Sertanejos bebem água imprópria para o consumo

Escrito por Redação ,
Legenda: No Açude Colina, a água é esverdeada, fedorenta e com gosto horrível
Foto: Foto: Kid Júnior
A evaporação intensa pode deixar o Açude Colina com cerca de 10% da sua capacidade até o fim deste ano

Abrir as torneiras de manhã cedo e, no lugar da água, sair um líquido esverdeado e fétido é rotina para os moradores da cidade de Quiterianópolis. A situação chegou a tal ponto que a própria Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), dado o descalabro, já toma providências no sentido de suspender a cobrança das contas ao fim do mês.

"A gente não sente diferença alguma na hora de dar a descarga no banheiro e na hora de abrir a torneira. A podridão é a mesma", garante a aposentada Felícia Mendes de Lima, que mora no entorno da barragem do Açude Colina, responsável pelo abastecimento da cidade.

Por conta dessa realidade, dona Felícia usa o líquido apenas para atividades como lavar a casa e a roupa. "Mesmo assim, estou fazendo isso cada vez menos. O pior é que cedo a gente abre a torneira e tem que deixar pelo menos dez minutos essa porcaria que alguns chamam de água sair para que melhore a aparência. Isso é mais prejuízo na hora de pagar a conta".

A dona de casa, Ana Lúcia Silva, que reside defronte à residência de dona Felícia, ganhou fama na cidade de mulher corajosa. O motivo: ela e a família bebem da água sem condição de potabilidade. "A gente sabe que é imprestável mas não tem condição financeira de comprar na bodega. O jeito é beber mesmo. Como sei que passa por um tratamento, estou arriscando. Até agora, ninguém aqui em casa adoeceu", comemora.

"Podemos chegar a um estado de calamidade pública em relação à questão da água para consumo em Quiterianópolis. Estamos no limite. Há um processo em andamento para retirar a cobrança das contas no fim do mês", revela o gerente de Unidade de Negócios da Cagece da Região dos Sertões de Crateús, engenheiro civil Hamilton Claudinho Sales.

O Açude Colina está com apenas 24% da sua capacidade, que é de 3 milhões e 250 mil m³. "A única opção viável no momento é buscar água nos carros-pipas em Novo Oriente, no Açude Flor do Campo, a 48Km de distância. Isso é para ontem", explica Hamilton, ao ressaltar que, mesmo após a suspensão da cobrança, "a água continuará a ser fornecida, sem a recomendação para o consumo humano".

Ele esclarece que os mananciais de superfície perdem muita água por evaporação e ainda há problemas causados pela poluição. "A evaporação ocasionada pela falta de chuva ocasiona a escassez da água muito mais do que o consumo propriamente dito. Juntando isso às agrovilas, os criatórios e a população difusa nas margens, há produção de coliformes fecais. Isso tudo se agrava mais nesse momento".

Suspensão iminente em alguns casos

"A Cagece não opera em todos os Municípios do Ceará, mas temos sofrido com os usos múltiplos do reservatórios, que incluem criatórios de peixes e balneabilidade. Fazemos tudo para manter a água tratada, mas temos muito eutrofismo pelo excesso de matéria orgânica. Nós só temos como remover toxinas até determinado nível. Depois disso, temos que interditar o reservatório", destaca a gerente do controle de qualidade da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), Neuma Buarque.

A pesquisadora listou os reservatórios em situação mais crítica e revelou que o Aires de Sousa, em Jaibaras, está prestes a ter o abastecimento suspenso, pois atinge um nível em que já não é mais possível tratar a água a ponto de remover as células tóxicas que se acumulam. Ao mesmo tempo, a Cagece alerta não ser a única a fornecer água à população a partir do reservatório e que há comunidades de Sobral consumindo água bruta do mesmo, correndo o risco.

Além do Aires de Sousa, ela destaca o Colina, em Quiterianópolis; o Quandu, em Itapipoca; o Acarape do Meio, em Redenção; a barragem Rivaldo de Carvalho, em Catarina; o açude Pedras Brancas, em Tapuiará (Bacia do Banabuiú); e o açude Madeiro, em Crioulas (Baixo Jaguaribe). Neuma Buarque destaca que a Cagece monitora 130 reservatórios no Estado, com periodicidade semestral, mensal e até semanal, de acordo com a situação e, baseado nisso, é feito o tratamento.

Neste sentido, dois açudes já não são usados para o abastecimento humano há mais de três anos: o Cedro, em Quixadá; e o Forquilha, no Município de mesmo nome, perto de Sobral. "Consideramos crítico quando a análise atinge 20 mil células de cianobactérias e o Forquilha chegou a oito milhões", exemplifica.

No caso do Aires de Sousa, o monitoramento tem sido semanal e a interdição pode se dar a qualquer momento. "A Cagece só garante a qualidade da água tratada pelo seu sistema. Existem outros sistemas retirando água de lá, assim como a utilização da água bruta".

A gerente de Vigilância em Saúde Ambiental de Sobral, Suely Torquato, declarou que em todos os distritos da cidade existe uma mini estação de tratamento, embora nem todas as famílias tenham acesso à água tratada. O Programa Saúde da Família, distribui Hipoclorito de Sódio e orienta a utilização do produto.

FERNANDO MAIA
REPÓRTER