Turismo comunitário fortalece povos tradicionais no Ceará

Pelo menos 18 municípios do litoral cearense e da região do Cariri se organizam em redes para desenvolver a atividade de base comunitária. Porém, a falta de políticas públicas voltadas ao setor dificulta sua manutenção

Escrito por Redação , regiao@svm.com.br
Legenda: Crianças se divertem em frente ao prédio do projeto Casa Grande, no município de Nova Olinda, interior do Ceará.
Foto: Foto: Hélio Filho

O turismo vai além de uma relação comercial. No interior do Ceará, a atividade é um instrumento de resistência de grupos tradicionais que guardam, na prática, além de sua complementação de renda, uma forma de garantia de seus territórios.

Esta relação fica evidente em comunidades litorâneas e no sertão do Estado que desempenham o turismo de base comunitária - desenvolvido pelos próprios moradores, que utilizam seus espaços de convivência na atividade. Por outro lado, a escassez de políticas públicas voltadas ao setor dificulta sua manutenção.

Rede Tucum

Na Prainha do Canto Verde, onde funciona uma Reserva Extrativista (Resex), o turismo comunitário é uma das principais práticas de geração de renda, juntamente com a agricultura familiar e pesca artesanal. Localizada no município de Beberibe, foi lá onde surgiu a primeira iniciativa cearense organizada em rede como alternativa ao turismo tradicional. Criada em 2008, a Rede Tucum abrange 13 comunidades de nove municípios dos litorais Leste e Oeste do Ceará.

"Nesse modelo de turismo, as pessoas vão chegando e se adequando à realidade da comunidade", explica Beatriz Goes, integrante da Coordenação Executiva da Rede. O projeto conta com o apoio de institutos ambientais e pesquisadores, mas a falta de políticas públicas dificulta sua expansão.

"É uma vergonha que não exista uma lei de incentivo justamente no Estado onde primeiro se pensou essa prática", lamenta Beatriz, ressaltando que "em alguns estados essas iniciativas já existem", afirma Beatriz.

Para Helena Soares, coordenadora do grupo de turismo comunitário em Caetanos de Cima, no município de Amontada, que também faz parte da Rede Tucum, a discussão para formular garantias legais ao setor tem sido uma pauta recorrente. "A ideia não é tornar a Rede uma agência, mas tornar o turismo comunitário reconhecido como um tipo alternativo, que como qualquer outro, precisa de políticas específicas".

Para ela, por ser uma atividade que vai na "contramão do turismo de massa", não há interesse por parte dos governos em criar estas garantias. Para suprir a demanda e continuar desenvolvendo a atividade, a Rede Tucum conta com a colaboração de seus integrantes. Cada família participante destina 10% do arrecadado à Rede, que utiliza o recurso nas despesas básicas.

Legenda: Projeto Dança do Coco, na comunidade de Caetanos de Cima, integrante da Rede Tucum.
Foto: Foto: Temaiseme/T+M

Cariri

"Visita à verdade que cada um tem pra mostrar e para contar ao outro". É assim que o caririense Alemberg Quindins define o turismo comunitário. Ainda na década de 1990, ele foi responsável por pensar a Fundação Casa Grande, localizada na cidade de Nova Olinda, que motivou a criação de uma iniciativa de atividade turística de base comunitária, em 2012, no Cariri. Hoje, o projeto atende nove municípios da região.

O principal objetivo da rede é garantir a geração de renda familiar aos parceiros por meio de um ambiente de integração entre a população local e os visitantes. "Eles podem conhecer os mestres da cultura, os artistas do Cariri. Nós temos 16 museus orgânicos em parceria com o Sesc (Serviço Social do Comércio)", ressalta Quindins.

Presente em toda a região da Chapada do Araripe, o projeto trabalha com base na economia solidária.

"A gente tem as pousadas rurais que abastecem as urbanas com seus produtos, com isso, a produção da agricultura familiar local é consumida pela rede. Já é outra pessoa beneficiada", explica Júnior dos Santos, coordenador do programa de turismo comunitário de Nova Olinda, onde fica a sede do projeto.

Outra coisa, famílias que produzem artesanato conseguem expor seus produtos na nossa lojinha, que é um espaço colaborativo. Então, estar na rede não significa estar somente dentro de um eixo", pontua Júnior dos Santos.

Incentivo limitado

Em nota, a Secretaria de Turismo do Ceará (Setur) informou não ter "ações específicas para o turismo comunitário" no Estado, mas a Pasta acredita que o "bom momento" da atividade acabou gerando oportunidades de capacitação profissional. Neste sentido, o órgão ressalta a criação de 140 turmas do Programa de Valorização da Infraestrutura Turística (Proinftur), beneficiando 2.600 pessoas desde 2017.

Prodetur

Também é destacada a atuação do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur) no Litoral Leste e nos Maciços de Baturité e Ibiapaba. Ao todo, 79 turmas foram formadas, com capacitação para cerca de 1.700 pessoas, em 2019. "Foram oferecidos cursos de artesanato, gastronomia, higiene e manipulação de alimentos, boas práticas de gestão, inglês, informante turístico, atendimento ao cliente", disse o órgão, em nota.

Nenhuma das iniciativas são voltadas especificamente ao turismo comunitário.

Tentamos contato com as secretarias de Turismo de Beberibe e de Amontada para saber quais ações voltadas ao turismo comunitário são desenvolvidas, mas não obtivemos resposta.

Especialistas

O Sistema Verdes Mares conversou com duas especialistas na área, que avaliaram quais políticas são necessárias para incentivar o turismo comunitário no Ceará. 

Embora concordem na maioria dos pontos, algumas divergências podem ser observadas, principalmente quanto a interferência do Poder Público. Para Susana Dantas, professora do curso de Turismo do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), as comunidades precisam manter um maior diálogo com os órgãos municipais.

"A discussão é mínima e fica mais difícil porque esse modelo não traz dinheiro à Prefeitura. O perfil desse turista é chegar e ficar no próprio local. Com isso, ele acaba não usando restaurantes ou outros estabelecimentos fora daqui", pontua.

Para ela, além de garantir a infraestrutura básica dos municípios onde a atividade é desenvolvida - como saneamento, vias de acesso adequadas para atender à demanda, segurança pública, entre outras coisas, é papel do Estado fornecer outras ferramentas para incentivar a atividade.

Já para Luzia Neide Coriolano, professora da Universidade Estadual do Ceará, o Estado deve se deter a oferecer a infraestrutura comum aos municípios.

"O que tenho observado nos últimos anos é que as políticas públicas subsidiaram as comunidades e a partir daí as comunidades se tornaram dependentes", justifica a especialista.

Por outro lado, as duas concordam que a atuação em rede fortalece as relações comerciais e de pertencimento entre as comunidades. "As pessoas têm comunicação, sabem que a rede articulada é benéfica a elas", ressalta Neide Coriolano. Opinião compartilhada por Susana Dantas, que acredita que se os grupos não "se organizarem em rede, eles não conseguem se manter. É por meio de grupos de trabalho que eles vão determinar preços, número de turistas, etc".

Assuntos Relacionados