Fátima e Aparecida são os títulos de Nossa Senhora com mais fiéis

Segundo pesquisa do Instituto Opnus, as duas santas ficam atrás somente de São Francisco em número de católicos devotos no Ceará. Seguidores acreditam na intercessão da mãe de Jesus como caminho para alcançar graças

Escrito por Nicolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

Legenda: No Santuário de Fátima, em Fortaleza, a movimentação é intensa, sobretudo nos dias 13

O problema de Francelourdes Silva era no menisco. A estrutura fibrocartilaginosa amortece as forças aplicadas ao joelho durante o movimento, e sua ruptura está entre as lesões mais comuns da articulação. Aos 46 anos, a mulher sofria com dores. O tormento só passou em 2016, crê ela, por intercessão direta de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

"Ela (imagem) veio visitar a nossa Paróquia, e, durante a missa, uma colega minha colocou a mão em Nossa Senhora e depois passou no meu joelho, dizendo: 'France, você vai ficar boa. Aparecida vai lhe curar'. E de fato, nunca mais senti nada", revela a dona de casa. De lá para cá, assumiu a missão de divulgar seu milagre pessoal e explicar o poder de Aparecida a outros fiéis.

>Pesquisa revela as crenças religiosas dos cearenses

Considerando que, em casa, a imagem da santa não recebia a atenção merecida, levou-a à sede da Pastoral do Batismo da qual participa, onde hoje a intercessora tem a devida reverência, acredita, ao participar de reuniões e círculos de oração. Há décadas, Aparecida também se manifestou na vida da aposentada Julieta Barbosa, 70.

Com um ano e seis meses, o filho dela teve o tímpano perfurado durante procedimento médico e corria o risco de perder a audição. Desesperada, a mãe dobrou os joelhos e, por intermédio da "mãe negra", como carinhosamente chama Aparecida, o menino não teve qualquer sequela - "dor de ouvido nunca mais sentiu". Após a graça conquistada, Julieta dedica parte da vida ao serviço na Paróquia com o nome da santa, no Montese.

Foi numa das visitas da imagem do Santuário Nacional Aparecida do Norte a Fortaleza que ela teve uma das experiências mais fortes na devoção. "Cuidei de todo o evento, do translado às celebrações. Foi muito puxado. No dia do encerramento, eu estava cantando quando olhei e senti como se ela estivesse virando para mim. Soltei o microfone para segurar, mas ela estava firme", relata com os olhos nublados de lágrimas.

Pesquisa

De acordo com a pesquisa "Religiosidade no Ceará", realizada pelo Instituto Opnus, Nossa Senhora Aparecida é reverenciada por 9% dos católicos cearenses, a maioria nas regiões Centro-Sul (13%), Jaguaribe (11%) e Litoral Leste (11%). Já Nossa Senhora de Fátima é seguida por 10% dos religiosos do Estado, sendo a principal santa de devoção de 12% dos fortalezenses.

As duas representações de Maria, mãe de Jesus, estão em terceiro e segundo lugar, respectivamente, no ranking de devoção do cearense, conforme a pesquisa do Instituto Opnus. Em primeiro lugar está São Francisco.

Janela do Céu

Fátima é outro título de Maria evocado nas orações de Francelourdes - "tomara que Ela escute e possa me ajudar" - e da estudante de Administração Gabrielle Lima, 21, que atribui à santa seu processo de conversão, iniciado há nove anos numa comunidade católica do bairro de Fátima.

"Uma das coisas que Deus me falou, através de outras pessoas, é que a Virgem de Fátima me amava", emociona-se ao lembrar.

Hoje consagrada à santa, ato mais simbólico na devoção mariana, Gabrielle reza o terço todos os dias e fala espontaneamente com Ela, além de utilizar terço, anel e medalhas em referência à santa, ou "janelas para o Céu", como ela prefere chamar esses objetos. "Ela é santa. Seríamos infelizes se não a amássemos como Jesus amou", enfatiza Gabrielle.

O carinho por Fátima também é nutrido por Lúcia Albano, 65. Embora afirme não fazer promessas, ela pedia as bênçãos da santa sobre algumas caixas de remédios, na manhã da última terça, no Santuário da 13 de Maio.

"Todos sabem que a mãe de Deus é milagrosa. Eu ainda não senti aquele momento forte, porque deve ter o tempo certo pra receber uma graça, uma época boa para acontecer. Mas eu tenho muita fé nela", conversa com a voz firme. "E no Sagrado Coração de Jesus", emenda.

Segundo o padre Carlos Tamboril, pároco do Santuário de Aparecida no Montese, a origem dessa fé na Virgem está no apego das pessoas à figura materna. "Nós nos sentimos mais próximos de Jesus à medida que amamos sua mãe. Além disso, Ela é a mulher que representa como deve ser o 'sim' do cristão a uma vida simples, de adesão verdadeira, despojada de tudo para que Deus faça sua obra", justifica o religioso sobre toda essa devoção às figuras marianas.

Valorização

Na leitura de Christian Dennys, coordenador do Laboratório de Estudos Geoeducacionais e Espaços Simbólicos da Universidade Federal do Ceará (Leges/UFC), nos últimos dois séculos, a emergência de direitos humanos e civis, conquistas feministas, nova ordem nas famílias e ameaças à natureza "culminaram com uma valorização divina de Maria Mãe de Deus, potencializando um novo status à mística mariana no interior do Cristianismo e auxiliando a mediação entre outras diversas crenças".

O pesquisador entende que festividades, novenas, missas e outros eventos que ocupam espaços sociais e urbanos e adentram os meios virtuais atualizam o poder mariano na comunicação cristã-católica. "Qualquer tentativa de uma teologia cristã que ouse pensar um cristianismo católico sem Maria será rechaçada, como se tratasse da mais herege das religiões. Maria renova o Cristianismo, mediante uma ancestralidade muito bem articulada ao contexto simbólico do século XXI", pontua. 

Legenda: Julieta Barbosa, 70 anos, é devota da "mãe negra". Ela confirma que recebeu um milagre da padroeira do Brasil
Foto: Fotos: Natinho Rodrigues

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