Mais de um ciclista morre atropelado por mês no Ceará

O alto número é reflexo de outra preocupante estatística: apenas 32 dos 184 municípios cearenses contam com ciclovias ou ciclofaixas. A ausência deste equipamento reflete na insegurança de quem utiliza a bicicleta no Estado

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br

Tirar a bicicleta de casa e colocá-la na rua nem sempre sugere o início de um ato prazeroso. Em muitos casos é preciso coragem para dividir um espaço que, embora não devesse ser, é polarizado pelos automóveis. A tranquilidade em pedalar, então, cede lugar à apreensão. Isso porque, no Ceará, apenas 32 dos 184 municípios dispõem de ciclovias ou ciclofaixas, conforme levantamento realizado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares junto à Superintendência de Obras Públicas do Estado (SOP).

Esse diminuto número acaba revelando outra grave estatística. Ao longo dos últimos seis anos, mais de um ciclista morreu atropelado a cada mês em território cearense. Conforme dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF-CE), até outubro deste ano, 12 ciclistas foram atropelados e mortos no Estado. Em 2018, foram 13 mortes. Os anos de 2015 e 2016 figuram com os maiores quantitativos de óbitos dos últimos seis anos: 15 em cada um deles.

Lacuna

Esses indicadores denunciam a ausência de políticas públicas adequadas no tocante à mobilidade urbana, principalmente quando voltamos o olhar para as cidades interioranas, sejam elas de pequeno ou médio porte. É neste universo onde há a maior lacuna de equipamentos que garantam segurança ao ciclista. Essa carência custou a amputação da perna esquerda do ciclista Bruno Paiva Oliveira. O dia 14 de agosto de 2015 se aproximava do fim quando um carro, em alta velocidade, atropelou o jovem que seguia para casa de bicicleta, após um dia de trabalho. Os quatro dias posteriores ao acidente foram vividos na sala de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

A alta médica veio no dia 18 daquele fatídico mês. No entanto, Bruninho, como é conhecido, saíra do hospital sem uma das pernas. A volta para casa, em Massapê, foi reflexiva. "Foi um baque. A única pergunta que eu fazia era 'Por que comigo?', não entendia, não conseguia assimilar os fatos", rememora. Sua cidade natal, onde ocorrera o acidente, é uma das que não dispõe de ciclovias ou ciclofaixas.

Já o então aposentado Elisário Soares Pereira, de 70 anos, não teve a mesma sorte e morreu ao ser atropelado por um motociclista, no último dia 10 de agosto, na Avenida Perimetral, em Iguatu, na região Centro-Sul do Estado.

"Ele era acostumado, sempre usou bicicleta desde jovem para ir para o centro da cidade, para a casa de um amigo ou parente em outro bairro", detalhou o João Vieira, vizinho da vítima. A morte de Elisário engrossou a dura e assustadora estática. De 2014 até outubro deste ano, a PFR contabilizou 82 ciclistas atropelados e mortos no Ceará.

Resoluções

Estes acidentes ocorreram em locais que não dispunham de ciclovias ou ciclofaixas. Para o ciclista Paulo Gustavo Justiano, a implantação e ampliação destes locais iriam ampliar "o espaço de segurança para quem ainda utiliza as bicicletas, seja por lazer ou como efetivamente meio de transporte". O pensamento do icoense que utiliza a bicicleta todos os dias para trabalhar é referendado por uma pesquisa realizada pelas Universidades do Colorado e do Novo México, ambas nos Estados Unidos. Os estudiosos chegaram à conclusão, após 13 anos de análises, que as bicicletas atuam como mecanismos "calmantes" no trânsito, reduzindo a velocidade dos carros e, consequentemente, as fatalidades nas vias.

Para o professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Ângelo Azevedo, em cidades de médio a grande porte, isto é, com mais de 60 mil habitantes, a malha viária destinada aos ciclistas deveria ser melhor coberta. No entanto, a realidade anda distante do ideal. Das 26 cidades cearenses com mais de 60 mil habitantes, apenas a metade conta com o equipamento. "É uma sensação estranha. A gente sai de casa, mas não sabe como volta e se volta. O perigo, hoje, é muito grande. Essa é uma constatação difícil de ser feita pois nós amamos pedalar, mas é a realidade", observa o bancário Hugo Oliveira. Ele reside na cidade de Russas, que conta com mais de 78 mil habitantes, mas não possui ciclovia ou ciclofaixas.

Educação

Azevedo pondera que embora seja "importante", a instalação de ciclovias e ciclofaixas não resolveriam, sozinhas, a insegurança para os ciclistas. Ele avalia que um trânsito seguro passa, primeiro, por uma mudança comportamental. Mário pondera que "de nada adianta termos ciclovias ou ciclofaixas sem saber como se portar diante dela". O especialista pontua que esses espaços destinados exclusivamente para ciclistas até geram uma sensação de segurança e findam incentivam o uso deste modal, mas diz "que a solução a longo prazo é investir na educação do trânsito".

Ângelo acredita que em um cenário ideal não deveria existir separação entre os diferentes tipos de meios de transporte, e sim "uma convivência harmônica entre eles, sempre com o maior respeitando o menor, seja em qual espaço ele esteja ocupando na via".