado mostra que, em média, houve pelo menos três mortes de jovens a cada semana. Os homicídios de meninas também chamam atenção.

"Como a queda está associada a dinâmica da reorganização dos grupos que disputam esse mercado varejista da droga no Estado do Ceará e a resposta do Estado é o recrudescimento da força policial, a gente não sabe qual resposta para isso. Se tiver uma nova onda de mortes quem vai ser afetada é essa juventude vulnerável. Há o perfil de adolescentes do sexo masculino, mas em 2017 e 2018 tivemos crescimento assustador de mortes de meninas", disse Thiago.

Enfrentamento

O diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), Leonardo Barreto, afirma que a Secretaria da gurança Pública vem adotando estratégias para estudar, investigar e evitar todas estas mortes. O delegado corrobora as afirmações de que o crime fica banalizado em ambientes degradados e como consequência os jovens percebem uma necessidade de se agrupar. Segundo Barreto, a Polícia Civil percebeu que em comunidades fortalecidas, os adolescentes com senso de pertencimento tendem a estar protegidos da violência.

"Quando a gente puxa o perfil dos infratores e das vítimas, coincide. São jovens, com baixa escolaridade e moradores de aglomerados. Todos eles estão inseridos em um ambiente criminogênico. Esse jovem busca valores na família. A família está desestruturada. Busca referências na comunidade e vê a comunidade degradada", ponderou o delegado.

Thiago Holanda reforça que os homicídios geralmente se concentram nas áreas mais precárias: "A política pública precisa abrir uma porta para a juventude vulnerável que tenta sobreviver nestes territórios armados. Falamos muito nos três níveis de prevenção, um deles é chegar até quem já sofreu a violência. As famílias destes adolescentes precisam ser acolhidas e ter apoio. Elas ficam em risco e ameaçadas de ter outro membro da família morto. É importante que o Estado chegue logo não só para dar garantia da proteção, mas a responsabilizar o autor do homicídio. A morte cria um impacto profundo na vida destas pessoas".

Ameaças

Na fala do coordenador do Comitê é possível perceber que o impacto das mortes de jovens vai além do luto parental. O drama da violência deixa rastros cercados pelo medo. No dia a dia da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza, o juiz Manuel Clístenes lida com essa juventude ameaçada, mas que pode ser resgatada.

Com objetivo de evitar que as ameaças se cumpram, o Governo aloca pessoas no Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). Na prática, segundo o juiz, o rigor do programa afasta os jovens. "O programa é muito rigoroso e tem que ser assim para funcionar. Esse adolescente ameaçado não pode ter rede social e não pode voltar a residir na comunidade de origem. Os que entram, passam pouco tempo porque logo cometem faltas graves", pontuou Clístenes.

Leonardo Barreto reforça que quando um jovem é assassinado, dentro do círculo familiar ou de amizade dele, há um irmão, amigo ou primo que também foi assassinado. Ele garante que as ameaças se tornam comum porque muitas vezes vítima e criminoso se conhecem. Ainda há indicativos sobre o responsável pela morte de um adolescente ser amigo de infância da vítima. "Se parar para pensar na profundidade deste conflito, um não saberia explicar para o outro. A última pesquisa do Ipea concluiu que 1% a mais de jovens nas escolas significa redução de 2% na taxa de homicídios. No meio desta questão falta o elemento principal: a educação", pontuou Barreto.

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