Declínio da produção de rapadura faz CE ser abastecido por PE

De acordo com o IBGE, em 2017, o Ceará produziu 3.275 toneladas de rapadura, em 342 estabelecimentos. Em 2006, a produção era de 5.511 toneladas em 767 engenhos. Queda de 40,57% na produção e de 55.4% nas unidades produtoras

Escrito por Antonio Rodrigues/Honório Barbosa , regiao@svm.com.br
Legenda: Engenhos tradicionais tentam se manter ativos diante do declínio da produção de rapadura no interior do Ceará
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

Com os nomes "Rapadura Cariri" e "Rapadura Padre Cícero", o cliente fiel deste doce muito consumido no Nordeste certamente vai pensar que ele foi fabricado em Barbalha, no Sul do Ceará. Na verdade, como consta nos rótulos, o produto vem da cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco. 

Apelidada de "Terra dos Verdes Canaviais", Barbalha, ao lado do Crato, já foi um dos grandes produtores de cana-de-açúcar da região, mas o setor vem perdendo força. O declínio alcança outros dois polos que se destacaram ao longo do século passado na produção de rapadura: a Serra da Ibiapaba (São Benedito, Tianguá, Ubajara) e o Litoral Leste (Cascavel e Pindoretama).

Esses núcleos tradicionais de cultivo de cana-de-açúcar e também áreas isoladas enfrentam o abandono da atividade. Em 11 anos, 425 engenhos fecharam no Estado. Segundo o Censo do IBGE de 2017- dado mais recente sobre esta produção -, o Ceará produziu naquele ano 3.275 toneladas de rapadura, em 342 engenhos. Isto representa 40,57% menos de que em 2006, quando foram produzidas 5.511 toneladas em 767 engenhos.

As explicações para a redução são comuns entre os produtores e técnicos do setor: inviabilidade econômica mediante o custo de produção, exigências legais trabalhistas na contratação de mão de obra e queda do consumo.

Para driblar a crise que o setor enfrenta, muitos produtores passaram a adicionar açúcar ao produto, passando a ter uma produção mista e indesejável para quem quer consumir rapadura pura do caldo da cana.

Comércio

No período de romarias, em Juazeiro do Norte, a venda da rapadura triplica. Dezenas de caminhões saem de Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco, para abastecer o mercado do Cariri. O comerciante Valdeci Bezerra da Silva vende rapadura no Centro de Juazeiro desde 1974. "Os romeiros faziam fila para comprar", recorda. "Eu comprava duas mil unidades por semana, de Barbalha, e era um produto bom e puro, mas agora só compro 50".

Os caminhões vêm de Santa Cruz da Baixa Verde e vendem aos romeiros no entorno da Basílica de Nossa Senhora das Dores, concorrendo com os comerciantes tradicionais. "Os motoristas passaram a ser vendedores", pontuou Valdeci Bezerra.

Juazeiro é um grande polo comercial, sendo referência para cidades do Pernambuco, Piauí e Paraíba. Vendedores e atravessadores fazem esta 'ponte' entre engenhos de Santa Cruz da Baixa Verde e a terra do Padre Cícero.

O motorista Alex de Lima aproveita a viagem quase diária para Juazeiro e leva de 10 a 12 fardos de rapadura para abastecer o comércio local, algo em torno de 10 a 20 quilos. Cada um entre R$ 55 a R$ 60. "É pouco. Não pode levar muito porque já trago coisa de lá. É mais para complementar a renda", explica. Por outro lado, ele conta que há carretas que transportam até 6 mil quilos do produto para o Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia. "E vendem tudo", enfatiza. O doce é fabricado em 12 grandes engenhos de Santa Cruz da Baixa Verde.

O vendedor Sebastião Firmino dos Santos traz do Sertão do Pajeú (Santa Cruz da Baixa Verde e Triunfo) até Juazeiro, mais de duas toneladas do doce durante as romarias. "O romeiro compra para consumo próprio e ainda leva para suas famílias", contou.

Decadência

Por quase três séculos, a economia açucareira foi hegemônica no sul do Ceará. Até a década de 1970, havia centenas de engenhos em Barbalha. Hoje, apenas cinco funcionam no Município, duas vezes por semana. Em 2006, eram nove unidades produtoras.

Entre 2002 e 2012, 13 engenhos fecharam as portas em Barbalha, segundo José Garcia, um dos produtores que abandonaram a cana-de-açúcar e passaram a produzir banana. "O comércio diminuiu muito, e os custos aumentaram", justificou.

A economista Denize Paixão aponta que a decadência dos engenhos está associada à dificuldade de comercialização, baixa lucratividade, evasão de mão de obra, falta de recursos, além das exigências do Ministério do Trabalho, como a regularização de funcionários, melhoramento nas unidades produtivas e das condições de trabalho. "Houve aumento na fiscalização, principalmente na penúltima década", acrescenta.

Serra da Ibiapaba

O Censo Agropecuário do IBGE em 2017 aponta que São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa formam o maior polo produtor de rapadura do Ceará, hoje. Ainda assim, houve queda significativa na produção e no número de engenhos.

Nos quatro municípios da Região da Ibiapaba funcionavam, em 2006, 339 engenhos, que produziram 2.335 toneladas. Em 2017, havia em atividade apenas 136 unidades e foram fabricadas 1.225 toneladas de rapadura. No período, a produção caiu cerca de 52%.

"A produção vem caindo em toda a região", lamentou o secretário de Agricultura de Ubajara, Eriberto Santana. "É preciso haver incentivo para a retomada da cana-de-açúcar e da produção de rapadura".

O gerente regional da Ematerce em Tianguá, Cícero Pereira, analisa que dois fatores contribuíram para o abandono da atividade na Ibiapaba: "Preço da rapadura que mal cobre os custos de produção e a baixa produtividade da cana-de-açúcar, sem renovação de variedade", explica.

Pindoretama

A cidade de Pindoretama, no Litoral Leste, orgulha-se de produzir 'a maior rapadura do mundo' e promove, todo mês de julho, o Festival da Cana-de-Açúcar. Engenhos e lojas, às margens da CE 020, vendem o produto em vários tamanhos e com sabores diferenciados de frutas.

De acordo com a Secretaria de Turismo de Pindoretama, há 29 engenhos, mas só 18 estão ativos. A produção é de 3.000kg por dia. O doce em tijolinho, de 200 gramas, é vendido por R$ 2. O fardo, com 25kg, custa R$ 38. São 94 empregos diretos.

"A atividade está em declínio por falta de matéria-prima, mão de obra qualificada (os mestres de engenho que sabem dar o ponto do caldo no tacho), e queda na comercialização do produto", observou o secretário de Turismo, Alisson Freitas.

A produção é vendida para redes de supermercados de Fortaleza, para comerciantes de cidades do Sertão Central e para Russas, na região Jaguaribana, e ainda para Mossoró, no Rio Grande do Norte.