Rios e mananciais no Sul do Estado auxiliam aportes no Castanhão

O maior açude do Ceará é estratégico para o abastecimento hídrico da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Para garantir seu aporte de água, se faz necessário bons volumes de chuva em regiões pontuais, como no Sul do Ceará

Escrito por Antonio Rodrigues e Honório Barbosa , regiao@verdesmares.com.br

"Eu espero por muitas chuvas em março e abril para encher de um lado a outro o Rio Salgado, como já vi em muitos anos da minha vida", anseia o agricultor Francisco Saldanha, morador de Icó. Desde 2012 que os açudes estratégicos do Ceará perdem volume hídrico. O abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde há cerca de 4,5 milhões de moradores, é uma preocupação constante. Mas de onde vem a tão esperada água para abastecer essa região?

A Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) observa que nos últimos dois anos, as chuvas foram mais promissoras na região Norte, na faixa litorânea. Entretanto, os maiores e mais estratégicos açudes e as bacias hidrográficas dos principais rios estão no sertão, onde vem chovendo menos.

A escassez de chuva mais intensa nas cabeceiras dos principais rios e nas bacias dos reservatórios resulta nos déficits hídricos. Cerca de 60% das águas vêm do alto sertão cearense, das chuvas que banham a maior parte da região do Cariri, ou seja, do Vale do Salgado, distante cerca de 500 km de Fortaleza. O recurso hídrico percorre riachos e rios. Daí a importância de que ocorram intensas chuvas no Sul do Ceará.

A Bacia Hidrográfica do Rio Salgado tem 308 km de extensão. Nasce no Município do Crato e deságua no Rio Jaguaribe, um pouco após a cidade de Icó, abaixo do Açude Orós, o segundo maior reservatório do Ceará. Quando chega ao Rio Jaguaribe, a água desce em direção ao município de mesmo nome até chegar à Bacia Hidrográfica do Castanhão, na antiga Jaguaribara.

Já as águas que descem pelo Rio Jaguaribe (Tauá, Aiuaba, Saboeiro, Jucás, Iguatu) e pelo Rio Cariús (Santana do Cariri, Nova Olinda, Assaré, Farias Brito, Cariús, Jucás e Iguatu) são barradas pelo Orós e somente chegam ao Castanhão, quando este reservatório transborda.

"Muita gente pensa que é o Rio Jaguaribe que abastece o Castanhão, mas na verdade é o Rio Salgado a sua principal fonte", pontua o gerente regional da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), em Iguatu, Anatarino Torres. Os técnicos estimam que cerca de 60% das águas do Castanhão têm origem na Bacia do Salgado.

O Açude Castanhão, o maior do Ceará, é estratégico para abastecer a RMF e a Bacia do Baixo Jaguaribe. No início da atual quadra chuvosa, 1º de fevereiro, a barragem acumulava 3,75%. Em igual período do ano passado, o volume era menor: 2,25%.

O barqueiro José Oliveira, da localidade de Mapuá, zona rural de Jaguaribe, onde há uma passagem molhada sobre o Rio Jaguaribe, que fica interditada quando o volume da água aumenta, apressa-se em explicar: "Aqui é o Jaguaribe, mas a maior parte que escorre aqui vem do Salgado e vai direto para o Castanhão". "A água que vem do Jaguaribe, lá dos Inhmauns, é barrada pelo Orós, o segundo maior do Ceará", acrescenta. As chuvas no Cariri são mais intensas do que no Alto Jaguaribe (Inhamuns) e por isso o Salgado beneficia com maior volume o Castanhão. Desta forma, as recargas anuais do Orós têm sido reduzidas. Atualmente, acumula apenas 5,4%.

No Sul do Estado, ao contrário das outras regiões, o período mais intenso de chuvas acontece de janeiro a abril - pré-estação em dezembro. Contudo, este ano, foi observado um acúmulo de 106,9 milímetros no primeiro mês, abaixo do volume médio de 147,7 milímetros para este período. Isso representa que as precipitações em 2019 no Cariri tiveram desvio negativo de 27,6%. O único município que recebeu chuvas acima da média na macrorregião foi Abaiara (14,7%). Com isso, o Açude Castanhão registrou perda de volume: tinha 4,34% até o fim do ano passado.

Nascente

No Crato, dois importantes rios formam o caminho das águas até o Rio Salgado. O Rio Granjeiro, que nasce no distrito de Belmonte, no sopé da Chapada do Araripe, em seu médio-curso corta o centro da cidade. No entanto, está canalizado e recebendo o esgoto do Município (Canal do Granjeiro). O trajeto natural do rio foi alterado e hoje dá lugar às ruas e prédios. Chuvas fortes já fizeram seu canal transbordar, arrastando carros e invadindo lojas, causando diversos prejuízos. Já no baixo-curso, ele reencontra a zona rural e o cimento desaparece, mas as áreas adjacentes se encontram sem mata ciliar.

Mais à frente, o curso de água encontra o Rio Batateiras, que também nasce no sopé da Chapada do Araripe. Apesar de formar o geossítio homônimo e no seu curso está presente o Parque Estadual do Sítio Fundão, o rio encontra-se poluído e com mata ciliar ameaçada.

Em Juazeiro do Norte, o Rio Salgadinho, que já foi sinônimo de subsistência, hoje está poluído, parte aterrado e ameaça a população com enchentes, principalmente em bairros periféricos e na zona rural. Ao pé do horto, como contava o ex-escritor Senhorzinho Ribeiro, as margens do rio eram compostas de roçados de arroz e cana-de-açúcar. O leito era bem mais largo e fundo e havia peixe em abundância. "As águas límpidas refletiam a beleza de uma natureza virgem e sem poluição. No inverno o rio se agitava e suas águas rebeldes triplicavam seu volume", conta em seu livro "Juazeiro no túnel do tempo".

Riacho dos Porcos

Longe dali, outro importante afluente do Rio Salgado nasce no Cariri e faz as chuvas na região leste serem importantes para o abastecimento do Açude Castanhão: o Riacho dos Porcos. Formado no sopé da Chapada, dessa vez em Porteiras, seu principal afluente é o Riacho São Miguel, que nasce em Mauriti. Suas águas encontram com as do Riacho dos Porcos em Milagres, que depois vai desaguar no Rio Salgado, no distrito de Ingazeiras, em Aurora. Por isso, as fortes precipitações em Milagres, Mauriti, Jati, Brejo Santo, Porteiras e Barro são importantes para o aporte do maior reservatório do Estado.

Além do Riacho dos Porcos, em Aurora, o Rio Salgado é abastecido na margem direita pelos riachos dos Cavalos, das Antas, os rios Cuncás, Pendência, Areia e Titi. Na Serra da Várzea Grande, os riachos do Pau Brando e Bordão de Velho descem até ele. Já pela margem esquerda, recebe águas do Rio Carás, Rio Jenipapeiro I e dos riachos do Meio, do Juiz, São João, dos Mocós, da Caiçara e Jenipapeiro II. Tudo isso, formando uma bacia no Município que cobre uma área de 10.500 km². Lá, há uma forte atividade de pesca que contribui para a alimentação e economia dos moradores. Contudo, este ano, não foi iniciada pelo baixo volume do rio.

Preocupação

Apesar de não estar ligado diretamente ao volume do Castanhão, já que é barrado no Orós, o Rio Cariús também nasce no sopé da Chapada do Araripe, no Vale do Buriti, em Santana do Cariri. No entanto, o local, há muitos anos, tem sido devastado.

A mata ao redor tem sido cortada e, em dezembro do ano passado, uma queimada destruiu a vegetação restante. Além disso, muitas casas, mineradoras e caminhões-pipa retiram a água diretamente da boca nascente. A professora aposentada da Universidade Regional do Cariri (Urca), Lireida Noronha, conta que isto é um problema que acontece há pelo menos 15 anos. A equipe do Diário do Nordeste entrou em contato com a Secretaria de Meio Ambiente do Município, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.