Município dá exemplo de coleta seletiva

Escrito por Redação ,
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O meio ambiente faz parte da agenda da administração de Cruz. A coleta seletiva integra um dos programas

Cruz. O dia mal começou, mas os trabalhadores Marcelo Geraldo Silveira e Fábio Silveira Nascimento já estão a postos. Com uma carrocinha puxada por um jumento, fazem a varrição e o recolhimento de parte do lixo das principais ruas do município de Cruz, a 231km de Fortaleza. Peculiar para os visitantes, a situação nem chama mais a atenção dos moradores da cidade, uma das poucas no Estado a ter um sistema de coleta seletiva. O projeto vem sendo desenvolvido desde 2003. E conseguiu o principal: sensibilizar a população, pouco afeita a separar seus resíduos até então.

"O jumentinho da limpeza pública passa todo dia. A gente deixa num saco o que pode ser reciclado, ou deposita direto nos tambores (coletores especiais) colocados nas praças. O lixo comum fica em sacos e sacolas plásticas", descreve uma moradora, que prefere não ser identificada. Assim, os garis - mesmo sem equipamentos de proteção - recolhem PET, papel, papelão, plástico, ferro, aço e vidro. Cada casa que participa do projeto ganha um selo, para ser identificada pelos garis.

"A gente junta tudo na carroça. O que não serve vai para o lixão", conta Geraldo, funcionário da empresa que faz o trabalho de limpeza pública, hoje terceirizado. O lixão ainda é uma "mácula" nas boas práticas da cidade, como admite a professora Maria José Farias, educadora ambiental da Prefeitura. Assim, as ruas limpinhas e praças impecáveis, com coletores coloridos que chamam a atenção, escondem um destino final ainda inadequado para os resíduos.

Pela saúde

A iniciativa de coleta seletiva em Cruz começou na Secretaria Municipal de Saúde. Na época, em 2002, a cidade era detentora de índices alarmantes de mortalidade infantil. "Houve um trabalho de mobilização dos agentes de saúde, que visitavam as casas e perguntavam se a população estava interessada em participar da coleta seletiva", comenta Ricardo Leite, da coordenação de Meio Ambiente da Prefeitura. Em seguida, foi realizado um seminário sobre o destino do lixo, com a participação de lideranças comunitárias.

O projeto foi feito na base da experimentação, pois a Prefeitura tinha ideia mas não sabia como fazer a separação correta dos resíduos. "Compramos os tambores para separar o lixo úmido do seco e alugamos quatro galpões que se encheram de recicláveis. Não conhecíamos o mercado". Então, a administração convidou uma pessoa que estava fazendo a coleta seletiva em Jijoca para auxiliar em Cruz.

Em 2006, a coleta foi estendida aos distritos, num esforço da gestão de melhorar os indicadores sociais. Hoje, o serviço é terceirizado, prestado pela empresa Reciclagem Renascer. "Foi uma maneira de não parar. O recolhimento não paga a estrutura necessária", informa Maria José, acrescentando que a Prefeitura tentou passar a venda de material para uma cooperativa, mas não conseguiu reunir número suficiente de catadores. "O município também não encontrou recursos para montar um centro de triagem adequado", completa.

Apesar das dificuldades, a questão ambiental vem sendo tratada como prioridade da gestão. São quatro programas interligados: Agenda 21, Programa Verde, Programa de Educação Ambiental e Coleta Seletiva. "No primeiro, estamos implantando a A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública), promovendo a economia de recursos naturais como água, energia, papel, entre outros". Os papeis oriundos da coleta seletiva feita nos prédios oficiais vão para o Programa Verde e são reciclados nas escolas municipais. As garrafas PET recolhidas são utilizadas nas oficinas com pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). "Cada criança que nasce na cidade recebe uma muda de árvore, num vaso feito com PET pelos pacientes do Caps", conta Maria José. A Prefeitura quer implantar a primeira certificação ambiental do município, o Selo Escola Verde. "Temos um coordenador ambiental em cada uma das 24 escolas públicas. Eles são responsáveis por introduzir as discussões ambientais no dia a dia da comunidade".

Panorama nacional

O número de municípios brasileiros que operam programas de coleta seletiva aumentou pouco mais de 9%, entre 2008 e 2010, segundo a pesquisa Ciclosoft, realizada pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). São, hoje, 443 contra 405, há dois anos. Dos 443 municípios, apenas estão 45 no Nordeste. O envolvimento de prefeituras na coleta seletiva tende a crescer, na medida em que a população passa a cobrar dos governantes uma postura proativa em relação ao recolhimento e destinação dos resíduos sólidos. No entanto, é preciso cautela: desde o início da pesquisa, em 1994, essa foi a menor taxa de evolução.

"A desaceleração na expansão demonstra a limitação no envolvimento das prefeituras, sobretudo de municípios menores, e a necessidade de uma política federal que obrigue, normatize e cobre o avanço sustentável e consistente da coleta seletiva e da reciclagem no País", explica Victor Bicca, presidente do Cempre. "A Política Nacional de Resíduos Sólidos deverá dar novo fôlego ao sistema".

APOIO DAS ESCOLAS

Primeiros passos no Interior

Reriutaba e Piquet Carneiro. "A senhora já ouviu falar em coleta seletiva?" É assim que os dez agentes do meio ambiente de Reriutaba, no Norte do Estado, trabalham: de porta em porta, sensibilizando a população para a separação dos resíduos secos e úmidos. "Começamos a coleta seletiva no ano passado, em quatro bairros. É preciso, primeiro, um processo educativo", comenta a secretária do Meio Ambiente do município, Gislanny Oliveira.

A limpeza pública é terceirizada. A administração municipal capacita os garis, o acompanhamento e a acomodação do material reciclável. "O grosso é vendido a um deposeiro de Varjota. Parte do que é recolhido é doado para artesãos. Com o óleo de cozinha, fazemos sabão ecológico. As garrafas PET viram vassouras".

Já em Piquet Carneiro, no Sertão Central, o projeto Cidade Limpa e Sustentável também ensaia fazer coleta seletiva. A Secretaria do Meio Ambiente também tem parceria com jovens das escolas e até conseguiu resgatar do lixão o "seu" Antônio de Freitas, hoje agente ambiental, que recolhe o material reciclável e troca por gêneros alimentícios e itens de limpeza, na venda mantida pela administração pública. (SC)

Samira de Castro
Repórter