Entrevista com o pesquisador Xavier Augusseau

Diante da escassez hídrica, Semiárido cearense carece de políticas públicas adequadas. Numa tentativa de equacionar esse problema, estudiosos internacionais analisam novas abordagens no Sertão

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Xavier realiza pesquisas nos semiáridos do Brasil e da África há quase duas décadas
Foto: FOTO: Juliana Lima

O ano de 2019 serviu para acentuar, ainda mais, os desafios para a garantia hídrica de milhares de pessoas no território cearense. Mesmo diante de uma boa quadra chuvosa, com pluviometria quase 5% acima da média histórica para o ano (800.6 milímetros), parte dos sertanejos ainda não sentiu melhoria seja no abastecimento ou no plantio. As razões para isso são variadas conforme especialistas.

Eles apontam que, além de as chuvas serem irregulares, isto é, ocorrem com força em uma determinada região e com baixa intensidade em outra, as políticas públicas de enfrentamento à seca ainda não são tão eficientes.

O diretor adjunto da Unidade Mista de Pesquisa Tetis Cirad, em Montpellier, na França, Xavier Augusseau, realiza pesquisas nos semiáridos brasileiro e africano há duas décadas. Ele avalia o atual cenário do Sertão cearense e aborda questões como construção de açudes e poços como medidas auxiliadoras no abastecimento de comunidades afetadas com a estiagem.

O senhor acompanha estudos sobre o Semiárido há quase 20 anos. Seu roteiro agora inclui o Ceará. Qual a motivação?

O principal motivo é descobrir um novo contexto, construir novas parcerias com instituições do Ceará que estão comprometidas em resolver problemas relacionados à seca na perspectiva de que as abordagens e ferramentas que estamos desenvolvendo na França e em outros lugares podem ser mobilizadas e contribuir para enfrentar os desafios do Estado.

As secas podem estar relacionadas a um problema das mudanças climáticas, mas também a um problema do uso antrópico dos recursos.

Com a nossa abordagem, buscamos estudar os fatores humanos e sociais que influenciam a disponibilidade e os usos dos recursos hídricos e da terra. Mais precisamente, busco entender as adaptações das sociedades às mudanças climáticas assim como as humanas e sociais.

Quais observações conseguiu fazer durante as visitas de campo no Semiárido cearense?

Compartilho minhas observações com o colega de pesquisa Stefano Farolfi. Entendemos que a realidade de uma longa sequência de anos de seca tem provocado dinâmicas de mudanças nos sistemas agrícolas, como o desenvolvimento da produção leiteira ao longo das áreas aluviais e a diminuição da agricultura de sequeiro. Além disso, eu observei os impactos positivos dos investimentos em infraestruturas hídricas e também de assistência social (Bolsa Família) que ajudaram a manter as populações e evitar conflitos sociais neste período de crise. Por fim, também identifiquei os enormes investimentos, em termos de organização e infraestrutura, e especialmente o custo financeiro que o Estado concede para satisfazer as necessidades de água das suas populações.

Os recursos financeiros gastos estão sendo aplicados de forma correta?

É preciso uma análise econômica dos custos e benefícios completos, incluindo as externalidades, dos investimentos realizados e previstos.

Considerando sua área de estudo, quais os novos projetos que podem surgir da observação realizada com pesquisadores no interior do Estado?

Na minha opinião, o projeto mais empolgante e promissor seria o desenho e implementação de um sistema de inteligência territorial que pudesse contribuir para melhor gestão dos recursos hídricos para antecipar a evolução dos usos da água (urbanos e agrícolas) e articular adequadamente as diferentes estruturas organizacionais em que se desenvolve sua gestão.

Com expertise em áreas da África, que ideias de fora do País podem, na sua visão, ser aplicadas no Ceará?

Abordagens para a coconstrução de observatórios territoriais que mobilizem uma rede de atores e instituições locais para gerir e antecipar não só os recursos hídricos, mas também as atividades que consomem água ou têm impacto nos recursos hídricos.

Também é preciso reforçar a rede das instituições e das associações pela realização de uma política integrada dos recursos em nível local. Pois uma política que seja durável e sustentável precisa de uma abordagem 'bottom-up' (gestão colaborativa) e esta pode ser feita com métodos de participação que já foram aplicados pelas nossas equipes na África e em outras partes do mundo.

Atualmente, entre as políticas públicas do Ceará, estão a construção de poços e implantação de adutoras rápidas. O senhor considera soluções adequadas para garantir acesso hídrico a comunidades que lidam com longos períodos de escassez? Que estratégias considera mais viáveis?

Sim, mas na condição de que tudo isto seja gerido com cuidado. Podemos ver hoje que as reservas de água estão à beira do colapso no Sertão Central e que as margens para manobra são muito limitadas. Por isso é necessário conhecer o consumo das diferentes utilizações da água e, em particular, da agricultura irrigada para gerir eficazmente um recurso escasso e encontrar compromissos. Tudo isto exige um investimento para a monitorização e controle de todas as utilizações da água.

Legenda: Diante da estiagem, a construção de poços e cisternas cresceu no interior do Estado
Foto: Foto: Juliana Lima

A água subterrânea poderia ser uma boa aposta?

Ela é uma fonte importante de abastecimento pela agricultura e pelos usos domésticos. Mas o seu uso tem que ser baseado sobre uma consciência da disponibilidade, das taxas de recarga do aquífero. Um uso errado e a falta de gestão integrada determinam uma degradação dos recursos a longo prazo e conflitos entre usuários.

O uso da água dos reservatórios precisa ser melhor disciplinado. Há várias atividades produtivas que dependem 100% de água. Que fatores devem ser observados nessa utilização? Na sua opinião, como um Estado pode colaborar para o desenvolvimento da economia local, sem deixar faltar água nas comunidades mais pobres, por exemplo?

Acho que a experiência das associações do Sisar (Sistema Integrado de Saneamento Rural), por exemplo, é muito interessante e positiva. Aquele modelo poderia se repetir e inspirar novas experiências para que as comunidades possam se organizar para desenvolver atividades produtivas e econômicas que devem ser baseadas na organização coletiva. Isso requer habilidades e é necessário que o Estado invista massivamente na capacitação das pessoas.

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