Pesca ilegal afeta produção de lagosta, no litoral de Icapuí

Há dez anos, os pescadores artesanais extraíam do mar, por dia, 60 Kg do crustáceo. Hoje, muitos deles estão parados diante da ausência da lagosta. O uso de compressores, proibido por lei, é apontado como o causador do "sumiço" do pescado

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: A maioria dos manzuás dos pescadores artesanais de Icapuí está vazia diante da redução do pescado Barcos se lançam ao mar em busca da captura da lagosta, em Icapuí

O sol nem mesmo tem surgido no horizonte quando um grupo de pescadores de Icapuí, no extremo leste do Ceará, se prepara para zarpar rumo ao alto mar. Uma pequena embarcação os leva para barcos de porte um pouco maior, que ficam ancorados a cerca de 300 metros da areia.

Antes das 5 horas, as velas destas embarcações são içadas e o grupo, dividido geralmente em quatro pescadores por embarcação, sai à procura da lagosta e, sobretudo, da sorte. Isso porque há alguns anos tem sido preciso muito além da experiência para capturar o pescado. "Em 33 anos de mar, nunca vi um ano tão ruim como este", lamenta o pescador José Maria dos Santos da Silva, que no próximo ano completará cinco décadas de vida. A frase em tom de desespero soa uníssona aos 1.553 pescadores de Icapuí.

"Antes a gente pegava 50, 60 Kg de lagosta por dia. Hoje quando pegamos 2 Kg é muito. Na maioria das vezes os manzuás voltam vazios", diz Antônio Cesar Bernardo da Silva. Manzuá é um engradado de varas empregado na pesca artasanal, onde o peixe entra por uma abertura e não mais consegue encontrar a saída. Neste ano, sem utilidade, elas foram amontoadas na varanda da casa de José Maria, erguida a poucos metros da Praia da Redonda. "Parei de ir para o mar", diz. "Não compensa mais. A lagosta está cada vez mais difícil de ser pescada", explica.

Luta

Antônio César e Valter José Barbosa Neto, o Riquelme, no entanto, reforçam o time dos pescadores que se mantêm resistentes diante da queda da produção da lagosta. "É preciso levar comida para dentro de casa", justifica o jovem pescador enquanto faz os últimos ajustes na vela que será a força motriz a levar o barco rumo ao desconhecido. "Não sei se vamos conseguir pescar, espero que sim", anseia.

O otimismo não é concretizado em números. Às 17 horas, quando o sol já cumpria seu papel naquele domingo, a embarcação retornou com "quase nenhuma lagosta". O balanço daquele dia de trabalho é o retrato fiel do drama vivido por muitos.

"Só vai dar mesmo para comer. Não pescamos suficiente para a venda", detalha o pescador, cujo apelido Riquelme foi concedido pelos amigos de profissão fazendo alusão ao ex-jogador argentino, que ganhou notoriedade mundial quando jogara pelo Boca Juniors. "Quando estamos no mar, a gente conversa sobre várias coisas; futebol é o assunto preferido".

Queda

Em anos anteriores - mas não muito distantes -, alguns grupos passavam dias em alto mar. "Tinha muita lagosta", relembra José Maria. A renda média mensal se aproximava dos R$ 4 mil. "Um trabalho duro, cansativo e até perigoso, mas que era recompensado", acrescenta José. Hoje, ele e outros pescadores de Icapuí sobrevivem sem qualquer renda fixa. "A gente vai pro mar pegar o almoço e o restante vai se virando, fazendo outros bicos", explicou José Maria.

Mas o que teria mudado, nos últimos anos, a ponto de transformar tão radicalmente um cenário promissor em um ambiente de lamúrias? A resposta para os pescadores artesanais é simples e unânime: o crescimento e falta de fiscalização da pesca ilegal.

Compressor

"Eles acabaram com a lagosta daqui", aponta Antônio César. Refere-se aos pescadores que vão ao mar com equipamentos de mergulho e os chamados de compressores de ar. Com esses instrumentos, proibidos por lei, os pescadores vão até o fundo do mar respirando por mangueiras e capturaram as lagostas. "Enquanto a gente joga o manzuá e espera para que as lagostas entrem, eles vão escolhendo uma por uma", detalha José Maria. Essa triagem, conforme o coordenador do Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Icapuí, Tobias Soares, desencadeia uma série de impactos.

"Colônias inteiras são capturadas de uma só vez. A reprodução da lagosta foi diretamente afetada. Por isso, o pescado sumiu do nosso litoral", garante Tobias. Além disso, o método expõe o pescador a riscos extremos, por não conhecerem bem as técnicas de mergulho e por inalarem, durante um longo período, ar impróprio. Segundo Tobias, em Icapuí são vários os casos de pescadores que ficaram com sequelas devido à pesca ilegal. "A saúde de muitos foi afetada. Já teve inclusive morte".

Inoperância

Tobias confirma que, embora a prática da pesca com compressores tenha se iniciado ainda na década de 1990, a fiscalização por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) "é branda". Avalia que, a extensa faixa do litoral, somado ao reduzido número de fiscais do órgão ambiental resulta na "não aplicação da lei".

Para ele, algumas medidas poderiam ser adotadas a fim de reduzir essa prática ilegal, passiva de multa mais detenção. "Se houvesse uma proibição nacional de restaurantes comercializarem a lagosta no período de defeso, já ajudaria. Pois os pescadores artesanais respeitam esta pausa, mas os que estão na ilegalidade não, eles continuam pescando e abastecendo os restaurantes", pondera.

Em nota, o Ibama argumenta que tem adotado política de análise dos documentos relativos à cadeia de custódia, além do monitoramento. "Há uma programação de fiscalização até o fim de 2019 nos municípios de destaque com produção de lagosta".