Emissão da Certidão de Nascimento dentro do prazo ainda é desafio

Embora os números de sub-registros tenham apresentado decréscimo, o quantitativo ainda é considerado alto. Em 2017, último levantamento do IBGE, foram identificados 4.746 sub-registros no Ceará

Escrito por Redação , regiao@verdesmares.com.br

O direito fundamental de ser cidadão perante a Lei ainda é considerado um sonho em municípios do interior do Estado. Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificaram 4.746 sub-registros no Ceará, isto é, quando a Certidão de Nascimento não é feita no próprio ano ou no 1º trimestre do ano subsequente ao nascimento. Porém, o número pode ser ainda maior. A realidade é ainda mais dura em municípios do Interior, que não contam com a estrutura necessária para realizar os registros no tempo certo.

O que acontece com a maioria dos brasileiros ainda criança, quando os primeiros documentos são assinados, para dona Maria Angelina dos Santos demorou quase sete décadas. Somente aos 66 anos ela recebeu a Certidão de Nascimento. Em Juazeiro do Norte, onde Angelina reside, outras pessoas estão em igual situação. O último levantamento do IBGE revela que, no Município, 132 pessoas receberam o primeiro documento fora do prazo determinado pela Justiça - é o segundo maior número de sub-registros no interior cearense, ficando atrás, apenas, de Canindé, que somou 387 sub-registros no ano pesquisado. Para o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, Demétrio Saker, a “falta de conhecimento por parte da população da importância do registro e de sua gratuidade causa a situação”.

O juiz aponta, ainda, que “a distância do domicílio ao cartório e a falta de iniciativa dos pais” são alguns dos fatores que “contribuem para a existência do sub-registro de nascimento no interior”. Segundo o IBGE, o Ceará possui 512 cartórios responsáveis por suprir esta demanda, sendo que, destes, 52 estão paralisados. 

Marcas na vida

A falta da documentação impossibilita, entre outras coisas, o Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, que permite o recebimento de diversos benefícios sociais, matrícula em instituições de ensino, acesso ao mercado de trabalho e recebimento de benefícios previdenciários. O primeiro documento é imprescindível, ainda, para emissão de Cadastro de Pessoa Física (CPF), Carteira de Identidade ou Registro Geral (RG) e Cartão de Vacinação.

No caso de dona Angelina, por conta da morte dos pais adotivos, os primeiros documentos não foram retirados, dentre eles, a Certidão de Nascimento. Passando parte da vida na rua, a idosa não sabe ler nem escrever e sentiu na pele os impactos da lacuna deixada por não ser registrada. Atualmente morando em Juazeiro do Norte, chegou a ficar sem água por falta da titularidade na conta, o que só pode ser feito com Certidão de Nascimento em mãos.

Cícera Idelma, amiga de dona Angelina, foi a responsável por levá-la ao Cartório Pariz. O tabelião Maxwell Pariz, que fez o registro, explica que ela procurou o local no mês de agosto, contou sua história e o desejo de ser reconhecida como cidadã. “Quando ela veio conversamos durante duas horas. Depois de levantar todas as informações (que durou quase um mês), nós fizemos o registro de nascimento”, descreve. 

Maxwell explica que precisou conversar com outros órgãos do Município, colheu informações adicionais e, no dia 11 de setembro, conseguiu emitir a Certidão. Então, de posse do primeiro documento, a idosa decidiu dar mais alguns passos: já conseguiu retirar a Carteira de Identidade, Título de Eleitor e a Carteira de Trabalho.

Espera prolongada

Diante do mesmo problema, mas, longe da solução, a família de Maria da Paz da Silva, 53, sofre até hoje com a falta de documentos. O sub-registro é realidade de três dos seus oito filhos. Vivendo no distrito de Jaibaras, em Sobral, que somou 48 sub-registros no último levantamento do IBGE, Antônio Carlos, 22, Emanoel Messias, 19, e Antônia Sheila da Silva, 15, permanecem anônimos aos registros oficiais. Os únicos documentos que eles possuem são cartão de vacinação e certidão de batismo.

A filha mais velha, Carla da Silva, 32, porta-voz dos irmãos, lamenta a situação. “Minha mãe se descuidou e não fez os registros desses meninos. Agora, o juiz mandou ofícios para os hospitais mas eles não mandaram a resposta até agora”. Ela lembra, ainda, que a falta da documentação afetou também os sobrinhos. “Dos meus irmãos que já são pais nenhum registrou os filhos por não ter documento”, lamenta.

Carla conta, também, que a irmã, de 15 anos, Sheila da Silva, ficou seis meses longe da escola por conta da situação. “Ela estudava só com o cartão de vacina, mas, quando passou para o 9º ano, que foi para o colégio estadual, não aceitaram mais. Aí, um novo diretor entrou na escola, me chamou e disse que ela não podia ficar fora da escola. Minha mãe teve que assinar um termo de compromisso até ela ser registrada”, diz a irmã mais velha. O processo caminha na Justiça há quase dois anos. 

Cartórios

Com o intuito de erradicar os sub-registros, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) implantou o Programa de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento, que emite a Certidão de Nascimento nos estabelecimentos de saúde que realizam partos. O Programa utiliza o sistema informatizado interligado entre as maternidades e os cartórios de registro civil para que os recém-nascidos recebam alta hospitalar já com a certidão.

Na Capital cearense, 10 cartórios possuem unidades interligadas em todas as maternidades públicas e privadas. Já no interior, por ausência de pessoal e estrutura física, nem todas as instalações foram feitas. Nos casos em que não há estas unidades, os profissionais das localidades ou zonas onde existe maternidade integrante do Sistema Único de Saúde precisam se deslocar diariamente aos locais para recolher as declarações de nascidos vivos.

Após isso, as certidões são lavradas nos respectivos cartórios e entregues aos pais no prazo máximo de 24 horas, a contar da entrega ao oficial ou da Declaração de Nascidos Vivos (DNV). Segundo a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará ainda é possível firmar convênios entre a maternidade/hospital e os cartórios que fazem o registro. O intuito é garantir que o documento seja emitido antes do recém-nascido sair do hospital.

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