Turismo Comunitário garante renda e trocas culturais

Anualmente, cerca de 400 turistas são recebidos em um dos 16 leitos instalados em dez casas, oito no Centro

Escrito por André Costa - Colaborador ,
Legenda: Os quartos seguem um padrão e são equipados com recursos da Fundação Casa Grande
Foto: Foto: André Costa

Nova Olinda. Da porta de sua casa, no Centro, Maria Macedo de Freitas, conhecida popularmente como Dona Irenice, espera ansiosamente a próxima acolhida a um turista em sua residência. Há quase duas décadas a autônoma começou a alugar um dos quartos do imóvel para recepcionar visitantes que iam conhecer a região do Cariri. Ao passar dos anos a iniciativa se expandiu e outras famílias aderiram a prática que passou a ser conhecida como turismo comunitário.

Com objetivo de organizar a receptividade dos lares e impulsionar o segmento, a Fundação Casa Grande criou há três anos a Agência de Turismo Comunitário, coordenada por Júnior dos Santos. Antes, porém, ele explica que a atividade começou voluntariamente, em meados de 1998, e, ao passo em que cresceu a demanda, surgiu a necessidade de "organização e estruturação do lar". "Só em 2009 a Fundação Casa Grande passou a instituir o Turismo de Base Comunitária", pontuou Santos.

Atualmente, a cidade de Nova Olinda, a 497Km de Fortaleza, é referência em turismo de base comunitária, graças ao trabalho desempenhado pela Fundação, em conjunto com a Cooperativa Mista dos Pais.

Do pioneirismo, o Município passou a servir de exemplo para outros centros que começaram a também investir no turismo comunitário. Anualmente, cerca de 400 turistas são recebidos em um dos 16 leitos instalados em dez casas, sendo oito delas na zona urbana da cidade, a um raio de 5 minutos até a Fundação, no Centro.

De acordo com o presidente da Fundação Casa Grande, Alemberg Quindins, além de proporcionar um turismo segmentado, há promoção de inclusão social e incremento na renda das famílias que estão direta ou indiretamente envolvidas. Por ano, o projeto chega a movimentar mais de R$ 40 mil.

Segundo Santos, o segmento está em alta. "O turismo comunitário cresce cerca de 30% a 35% ao ano e movimenta diversos setores da economia local", acrescenta. Ainda conforme a Fundação Casa Grande, em 2000, existiam cerca de oito localidades que desenvolviam o turismo comunitário, hoje são mais de 200 em todo o Brasil.

Integração

Ao chegar à cidade, o visitante é acomodado em um dos leitos das dez residências, todos equipados com televisão, cama, rede, ventilador, banheiro e estante de livros. Os quartos seguem um padrão e são equipados com recursos da Fundação. Os outros cômodos do imóvel passam a ser, no período em que a família está recepcionando o turista, área comum entre hóspede e os proprietários.

Júnior do Santos conta que, durante a estadia, a Fundação aconselha que as refeições sejam servidas à mesa da cozinha, com a presença de todos. "Acreditamos que é nesse momento que acontece a maior interação e troca de experiências entre as partes. O objetivo do projeto não é somente gerar renda, mas também integrar o visitante à cultura local", diz.

Cada diária custa o valor único de R$ 70, inclusos café da manhã, almoço e jantar. "Essa renda visa ajudar, sobretudo, as famílias dos meninos e meninas que fazem parte da Fundação, para evitar que eles tenham que deixar as atividades na Casa Grande para trabalhar e ajudar no complemento financeiro da família", pontuou Júnior. A Fundação atende diretamente cerca de 70 crianças e adolescentes.

Rota turística

O visitante pode optar por um roteiro turístico que contempla desde destinos de importante bagagem cultural, como a cidade de Assaré, terra do poeta Patativa; Exu, onde nasceu o músico e compositor Luiz Gonzaga; Potengi, cidade dos ferreiros e conhecida pelo reisado; Juazeiro do Norte, com a emblemática estátua do Padre Cícero de 27 metros, construída na Colina do Horto; até o Museu do Ciclo do Couro - Memorial Espedito Seleiro, em Nova Olinda. O espaço inaugurado em 2014 é o primeiro da Fundação dentro do projeto de criação de Ecomuseus no Cariri, tendo por objetivo fomentar e apoiar ações museológicas a partir da valorização da história e patrimônio local, desenvolvendo o território e a participação da comunidade.

O ateliê do Espedito Seleiro, mestre do couro, é um dos locais mais visitados da cidade e que não pode faltar no roteiro turístico. Espedito é um dos artesãos de maior renome do País, cuja obra é exportada para vários Estados brasileiros e países da América e Europa. Aos 78 anos, Espedito se dedica à arte há oito décadas. Seu trabalho passou a se destacar devido à singularidade nas peças de couro.

Hibridismo Cultural

"Já recebi africano, canadense, americano, gente de vários países", conta orgulhosa Dona Irene. A exemplo dela, outras famílias possuem contato frequente com turistas de diferentes regiões do País e do mundo.

Antônia Maria da Conceição Maroto possui quatro leitos em sua residência e uma infinidade de histórias acumuladas ao longo dos mais de dez anos em que acolhe turistas em sua casa, situada bem em frente ao Museu do Ciclo do Couro, também no Centro de Nova Olinda.

Questionada sobre qual teria sido o hóspede mais marcante, ela responde: "Todos são únicos, cada um possui algo para ensinar e aprender, mas confesso que a estadia da atriz Mariana Ximenes foi especial", relembra a aposentada, enquanto lavava a louça. Ao relembrar o dia em que a global chegou na cidade para realizar laboratório para o filme "A Máquina". Dona Antônia interrompe a limpeza em sua cozinha - sempre impecável, segundo atesta Santos - e caminha até o quarto, de onde saí com o livro de registro dos hóspedes.

Ela mostra o livro: "todas essas assinaturas são de pessoas que já se hospedaram aqui em casa. E aqui está a assinatura da Mariana. Ela ficou três dias e depois, quando veio lançar o filme, ficou mais um. Foi uma festa. A calçada ficava sempre lotada de gente querendo vê-la. Eu tive o prazer de acolhê-la e ela teve o prazer de se alimentar da minha comida", orgulha-se.

Afetos

O administrador da agência lembra que, "além do enriquecimento cultural e movimentação econômica da cidade, a atividade também proporciona amigos às pessoas que, muitas vezes, vivem sozinhas". Dona Irene é viúva e seus dois filhos moram fora da cidade. A solidão advinda da morte do esposo passou a ser preenchida com os hóspedes. Em sua casa, são dois leitos. Por lá já passaram estudantes, pesquisadores, empresários, ambientalistas e até um olheiro do tradicional time de Barcelona, onde jogam Messi e Neymar.

"Um dos turistas em que tive mais carinho foi um senhor de 70 anos que me recordava muito meu pai. Ele nasceu na França, mora nos EUA, apesar de não gostar, e é casado com uma canadense. Passou pela 2ª Guerra Mundial, já visitou vários países e fala várias línguas. Então imagine o quanto eu não aprendi com ele?! Eu conheci o mundo sem sair de casa", relata.

"Em sua maioria", comenta Júnior dos Santos, "as pessoas que se instalam nas casas acabam formando um laço afetivo com as famílias. Mesmo que não regressem posteriormente, muitos mandam cartas, telefonam ou até mesmo enviam lembrancinhas. Quando eles vão embora a gente sente saudade, é claro. Então nos resta esperar chegar um novo visitante, com novas histórias e novas vivências", conclui Irene.

Equidade

Júnior explica que o turismo comunitário em Nova Olinda é regido por meio de rodízio "para que todas as famílias possam ser contempladas igualmente. A Fundação Casa Grande também preza pela equidade. A Economia Solidária é isso. No fim do ano, todas as famílias acabam recebendo mais ou menos a mesma quantidade de hóspedes", finaliza.

ENQUETE

Por que decidiu receber?

"Me sinto muito bem quando a casa está cheia de gente de diversas partes. Além de conseguir renda extra, eu consigo interagir e conhecer pessoas. Já tive até o prazer de ter em minha casa a atriz Mariana Ximenes"

Antônia Maria Conceição Maroto

Dona de casa

"Fui uma das primeiras a receber pessoas em minha casa, ainda em 1999. Nessas quase duas décadas, conheci pessoas de várias nacionalidades, troquei experiência e aprendi culturas diversas sem ter que sair de casa"

Maria Macedo de Freitas

Dona de casa

FIQUE POR DENTRO

Referência em protagonismo infanto-juvenil

A Fundação Casa Grande foi criada em 1992 e hoje é considerada um dos principais projetos no Brasil e exterior de protagonismo infanto-juvenil, acumulando diversos prêmios. Atualmente 70 crianças e adolescentes são atendidas diretamente com atividades que objetivam a formação cidadã e crítica dos jovens. A ONG cultural e filantrópica é sediada na primeira casa de Nova Olinda, a qual originou o próprio município.

Mais informações:

Fundação Casa Grande

Telefone: (88) 3546-1333

Site: www.Fundacaocasagrande.Org.Br