Número de Reservas Extrativistas no Ceará ainda é diminuto

Das oito comunidades tradicionais que fizeram pedido de reconhecimento ao Governo Federal, apenas duas obtiveram êxito. Segundo especialistas, ação não é suficiente para assegurar a preservação desses povos

Escrito por Redação ,
Legenda: Além das comunidades da zona costeira, há extrativistas em outras regiões do Estado, como no Cariri, onde o pequi é bastante representativo. São mais de 40 famílias que atuam na atividade
Foto: FOTO: ELIZANGELA SANTOS

Espaços protegidos pela legislação, as Reservas Extrativistas (Resex) são instrumentos legais para preservar a cultura e economia de povos tradicionais, assim como buscam assegurar o uso sustentável dos recursos naturais em seus territórios. No Ceará, oito comunidades encaminharam pedido ao Governo Federal para ter seus territórios transformados em Resex, em 2000. Contudo, só duas - a Prainha do Canto Verde, em Beberibe, e a comunidade do Batoque, em Aquiraz - tiveram as etapas de reconhecimento concluídas.

A titulação garante, entre outras coisas, uma série de direitos aos beneficiados, situação que não se repete nas comunidades não reconhecidas. Isso dificulta ainda mais a manutenção destes povos em seus espaços de origem, além de limitar os mecanismos de proteção destes territórios para ameaças externas motivadas por interesses econômicos.

Número insuficiente

Para Maria do Céu de Lima, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em geografia, comunidades e povos tradicionais, o número de Resex é insuficiente para atender à demanda do Estado. "Os desafios são muitos por conta das pressões externas que vêm com a valorização dos litorais, com a especulação imobiliária, vinculada aos negócios turísticos", ressalta a especialista. Todas as oito comunidades que encaminharam solicitações de reconhecimento se concentram na zona costeira.

As Unidades de Conservação foram instituídas a partir do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), em 2000, e tornou possível a criação, em 2003, da Resex do Batoque, e em 2009, da Prainha do Canto Verde. "As Resex foram decretadas, e isso implicou a atuação e responsabilidade dos órgãos públicos, do Ibama e ICMBio, na gestão das Unidades de Conservação", explica.

A reportagem contatou com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para levantar a atual situação dos outros seis pedidos, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno.

Direitos Garantidos

"Esta categoria de Unidade de Conservação foi criada, justamente, para proteger a relação entre as populações tradicionais e os ambientes que elas ocupam. Garantir o seu território para que possam reproduzir sua cultura, que normalmente é transmitida entre as gerações", ressalta o analista ambiental do ICMBio, Paulo Maier Souza. "Do ponto de vista econômico, estamos falando de populações que estão no litoral e que vivem da pesca, principalmente da lagosta, e que têm uma atividade turística muito forte", explica.

A primeira garantia das comunidades extrativistas reconhecidas é o direito legal ao uso de seu território. Uso este que, na maioria dos casos, é o principal entrave das disputas territoriais. Além disso, fica sob responsabilidade do ICMBio apoiar estas comunidades para garantia de subsídios do governo. "Por exemplo, eles podem ter acesso a crédito habitacional, acesso à aquisição de equipamentos para produção familiar, garantia de preço mínimo no mercado, quando é o caso", lista o representante do ICMBio.

Canto Verde

Os direitos são encarados como uma oportunidade para manutenção do modo de vida destas comunidades. "Quem está dentro da Resex é reconhecido como povos tradicionais. Qualquer família cadastrada tem direito a um crédito de renda, que pode ser investido na pesca, na embarcação, ou em algo para a própria comunidade", ressalta Lindomar Lima, membro da Associação de Moradores da Prainha do Canto Verde.

A Resex foi instituída em junho de 2009 e possui área de cerca de 29 mil hectares. A comunidade tradicional vive, principalmente, da pesca artesanal e de atividades voltadas ao ecoturismo, um dos elementos que a coloca em destaque no cenário estadual. A reserva foi responsável pela elaboração da Rede Tucum, formada em 2008, a partir da articulação de oito municípios distribuídos pela faixa litoral.

O principal objetivo da parceria é fomentar o turismo comunitário a partir da valorização da cultura local. "A Prainha foi a primeira a desenvolver o turismo comunitário no Ceará. Nós temos uma rede de residência e, por isso, começamos a desenvolver o turismo trabalhando o próprio morador. O nosso diferencial é que o turista vai viver dentro da comunidade, conhecendo seu modo de vida", diz Lindomar.

Apesar de referência, ele acredita que faltam políticas públicas para incentivar a atividade. "Em 2013, iniciou-se uma discussão dentro do Ministério do Turismo para valorizar o turismo comunitário, mas isso nunca avançou".

Lindomar aponta que alguns dos direitos conquistados estão sob risco. "Existia o Bolsa Verde, que acabou com o atual governo. As famílias tinham direito ao benefício por preservar o meio ambiente. Está acontecendo um desmonte nas políticas públicas". A situação se agrava com as ameaças geradas a partir da especulação imobiliária. "Vivemos este conflito há 36 anos. No Batoque também existem conflitos neste sentido".

Camocim

Situação ainda mais complicada pode ser observada na Comunidade Pesqueira Marítima de Tatajuba, em Camocim. "Por volta de 2001, nossa associação entrou na Justiça com duas ações para garantir nosso direito ao território. Depois, nós entramos com uma ação no Governo Federal para nosso território ser reconhecido como uma Reserva Extrativista continental e marinha. A gente se reconhece como comunidade tradicional pesqueira, e a maior parte do território é Área de Preservação Permanente (APP)", lembra Angelaine Alves, uma das moradoras do local.

O pedido de reconhecimento, segundo ela, "não foi pra frente". Diante do desafio, a comunidade decidiu recorrer à esfera estadual. "Está com mais de cinco anos que viemos para o âmbito estadual. Montamos um grupo de trabalho, foi feito um estudo da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará com laudo positivo para criar a Reserva. Tem um estudo do Iphan identificando vários sítios arqueológicos, o que também ajuda no processo, mas até agora o Estado não assume, alega que não tem recursos de criar uma outra reserva", finaliza a moradora Angelaine Alves.

Em nota, a equipe técnica da Célula de Conservação de Diversidade Biológica (CEDIB), da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), informou que o processo dos demais pedidos de reconhecimento está em andamento e que “aguarda retorno das instituições convidadas para a constituição de grupo de trabalho interinstitucional e interdisciplinar visando o acompanhamento e realização de estudos complementares que subsidiarão o processo de criação da unidade de conservação (UC)”.

Ainda segundo o órgão, “não há definição de data para a finalização do processo” e nenhum outro pedido para criação de Resex está em tramitação na Secretaria.

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