Costumes e tradições da Semana Santa permanecem vivos no interior

Penitentes, caretas, jejum, véu quaresmal. São inúmeros os costumes inerentes à Semana Santa, período em que o católico celebra a morte e ressurreição de Jesus Cristo. No sertão, grupos preservam essa memória

Escrito por Honório Barbosa e Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: Os penitentes são homens simples e abnegados. Identificam-se com crendices populares e dogmas religiosos
Foto: FOTO: ANTONIO RODRIGUES

Nesta época do ano em que os católicos celebram a Semana Santa, a religiosidade popular expressa seus ritos seculares. No sertão cearense, grupos de penitentes e de caretas circulam por ruas das cidades e por estradas de localidades rurais, mantendo viva a tradição e a cultura do lugar.

Enquanto a chuva renova a paisagem do interior, os sertanejos afloram a fé com as manifestações folclóricas e de religiosidade popular. Em Cedro, grupos de penitentes realizam caminhadas nos sítios rezando, cantando benditos e pedindo esmolas. Um deles, formado por 12 agricultores, percorre estradas de sítios e vilas rurais. Por onde passam o silêncio da noite é quebrado por rezas e cantos de benditos. Vestidos com 'opa', uma espécie de bata, com cruzes, em estilo de roupa medieval e na mão portando "cacho" (chicote com lâminas de ferro afiadas), os penitentes cumprem a tradição que chegou ao Cariri cearense em 1850 e se espalhou por regiões vizinhas.

Antônio Cipriano, que é decurião, isto é, o líder do grupo, diz que se esforça para manter vivo o ritual. "O que nós fazemos é penitência, tradição e obrigação", explicou. "Jesus sofreu por nossos pecados e nós rezamos para não cair em tentação".

Os penitentes são homens simples e abnegados, que mantêm a tradição. Identificam-se com crendices populares e dogmas religiosos. O ritual é próprio, e os benditos são cantados em voz alta, misturando agudos e graves, que ecoam nas estradas e casas do sertão nordestino noite adentro. Em frente às casas, o grupo canta e reza até que saia um morador para doar uma esmola. Às vezes, são convidados pelo dono da casa a entrar e rezar, abençoando o lar, a família, como forma de agradecimento ou para expressar pedido por graças.

Caretas

Outra tradição mantida na região são os grupos de caretas. Em Iguatu, há forte expressão que tem raiz no sítio Tipis. Em Cariús, o costume é mantido na localidade de Caipu e em outros sítios. No município de Umari, há um núcleo animado no sítio Logradouro. Outra cidade que mantém a tradição popular é Quixelô.

Os caretas são grupos de brincantes que saem às ruas e estradas nessa época do ano em busca de donativos para a tradicional brincadeira de malhação do judas, na noite de Sábado de Aleluia para o Domingo de Páscoa, quando os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus Cristo.

Ao som de sanfona, zabumba e triângulo, os caretas percorrem ruas da cidade e localidades rurais. No sítio Logradouro, em Umari, o mestre Geraldo Ferreira de Araújo lembra que a tradição foi herdada dos pais e avós. "Hoje, é mantida pelos jovens", observou. "Os donativos são distribuídos para famílias carentes e servem para a brincadeira do sítio na malhação do judas". Eles usam máscaras, saiotes, paletós, camisas de mangas compridas e alguns calçam botas. A regra é fazer muito barulho e não ser identificado.

Renúncias

O Código de Direito Canônico diz que todas as sextas-feiras do ano e o período de Quaresma são tempos de penitência. A abstinência de carne ou de outro alimento deve ser observada pelos fiéis da Igreja Católica. No caso do Brasil, a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) substitui essa privação por "outras formas de penitência, principalmente, obras de caridade e exercícios de piedade".

"Minha mãe dizia que o Padre Cícero jogava carne para os urubus e nem eles comiam. Era pecado", relembra a aposentada Maria de Jesus Pereira. A tradição popular do jejum, ao longo dos anos, vai se alterando. A vendedora autônoma Maria Alves, por exemplo, reproduz o que aprendeu com sua mãe e, durante a Quaresma, renuncia a carnes vermelhas nas quartas e sextas. "Os filhos até acham ruim", admite.

"Para mim, isso representa o que Jesus sofreu para nos salvar. Ele não se reclamou em momento algum. Então, isso não é nada demais, além de uma gratidão. É o mínimo", completa a vendedora. Já a assessora jurídica Vivianne Brasileiro, de 33 anos, se privou de carne nesse período há quatro anos. Ela acredita que isso foi uma experiência espiritual interessante. "Vi que estou pronta para qualquer renúncia", completa.

Véu quaresmal

Outra tradição desse período presente na liturgia católica é o costume de cobrir as imagens de santos e cruzes com panos, em sua maioria roxos, nos altares das igrejas, que foi refletida pela cultura popular e, hoje, se mantém presente nos altares das casas. A prática começa no Domingo de Ramos, que antecede a Semana Santa. Acredita-se que o costume tenha surgido na Gália, no século VII, quando, na época de Quaresma, se cobria e tirava da Igreja tudo que servia de ornato: cruzes, relicários, evangeliários. Na Itália, a prática era conhecida no século XI.

Legenda: Outra tradição desse período presente na liturgia católica é o costume de cobrir as imagens de santos e cruzes com panos
Foto: FOTO: WANDEMBERG BELÉM

Os significados são os mais diversos. Alguns historiadores acreditam que o véu, "o pano de fome", recordava os fiéis da importância de jejuar. Outros acreditam que a Igreja antecipa o luto pela morte de Jesus, trazendo aos religiosos uma mortificação a sua visão. Por fim, outros pesquisadores acreditam que a coberta coloca Cristo como o centro da atenção durante a semana.

Em Juazeiro do Norte, a tradição perdura ainda nos altares populares, principalmente, nas casas próximas à Capela do Socorro e na subida da Colina do Horto. A comerciante Pedrina dos Santos Lima, por exemplo, ergueu um grande cobertor branco em toda parede, ocultando quadros e esculturas. É uma tradição que começou pela sua mãe, mas que não consegue explicar. "Desde pequena, eu a vi fazendo e continuei. Eu só tiro no domingo de Páscoa".

A costureira Estelina Faustino também herdou essa tradição. "Eu cubro na quarta-feira. A gente foi criada assim. Como as estátuas são as fisionomias dos santos, então tinha esse negócio de cobrir como se eles fossem os apóstolos e não vissem Jesus crucificado". Assim com o significado do ato de cobrir as imagens é diverso, a representatividade deles para os devotos, também. "Isso é desde o começo do mundo, porque nas Igrejas cobriam. Minha mãe, que era do tempo do Padre Cícero, fazia. Então acho importante manter a tradição", pontuou a dona de casa Terezinha Ferreira Leite, que mora na Rua do Horto.