2011: ano da CPI em Fortaleza e início da 'carreira' de uma vítima

Há oito anos, uma Comissão Parlamentar de Inquérito era iniciada na Capital para investigar exploração sexual infantil. Ainda em 2011, Joana (nome fictício) iniciava a vida 'nas ruas' em busca de se autossustentar

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@diariodonordeste.com.br
Foto: Montagem sobre a foto de Helene Santos

À luz do dia, três mulheres se concentram em uma esquina de uma rua nos arredores da Avenida Washington Soares. Duas com aparência de 20 e poucos anos, e a terceira já idosa. As mais novas se assustam com a chegada da reportagem, enquanto a senhora parece já não se importar e nem se surpreender mais com nada. Pergunto as idades das mais jovens: 25 e 27. Cada qual com uma história diferente de como chegaram até ali.


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Joana (nome fictício), de 25 anos, não se tornou prostituta recentemente. Quando ela optou por transar com desconhecidos em troca de dinheiro ainda era menor de idade. Adolescente, aos 17 anos, ela já queria ter sua própria renda e tinha amigas, da mesma idade, que conseguiam, mensalmente, se autossustentar apoiadas na prostituição.

"Eu vim para essa vida porque vi que era fácil e dava para viver bem. Comecei quando tinha 17 anos. Trabalhava nas praias e ninguém dizia que eu tinha 17 anos, pensavam que eu tinha 20. Isso foi há oito anos. Naquela época, era mais comum encontrar de menor, ninguém estava nem aí. Hoje, tem mais burocracia. Uma menina da mesma idade me chamou. A gente ia fazer 18 anos logo e topei", contou Joana.

Oito anos atrás foi em 2011, quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada no Município de Fortaleza para investigar a exploração sexual de crianças e adolescentes. Na época, a CPI resultou na identificação de 74 pontos de exploração sexual conhecidos após visitas das autoridades a bares, restaurantes, pousadas, ruas e avenidas.

O relatório trouxe em números a realidade de que a exploração sexual de menores de idade não estava só na Beira-Mar, mas também em bairros como a Barra do Ceará e Bom Jardim. Joana recorda que, em 2011, havia pouca fiscalização: "até perguntavam se eu era maior de idade e se eu estava com documento, mas no fim das contas ninguém conferia. Era meio escondido. Meus pais sabiam o que eu fazia, mas fingiam que não sabiam. De vez em quando falavam alguma coisa ruim, diziam que eu não precisava disso. Se eu penso que podia ser diferente? Às vezes sim, às vezes não".

Em 2011, foi instalada em Fortaleza uma CPI

Para a jovem, depois da CPI, muitos adolescentes ficaram com medo de serem descobertos como vítimas de exploração sexual e até mesmo as prostitutas de maior idade já não queriam estar próximo a ninguém com menos de 18 anos. A regra entre elas passou a ser: "só fica no mesmo ponto se tiver identidade. Ninguém mais deixa menor ficar". Já era tempo de ela ter completado os 18 anos e poder decidir pela prostituição.

Controle

O promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (Caocrim), André Clark, diz que sente falta de intervenções do Poder Público como a CPI de oito anos atrás. Para ele, um trabalho atuante das autoridades conscientiza a população e faz com que mais pessoas denunciem a exploração sexual de crianças e adolescentes.

Diferentemente da história de Joana, há as das adolescentes que entraram neste 'submundo' sob falsas promessas. O promotor conta ser comum que a violência sexual venha junto a fraudes. "Sempre tem quem prometa um emprego, enquanto na verdade é cilada. O favorecimento à exploração sexual de crianças e adolescentes também é um crime com pena mínima de dois anos", destaca.

Clark reconhece que faltam estatísticas e números sobre os crimes de exploração e admite que, se muitas vezes os fatos não chegam ao conhecimento do Estado, é porque faltou o empenho necessário por parte das autoridades. "É algo que acontece entre quatro paredes e de uma forma absolutamente clandestina, muitas vezes sem deixar rastros. O que precisa ser dito sempre é que o Código Penal pune, de maneira especial, os ascendentes e empregadores que favorecem ou induzem estas pessoas à prostituição".

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