Sistemas de irrigação pouco eficientes serão substituídos

Escrito por Redação ,
Com a escassez de água, Ceará deve ampliar uso do método de irrigação por gotejamento, com menor desperdício

Fortaleza. Quanto maior a identidade entre tecnologia e o meio em que é aplicada, maior a sustentabilidade. Em miúdos, será moderna a tecnologia aplicada no semiárido que despender menos água. A agricultura irrigada, que abastece com alimentos na mesa do brasileiro, é a maior responsável pelo consumo de água no país. E o consumo torna-se desperdício em pelo menos metade desse recurso hídrico aplicado na lavoura. No semiárido nordestino, essa conta torna-se ainda maior pela indiscutível escassez de água.

Irrigação na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte, com pivôs centrais FOTO: WALESKA SANTIAGO

Em terra em que chove pouco, canais de escoamento de água que findam em um grande pivô central fazendo aspersão em dezenas de hectares em poucos minutos são o sinal de modernidade. Eram. A sequência de anos de seca pressiona para a viabilidade de manejos que gastem menos água. Entram em cena as técnicas de microaspersão e, especialmente, de gotejamento. Em terra ´seca´, será moderno o que for mais eficiente.

Desperdício

"Hoje o pivô central é o quase-pior sistema do ponto de vista da eficiência. Digo quase porque o pior de todos é o manejo que se dá pela inundação, quando se libera água para alagar completamente um campo. Aí você tem um desperdício ainda maior", explica Nicolas Arnaud Fabre, assessor técnico de Desenvolvimento Rural da Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece). Ele é coordenador de cooperação internacional e fez parte da missão cearense em Israel, um dos passos até se chegar ao projeto de implantação da fazenda-modelo em Quixeramobim. De acordo com o especialista, cada pivô central gera uma perda de 50% da água desde a saída pela válvula até cair no solo. Uma das maiores perdas se dá por evaporação. Ao final das contas, e do trajeto, o principal destino da água deve ser a raiz do vegetal. "Quanto mais perto conseguirmos colocar a gota perto da raiz, maior a garantia de que essa raiz irá sugar essa água", afirma Nicolas Fabre.

Eficiência

De acordo com Reginaldo Lobo, diretor de Agronegócio da Agência de Desenvolvimento do Estadodo Ceará (Adece), a tecnologia também tem sido aprimorada mesmo em pivôs centrais, que aumentem a sua eficiência. Apesar dos desperdícios em manejo (seja na irrigação, indústria ou consumo humano direto), o Ceará ainda é considerado um dos Estados com melhor eficiência em recursos hídricos, com média de 75% - a média nacional é de 50%. Em Israel, o desperdício é de até 2% - e quando chega a essa quantidade, o sistema aciona um alarme para identificar o problema. "Num contexto de seca no semiárido, perder 40% de água bruta é um absurdo", admite Nicolas Fabre.

De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação é em disparado a maior usuária de água no Brasil, com uma área irrigável de aproximadamente 29,6 milhões de hectares.

Microirrigação

É baseada na realidade do solo árido de Israel, onde chove bem menos que no próprio sertão, que nos últimos anos se tem aplicado mais as técnicas da chamada microirrigação. A maior delas é o sistema por gotejamento: a água é levada sob pressão por tubos, até ser aplicada ao solo por emissores diretamente sobre a zona da raiz da planta, em alta frequência e baixa intensidade. A eficiência é de 90%, ou seja, um gasto com água ao menos cinco vezes menor do que por meio dos pivôs centrais de aspersão convencionais.

A fazenda-modelo de Quixeramobim deverá ter a eficiência da água não só por seu menor desperdício em trajeto. O reuso da água tornará relativo o conceito de ´destino final´ desse recurso. Um deles é a agricultura vertical, com a vegetação sobreposta umas às outras. O aguamento de cima para baixo permitirá que a água siga o fluxo descendente. O que não irá para a raiz (e, portanto, seria perdido por infiltração) atenderá a cultura de baixo.

A técnica de gotejamento é uma das mais eficientes e com menos desperdício de água. Já adotado de forma pontual, tecnologia será expandida FOTO: CID BARBOSA

Uso múltiplo

Outra técnica, essa envolta ainda mais em tecnologia, é o reaproveitamento do subproduto do tratamento de esgoto. "Esse ´lodo´, de rejeito, tem um potencial negativo de contaminação com o ambiente. Usar esse esgoto como matéria orgânica, para adubação líquida misturada ao sistema de irrigação será outro passo em eficiência e sustentabilidade", explica Nicolas Fabre, da Aprece. Em Aquiraz, já existe um campo experimental da Cagece para o reúso do subproduto do esgoto para irrigação de fruteiras e hortaliças.

O plano de adoção sistematizada das técnicas de manejo israelenses é feito em contexto no mesmo contexto em que se discute o Plano Nacional de Saneamento Básico. "O máximo reaproveitamento de esgoto que possamos fazer para usar na irrigação é um avanço no sentido ambiental, pois representa uma descarga menor desses esgotos no meio ambiente, ainda mais na nossa realidade de falta de rede de esgoto. Boa parte do esgoto hoje é rejeitado diretamente na natureza", afirma Nicolas.

Escassez

Estudo publicado em março deste ano pela Organização das Nações Unidas (ONU), até 2025, cerca de 2 milhões de pessoas viverão em regiões com absoluta escassez. É uma situação muito pior do que a verificada pelas famílias no sertão nordestino, sofridas pela falta de chuvas.

A entidade prioriza a agricultura irrigada como alvo para as políticas de controle do uso racional de água.

Em agosto do ano passado, o Governo Federal instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica para "contribuir para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis".

Mas a subcomissão de Segurança Alimentar da Câmara dos Deputados e alguns especialistas envolvidos ponderam que o "uso sustentável" da água deve partir na própria agricultura irrigada tradicional, que produz em larga escala. Ou seja, se não muda o sistema de produção, que "pelo menos", seja mais eficiente no uso da água.

A intenção das instituições parceiras na implantação da fazenda-modelo em Quixeramobim é difundir as técnicas de manejo eficientes para os agricultores do sertão "num futuro bem próximo", segundo José Maria Pimenta, presidente da Emater.

Até o ano que vem, chova ou faça seca, o Estado do Ceará deverá ter aumentada a oferta de acesso a água, seja por meio do Canal da Integração (Eixão), que já traz água do Açude Castanhão para Fortaleza, ou pelo Cinturão das Águas. "Além do armazenamento de água, a meta é melhorar essa distribuição, fazer com que chegue ao consumidor", afirma Ricardo Adeodato, diretor de operações da Companhia de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (Cogerh). "Mas se não resolver desperdício, não tem açude e adutora que chegue", afirma Teobaldo José, assentado rural no município de Russas, no Vale do Jaguaribe.

Mais Informações:
Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará - Aprece
Av. Oliveira Paiva, 2.621
Seis Bocas - Fortaleza
Telefone: (85) 4006.4000

MELQUÍADES JÚNIOR
REPÓRTER

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrevista com Ariosto Holanda

Investimento em tecnologia deverá passar por capacitação 

A criação de centros de ensino tecnológico e, mais recentemente, a expansão dessas unidades, atende à realidade do semiárido pela busca de novas tecnologias?

As unidades de ensino tecnológico são essenciais. O Ceará é referência nisso e o Brasil hoje também está no caminho, com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec). Numa audiência com o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, fiquei muito feliz quando ele disse que o Brasil terá um "choque de Pronatec". Isso é muito bom, mas precisa chegar à ponta, lá no trabalhador. A gente pode trazer tecnologia, mas se não preparar o homem, não vai trazer nada. Não basta equipar, tem que preparar. Se isso não for feito, é um dinheiro gasto de pouca serventia, mas acredito na boa intenção dos projetos que têm aparecido, especialmente quando reconhecem a necessidade de parceria com essas escolas técnicas.

Mas a inserção de novas tecnologias não subentende a capacitação para o seu uso?

Na teoria, sim. Mas já tivemos experiência, no Ceará, com dessalinizadoras. Adquiriu-se os equipamentos não se ensinou o homem a operar. Quando terminou a vida útil das membranas, o material ficou defasado e o equipamento parado. Um prejuízo social e econômico. O número de dessalinizadores ainda é muito grande, precisa operar, manter, precisa fazer muita coisa.

Isso já é feito?

Precisa melhorar bastante. Em uma audiência recente que tive com o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, ele achou excelente a nossa ideia de colocar nos perímetros irrigados os centros tecnológicos. Isso não só vai ajudar o próprio estudante a se capacitar como também contribuirá com as análises que os perímetros precisam. Isso inclui o recurso hídrico, o uso de produtos químicos, as técnicas de plantio, um leque de informações inovadoras. Os centros tecnológicos dentro das áreas de produção agrícola vão dar uma contribuição social e mesmo econômica muito grande ao país.

A falta de água é, de fato, o grande problema?

Em relação à seca, o que devemos entender é formas de ocupar os muitos vazios hídricos que existem. São muitos no Nordeste. Existem os perímetros irrigados, mas é preciso focar na preparação e capacitação do homem por meio dos estudos. Isso vai influenciar na técnica e, em seguida, na própria gestão dos recursos hídricos.

O senhor foi designado, ao lado do também deputado Eudes Xavier, a participar da coordenação do Grupo de Trabalho para tratar da reestruturação do Dnocs, órgão criado dentro desse contexto de seca. Que avanços se teve?

O mais eficaz será a edição de uma medida provisória para essa nova organização da nova estrutura básica do órgão. O que preparamos está com o Ministério do Planejamento e será encaminhado para a Casa Civil, que enviará ao Congresso. Passaria a se chamar Departamento Nacional de Infraestrutura Hídrica e Convivência com a Seca. Tem que melhorar o DNocs. Em cinco anos estarão todos os servidores aposentados. Quem vai administrar, o setor privado?

Melquíades Júnior
Repórter

Peixes e abelhas também serão foco da inovação.

"Não é só um projeto melhor uso do recurso hídrico, é um projeto de desenvolvimento de referencia para a convivência com o semiárido. Assim, vai para além da água", afirma Nicolas Fabre, assessor de Desenvolvimento Rural da Associação dos Prefeitos do Estado do Ceará (Aprece). A fazenda-modelo em Quixeramobim envolverá, de forma associada, a agricultura com outras produções. "Imagina a água usada no plantio vertical escorrendo diretamente para uso em tanques de criação de peixe e, deste, retornando, com as fezes desses animais na forma de nutrientes para as próprias plantas das quais tinha vindo a água", explica Nicolas.

Produção de tilápia no açude Trussu, em Iguatu. Ceará é líder na produção dessa cultura, especialmente no açude Castanhão. Novos manejos tecnológicos garantem maior produtividade. FOTO: HONÓRIO BARBOSA


E dessa forma se dará no centro de treinamento na Fazenda Normal, com ovino-caprinocultura, apicultura e piscicultura. O potencial do Estado para a produção de diversas culturas, se destaca ainda mais por meio da otimização dos recursos para esses mesmos segmentos. Ou seja, a capacidade de produção de peixe no Castanhão, que já é gigante, torna-se ainda maior quanto melhores as técnicas de manejo. E assim vai o pensamento para as outras culturas no âmbito da agropecuária. "O que se praticar no centro de treinamento de Quixeramobim vai potencializar a atuação de todo o Estado, na medida em que as tecnologias forem difundidas", explica Reginaldo Lobo, da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece).

Produção

O Ceará encontra-se na segunda e terceira posição na criação de caprinos (974.164 cabeças) e ovinos ( 2.025.617 cabeças), respectivamente, ficando atrás apenas da Bahia e do Piauí, também no Nordeste. Apesar de ser uma atividade centenária, no Estado do Ceará a apicultura só alcançou proporções relevantes no começo desta década. O crescimento foi tão rápido, que em 2005 o Estado alcançou o quinto lugar em produção de mel no ranking nacional e o patamar de primeiro maior exportador de mel do Brasil, em junho de 20092 (US$ 8,16 milhões) suplantando o Estado de São Paulo.

O Estado também é o maior produtor de tilápia do Brasil, com uma produção média anual variando entre 22 e 24 mil toneladas. O sistema de piscicultura do Açude Castanhão, em Jaguaribara possui além da barragem, o Complexo do Castanhão formado por uma estação de criação de alevinos e um parque de produção de peixes. O parque aquícola terá capacidade de produzir, cerca de 32 mil toneladas de peixe/ano.

A perspectiva da parceria Ceará-Israel na fazenda modelo de Quixeramobim é aumentar o valor das vendas para os agricultores, bem com o número de famílias com assistência técnica e, dessa forma, criação de programas que viabilizem novas inserções no mercado de trabalho.