História marcada por perseguição e injustiças

Escrito por Redação ,
Legenda: Padre Cícero teve que prestar esclarecimentos perante o Tribunal do Santo Ofício, em Roma, onde se defendeu das acusações
Foto: Reprodução
Quase obsessivamente, cúpula da Igreja Católica no Ceará, na transição do século XIX para o século XX, acabou, inescrupulosamente e até caluniosamente, influenciando o Vaticano em decisões equivocadas, manipuladas e injustas contra Padre Cícero. Convocado pelo Vaticano em janeiro de 1898, ele teve que viajar até Roma, onde foi se defender das acusações diante da Sagrada Congregação do Santo Ofício. Para isso, contou com ajuda financeira de amigos no Recife.

Curiosamente, o mesmo bispo dom Joaquim, que antes do fato inusitado no Juazeiro, com larga repercussão em todo o Nordeste, havia definido Padre Cícero como “sacerdote inteligente, modesto, virtuoso, ilustrado e zeloso”, passou a ser o seu maior algoz. Quanto maior a popularidade do Padre Cícero por causa do fenômeno do Juazeiro, atraindo multidões de sertanejos, maiores as pressões e as imputações do bispo.

Para dom Joaquim, tornou-se muito difícil ser a autoridade máxima da Igreja Católica no Ceará e ter muito menos prestígio, infinitamente menos, do que o modesto pároco do Juazeiro. Mas o novo foco do bispo estava errado ao imaginar o propalado milagre como origem e motivação da força popular do Padre Cícero.

Apostolado

Em sua História do Fanatismo Religioso no Ceará, Abelardo Montenegro esclarece: “simples, bonacheirão, desprendido, de costumes austeros, praticando diariamente a verdadeira caridade cristã, exercendo infatigavelmente seu apostolado à custo de ingentes sacrifícios, Padre Cícero constituiu-se algo diferente na paisagem social e religiosa do sul-cearense, contrastando, de modo flagrante, com outros sacerdotes que viviam patriarcalmente, alguns deles em mau cheiro de mancebia”.

Aos olhos do incomodado bispo do Ceará, no entanto, Padre Cícero não era visto, assim, autêntico servo da Igreja. Caprichoso, vaidoso e orgulhoso, dom Joaquim não aceitou o relatório da primeira comissão de inquérito que ele formou para avaliar o anunciado e comentado Milagre em Juazeiro.

Pelo contrário, mostrou-se indignado e providenciou uma segunda comissão à qual encomendou um outro relatório que apareceu, sob medida, condenando o Padre Cícero, exatamente o que foi enviado para Roma. “Fizeram-me como se fez com Joana D´Arc, um processo para resultado condenatório”, diria depois, resignado, o sacerdote injustiçado, vítima do autoritarismo.

Mais: Como o ameaçador Dionísio e sua terrível espada sobre a cabeça de Dâmocles, dom Joaquim Vieira perseguiu, ostensível, os padres da comissão que sustentavam terem, durante as investigações e coleta de provas, testemunhado “maravilhas divinas” no Juazeiro do Norte.

Conta a escritora Amália Xavier de Olieria em “O Padre Cícero que eu conheci”: “No dia 7 de julho de 1889, domingo do precioso sangue, o monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, do púlpito da capela de Nossa Senhora das Dores, do Juazeiro, divulgou, oficialmente, perante mais de três mil pessoas, os fatos extraordinários que se passavam ali, afirmando que o sangue verificado por todos naquelas toalhas por ele apresentadas, era o próprio sangue de Jesus Cristo, arrancando, dos presentes, copiosas lágrimas”.

Padre Cícero, segundo a mesma autora, quase morreu de contrariedade, consciente da gravidade daquele depoimento intempestivo e do possível julgamento do bispo diocesano. Estava certo. Foi tamanha a pressão de dom Joaquim sobre o monsenhor Francisco Monteiro, secretário da primeira comissão de inquérito, que este se viu forçado ao constrangimento de renegar o fato.