Obras hídricas do Nordeste trazem esperança e causam transtornos

Quando finalizado, o Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf), com auxílio do Cinturão das Águas, beneficiará 7,1 milhões de nordestinos. Em contrapartida, as duas obras causam problemas às comunidades

Escrito por Antonio Rodrigues e André Costa , regiao@verdesmares.com.br

Eu morro e não vejo esse rio passar", profetizou o agricultor Valdevino Ferreira de Macedo, quando ouviu os primeiros boatos sobre a passagem do canal do Cinturão das Águas do Ceará (CAC) pelo Baixio das Palmeiras, no Crato, em 2010. Dois anos depois, ele faleceu, mas o projeto já havia causado sérios transtornos na comunidade rural, a pouco mais de 10 km da sede do Município. Por lá, ainda não foram iniciadas as obras que fazem parte do Lote 03 do Trecho 01, que vai de Jati a Nova Olinda, no trajeto do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf).

Apesar das duas obras serem esperança de garantia hídrica para o Ceará, as comunidades rurais que estão na rota desses empreendimentos atestam diversos impactos sociais e ambientais por onde passam. No distrito de Baixio das Palmeiras, por exemplo, a comunidade se organizou para discutir o elevado número de casas que seriam atingidas e além de exigirem audiências públicas e reuniões.

Tramitando desde 2009 nos arquivos da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), apenas em 2012, os moradores do Baixio das Palmeiras souberam que seriam afetados. Na época, segundo a comunidade, homens e tratores cortaram cercas e invadiram propriedades para fazer demarcações. Foi a própria Associação de Moradores que se encarregou de conseguir mais informações e promover debates com os técnicos da Pasta. Mas isso foi só o começo. Na manhã do dia 1ª de maio de 2014, o agricultor José Francisco Feitosa estava retirando alguns tijolos de sua casa quando a parede cedeu e o esmagou. "Eu estava no terraço quando ouvi aquele gemido. A parede estava em cima dele. Tiramos ele todo cortado, ensaguentado e levamos ao Hospital, mas não deu", lembra o agricultor Reginilton Ferreira Nobre. Apesar de ser socorrido, José não resistiu aos ferimentos e faleceu naquela noite. Antes do acidente, ele tinha sido um dos primeiros moradores indenizados no Baixio das Palmeiras, contudo, não havia recebido o valor suficiente para comprar um terreno e construir uma nova casa. Por isso, José teve que retirar o material do antigo imóvel, o que acabou causando sua morte. "O que ele recebeu não dava pra fazer tudo", justifica Reginilton.

Ainda no Baixio das Palmeiras, muitas pessoas continuam convivendo com incertezas sobre o futuro da comunidade. Desde que o "eixo emergencial" do CAC foi priorizado para levar água até o Açude Castanhão, as obras do Lote 03 não tiveram a mesma velocidade. Por isso, a própria família de Reginilton, que está no traçado do canal, mantém esperanças de continuar morando no local em que nasceram. "Até agora não tem notícia nenhuma. Eu espero que [a obra] não venha", pede.

Sua mãe, a aposentada Maria Ferreira, de 74 anos, está doente e com dificuldades de se locomover. Seu pai, Valdevino Ferreira, morreu antes de "ver o rio passar". Seus outros dois irmãos também têm problemas de saúde. "A pessoa vai pra onde? Sempre morei aqui. É muito ruim sair e ir pra outro canto procurar lugar pra comprar terra, fazer casa, sem ter estrutura, sem muito dinheiro. Não tem local adequado. É torcer que (a obra) não venha. Só vai trazer destruição e desgraça pra nós. Só vai acabar nosso Baixio", completa Reginilton.

Porém, com o chamado "eixo emergencial" do Cinturão das Águas pronto para levar água do Pisf até Fortaleza, a SRH assegurou que as obras do Lote 03 avançarão até o distrito de Baixio das Palmeiras até o fim deste ano. Serão desapropriados 53 imóveis, entre casas e terrenos: 35 na comunidade sede e 18 no Baixio do Muquém. A Pasta afirmou que cerca de 20 famílias já foram indenizadas.

Cadê a água?

Paralelo a isso, houve isolados conflitos em outras localidades do Cariri por conta do Pisf. Em Mauriti, no distrito de São Miguel, o principal impacto aconteceu com o aterramento da lagoa - cartão-postal da localidade. A água subterrânea foi toda "minada" para o canal. "Aqui, se cavasse três metros, já tinha água. Agora, o canal está como um dreno. Toda água vai para lá. Se cavar 20 metros não tem água", conta o agricultor Otoniel Alves.

Este problema fez com que os moradores entrassem com uma ação na Justiça, em 2015, para reparar os danos que a obra causou na irrigação de lá. Eles também fizeram protesto reivindicando que a construtora encanasse a água que foi drenada para dentro do canal e distribuída para o São Miguel, que possui cerca de 2 mil habitantes. O pedido foi atendido. Por outro lado, uma ponte que seria feita em frente ao sítio de Otoniel não foi construída, obrigando o agricultor a caminhar 8 km para cuidar do gado. Vizinho ao canal do Pisf, o sítio também começou a sofrer com alagamentos no ano passado.

Nas primeiras chuvas, a água atingiu 50 cm dentro de casa, porém, fora dela, a altura foi muito maior, e o agricultor acabou perdendo o gado, que morreu afogado. "Nunca tinha acontecido isso" descreveu um trabalhador. O Ministério do Desenvolvimento Regional - que assumiu a obra após o Ministério da Integração Nacional ser extinto - afirmou que visitou a comunidade de São Miguel por meio do programa Comunicação Itinerante na Zona Rural. Na oportunidade, esclareceu dúvidas, informou sobre o empreendimento e registrou demanda dos moradores

Andamento

Hoje, o Eixo Norte da Transposição, que atenderá Ceará, Paraíba e ao Rio Grande do Norte, apresenta 97% de avanço físico. Todas as grandes estruturas para conduzir a água aos estados beneficiários estão prontas - estações de bombeamento, túneis, aquedutos, canais. No entanto, um vazamento detectado no dique da barragem de Negreiros, em Salgueiro (PE), no último dia 16 de agosto, atrasou a entrega da obra, prevista para o fim do ano passado. Com os trabalhos concluídos, as águas chegarão à barragem de Jati, no município homônimo, seguindo pelo "eixo emergencial" do CAC até o Riacho Seco, em Missão Velha.

De lá, percorrerá o Rio Salgado até desaguar no Rio Jaguaribe, fluindo para o Açude Castanhão - responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza. As águas do "Velho Chico" já avançam em 80 quilômetros desta etapa, atendendo 12 mil moradores rurais de Cabrobó e Terra Nova, em Pernambuco. O Ministério garantiu a conclusão da obra no primeiro semestre de 2019 e o início das operações no segundo semestre. Quando finalizada, vai beneficiar 7,1 milhões de nordestinos.