84% dos ataques registrados em cinco estados do Brasil foram no CE

Os dados fazem parte do levantamento 'Retratos da Violência'. O relatório contabilizou crimes ocorridos de junho a outubro de 2019, nos estados do Ceará, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro

Escrito por Emanoela Campelo de Melo e Felipe Mesquita , seguranca@verdesmares.com.br
Legenda: Dentre os meses analisados, setembro foi, no Ceará, o período com mais ofensivas
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

A violência no Estado do Ceará foi destaque no primeiro relatório "Retratos da Violência" da Rede de Observatórios da Segurança. A pesquisa apontou que, de junho a outubro de 2019, aconteceram 129 ataques de grupos criminosos nos estados do Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. 84% destas ofensivas protagonizadas, principalmente pelas facções, aconteceram no Ceará.

Ou seja, em menos de um semestre, o Ceará contabilizou 108 ataques criminosos. O período analisado incluiu um dos meses mais problemáticos para a Segurança Pública do Estado. Em setembro, aconteceu uma sequência de ofensivas no Ceará, principalmente na Capital. Em quase duas semanas, criminosos foram responsáveis por aproximadamente 100 ataques.

A sequência de terror presenciada pelos cearenses teria sido motivada pelas prisões de lideranças da facção Guardiões do Estado (GDE). Para cessar as empreitadas, dezenas de presos precisaram ser transferidos para unidades prisionais de segurança máxima.

A pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) do Ceará e da Rede de Observatórios de Segurança, Ana Letícia Lins, destaca que o mês de setembro foi o segundo período de mais ataques no Ceará. Janeiro de 2019 teve ainda mais ocorrências: "Vivemos uma segunda temporada de ataques no Estado. Mas eles foram substancialmente diferentes dos de janeiro. Em setembro, um grupo isolado agiu de forma solitária. Só em 11 dias, foram 107 ocorrências", disse. Também do LEV e responsável por participar do relatório, o sociólogo César Barreira pontuou o fenômeno indicando que a cada sequência de ataques, o quantitativo de homicídios no Ceará reduziu. Para Barreira, o fato de o Estado ter sido disparado com mais ataques, mostra o modus operandi desastroso de uma facção local.

"Não é só a questão de a facção estar ampliando seu espaço. É a natureza das facções. Nós temos uma facção local de características muito específicas. A GDE não só é mais jovem do que as outras, mas também não tem uma hierarquia consolidada. Então, a violência difusa se torna predominante", disse o sociólogo.

Ocorrências

O relatório 'Retratos da Violência' foi desmembrado em diversos outros tópicos, ainda considerando como fatores violentos os crimes de estupro, mortes por intervenção policial, roubos e feminicídios. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, foram analisados 4.764 fatos relacionados à Segurança Pública ao longo dos cinco meses. Do total, 2.658 casos foram de ações policiais, abusos e vitimização de agentes ou corrupção policial.

De junho a outubro deste ano, foram registrados 528 casos de violência contra a mulher no Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Das ocorrências observadas, 202 foram feminicídios e o restante tentativas de feminicídio, agressões físicas ou sexuais. Em São Paulo foram 60 feminicídios, seguido por 39 na Bahia, 37 em Pernambuco, 35 no Rio de Janeiro e 31 no Ceará.

Ana Letícia Lins acrescenta a informação de que: "Na questão de feminicídios persiste um quadro muito cruel. As mulheres no Ceará são majoritariamente assassinadas pelos seus ex-companheiros ou atuais companheiros. Vimos uma regularidade muito grande do uso de faca".

Vulnerabilidade

O estudo mostrou ainda que a violência atingiu outros grupos da sociedade historicamente vulneráveis. Nos cinco estados observados, episódios de racismo a negros foram 14, outros sete intolerância religiosa, enquanto os casos de violência contra a população LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais) chegaram a 35, sendo 22 letais.

A coordenadora da Rede, Sílvia Ramos, afirma que o levantamento foi importante para mostrar, em números, que o Brasil é um País racista, e as principais vítimas são negros. "O que significam esses números? Está caindo o número de homicídios no Ceará? Sim, está caindo. Estão caindo homicídios e roubos de veículos, mas fenômenos ligados ao feminicídio e violência contra a mulher estão cada vez mais presentes nas nossas vidas, como também estão aumentando os estupros e os linchamentos", disse Sílvia.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que trabalha para combater todos os tipos de crimes contra a vida em todo o território cearense. Conforme a Pasta, o Ceará chegou ao 19º mês de redução de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI).

A Secretaria justifica que a baixa no número é devida à iniciativas, como ampliação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil e trabalho paralelo ao sistema prisional, que possibilitou o enfraquecimento das facções criminosas.

Pesquisa

Em cada estado de atuação, houve apoio de instituição, entidade ou grupo de pesquisa para reforçar a equipe e recolher diariamente informações sobre violência e segurança dos principais jornais, portais de notícias, grupos de WhatsApp e Telegram, contas no Twitter e páginas no Facebook. Os pesquisadores explicaram que, no intuito de assegurar as informações, cada registro contabilizado no banco de dados foi baseado em, pelo menos, duas fontes.

Para coletar os dados, os pesquisadores também utilizaram informações oficiais por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e entraram em contato com entidades da sociedade civil, coletivos de bairros, pesquisadores, policiais e a imprensa.

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