Cortejo do pau da bandeira: tradição de quase um século

A Festa de Santo Antônio, em Barbalha, chegou ao seu momento mais marcante no início da noite de ontem (2), quando o símbolo, um mastro com 26 metros de comprimento, foi erguido no largo da Igreja Matriz

Escrito por Antonio Rodrigues , antonio.rodrigues@diariodonordeste.com.br
Legenda: Chegada do pau da bandeira no largo da Igreja Matriz de Santo Antônio é o momento mais importante para os carregadores
Foto: Foto: Antonio Rodrigues

Parte de Barbalha ainda dormia quando Francisco George da Silva, 63, o George Pintor, se levantou. Por volta de 1 hora da madrugada do domingo (2), ele e mais cinco pessoas seguiram até o Sítio Roncador, onde o mastro da bandeira de Santo Antônio "dormia", por 15 dias, na "cama do pau", para perder líquido e ficar mais leve.

O angico de 26 metros com cerca de duas toneladas, anualmente, é arrastado por mais três quilômetros, antes de ser colocado nos ombros de aproximadamente 250 homens - tradição que acontece desde 1928. Desde 2015, a Festa do Pau da Bandeira foi reconhecida como patrimônio cultural, pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan).

A festa, realizada em Barbalha, chegou ao seu momento mais marcante no início da noite de ontem (2), quando o símbolo foi erguido no largo da Igreja Matriz de Santo Antônio. Isso também representa a abertura dos festejos do padroeiro da terra dos "Verdes Canaviais".

A rotina de George Pintor é a mesma há 20 anos. Antes do grupo de carregadores se acordar, ele arrasta e prepara o pau da bandeira para ser conduzido por cerca de seis quilômetros pelo Centro Histórico. Além disso, coloca as cordas para controlar o percurso do mastro, os cintos para evitar rachaduras na madeira e os pneus que amortecem o impacto. "Antes era só eu e mais um. A gente subia meia-noite. Nosso alimento era um litro de uísque e pão".

Do sábado para o domingo, praticamente ninguém dorme com ansiedade, segundo George, que completou 50 anos como carregador. Há anos, promete abandonar a tradição, mas, quando se aproxima a festa, desiste. "Digo que vou deixar porque tô cansado, mas vem essa ansiedade. Hoje, não carrego, mas vou organizando", conta.

Com dores no joelho, George também traz no corpo as marcas de carregar. Em uma edição, sofreu fratura no dedo quando o mastro caiu no seu pé. "Hoje, não mexe as juntas. É todo duro", diz.

Seu tio, Vicente, e os primos participavam da manifestação quando o pintor, ainda menino, acompanhava, mesmo contrariando seu pai. "Todo ano era uma 'pisa'. Ele ficava esperando na praça. Tinha medo de que eu começasse a beber", lembra. No dia anterior ao cortejo, George preparou uma galinha caipira, vinagrete, suco e uísque para dividir com os carregadores.

Veteranos

O professor Antônio Valmir Rodrigues, um dos organizadores, passou a acompanhar o pau da bandeira por meio do seu pai, Osmir. Aos 12 anos, segurava chinelo, camisa e servia água para o pai. "Fui aprendendo, vivenciando e criando gosto. Se o pau gira, ele cai. Se levantar de uma vez, ele cai", advertia Osmir. Hoje, o professor tem 22 anos na manifestação popular.

A celebração começa 15 dias antes, no corte da árvore. Mais uma vez, foi escolhido o pé de angico. A retirada aconteceu, na manhã do dia (17). Logo cedo, os carregadores se concentram no Mercado Central. Lá, é servido um caldo e acontece uma queima de fogos. De lá, o grupo segue até a Igreja Matriz onde é feita a bênção. Depois, partem para o Sítio Flores, a 8 quilômetros da sede do Município, onde o pau da bandeira é demovido.

"No dia do corte, ele deixa de ser árvore e passa a ser o mastro da bandeira de Santo Antônio. Tem uma simbologia grande. Ao mesmo tempo que é sagrado, é profano. Todos têm cuidado e respeito", explica Valmir. A casca é retirada e seu destino é um chá, feito como simpatia para as moças conseguirem um casamento.

Acidente

A saída do Pau da Bandeira começou ao meio-dia. Antes disso, é feita uma oração. "A gente pede para que não aconteça nenhum acidente com os carregadores, visitantes", conta Valmir. Há quatro anos, a tradição viveu um momento triste: a morte do carregador Cícero Ricart, conhecido como "Careca", de 39 anos.

De lá para cá, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado entre o Ministério Público do Estado do Ceará, a Secretaria de Cultura de Barbalha e os carregadores. Em virtude disso, os carregadores recebem uma camisa que serve para identificá-los.

A passagem do pau da bandeira pela Rua do Vidéo, que concentra o maior número de visitantes, é um dos momentos mais inesquecíveis. Milhares de pessoas se espremem, enquanto o angico é levado nos ombros. Com o cansaço, soltam a árvore no chão. É neste momento que as pessoas rompem o cordão de isolamento e lutam para tocar no pau. Eles acreditam que ao tocar no símbolo irão para o altar em breve. Os próprios carregadores entregam lascas do pau para os brincantes.

O estudante Salomão Veloso, 20 anos, é um dos mais jovens a participar do cortejo.Começou aos 9 anos, quando acompanhava o cortejo pelo carro da água, só observando. Aos 14, passou a puxar a corda e hoje representa a quarta geração de carregadores de sua família. Tudo começou com seu bisavô, Melquíades da Costa Veloso, o segundo capitão da história do pau da bandeira em Barbalha.

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