Peregrinos vão ao encontro de São Francisco em Canindé

Devotos de todo o Estado viajam ao município para pagar promessas e agradecer ao santo, considerado o mais popular no Ceará

Escrito por Vanessa Madeira , vanessa.madeira@diariodonordeste.com.br

Aos pés da estátua de São Francisco, em Canindé, a universitária Josaline Batista amarra três fitas coloridas. Uma para pedir pela saúde da irmã, diagnosticada com pneumonia; uma para o irmão, que sofre de depressão; e uma para a mãe. Esta última tenta, há mais de três meses, acabar com dores, inchaços e outros incômodos provocados por problemas circulatórios. No auge da angústia, depois que a mãe teve de ser internada, a filha apelou para o santo. "Pedi a São Francisco das Chagas que me mostrasse uma pessoa, uma reza, um medicamento, qualquer coisa que ajudasse ela com a dor. E ele mostrou". A fita foi uma das formas encontradas por Joseline para agradecer. "Vim de Carnaubal para agradecer por essa graça que a gente conquistou e pela proteção que ele nos dá", disse.

Um dos principais polos religiosos do Estado, a cidade de Canindé é movida pela devoção a São Francisco. Depois de Assis, na Itália, terra natal do santo, o município agrega o segundo maior movimento de romarias em sua homenagem. A fé em Francisco, contudo, chega mais longe. No Ceará, conforme mostra a pesquisa do Instituto Opnus, 13% dos entrevistados são devotos ao santo.

Em 2018, a presença franciscana no Estado completa 260 anos. Teve início em 1758, com a chegada dos primeiros frades ao território cearense e, mesmo com o decrescente número de fiéis católicos, consegue se manter forte até hoje. No sertão, a crença em São Francisco encontra território fértil. As chagas vividas pelo povo o aproximam do religioso, conhecido pela compaixão com os pobres e doentes.

"Uma realidade religiosa cresce quando existe identificação. Se ainda hoje temos dificuldades e fraturas sociais grandes, imagine no passado, com a fome e os ciclos de seca. Por isso, existe essa relação com São Francisco das Chagas", afirma o reitor do Santuário de São Francisco, Frei Marconi Lins.

Além da população local, estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas, vindas de todas as regiões do Ceará peregrinem até Canindé anualmente, para pagar promessas e agradecer ao santo por graças alcançadas. No caso da engenheira Irene Carvalho (nome e sobrenome fictícios, a pedido da entrevistada), a oração feita a São Francisco foi pela própria vida e da filha.

Grávida aos 38 anos, entrou em trabalho de parto com apenas 6 meses de gestação. Não bastasse a prematuridade da criança, problemas de hipertensão colocaram em risco a sobrevivência não só da filha, mas também da mãe. Suas chances de resistir ao procedimento eram poucas, diziam os médicos. As da criança eram quase inexistentes.

"Resolveram fazer o parto porque ou faziam isso, ou eu morria. Nesse momento, prometi que, se a gente sobrevivesse, viria até a Igreja em Canindé, entraria de joelhos e iria oferecer minha filha a São Francisco. Na hora em que fui entrar naquela sala de parto, tinha certeza que ele ia me ajudar", lembra Irene.

A filha nasceu com vida, mas pouco mais de 600g de peso. Passou 83 dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. Hoje, nove meses depois e com a pequena, saudável, no colo, reafirma a fé no santo. "Ele salvou a mim e a minha filha. Não consigo explicar essa ligação tão forte, só sei que ele me tocou e já alcancei muito por causa dele", diz.

As romarias e as preces para São Francisco se tornaram ritual para o aposentado José Paulino da Silva desde que tinha 18 anos, quando, para pagar uma promessa feita pelo pai em seu nome, foi de Guaiúba, sua cidade natal, até Canindé. O percurso, de mais de 100km, foi feito a pé. "Foram dois dias de viagem. Saí de casa uma hora da madrugada. Naquele tempo, a gente podia andar de madrugada sem perigo. Viemos por Itapebussu. Só paramos para merendar debaixo de uma ponte, e para armar umas redes em Caridade e descansar. Depois, começamos tudo de novo", recorda.

Ao chegar no santuário, ajoelhou-se aos pés da imagem do santo para agradecer pela cura de uma doença. As peregrinações continuaram desde então, mas hoje, aos 72 anos de idade, José trocou a caminhada pelo ônibus. Ao lado de cerca de 100 romeiros, pertencentes à romaria "Jesus, Maria, José", de Guaiúba, ele visita o santuário de forma sagrada ano a ano.