Ciclo de previsões populares começa com chuva no CE

Depois de Santa Luzia, tem São Sebastião, no dia 20 de janeiro; e São José, em 19 de março. Até lá, muita fé

Escrito por Honório Barbosa - Colaborador ,
Legenda: A experiência predileta do agricultor Francisco Domingos Dias, de Iguatu, é a tradição de, a cada ano, colocar as pedras de sal na janela
Foto: Fotos: Honório Barbosa

Iguatu. A principal pergunta que se faz no sertão cearense é se haverá ou não inverno em 2017. Nos açudes não há mais água, a mata secou, o cenário é de aridez. A preocupação de todos é com a possibilidade de um sexto ano seguido de chuva abaixo da média. Os profetas das chuvas, que observam as plantas, animais, ventos, nuvens, estrelas, o horizonte, a lua, segundo reza a tradição, começaram com o ciclo de experimentos, neste dia 13, dedicado a Santa Luzia.

>'O povo reza quando a situação fica mais difícil'

Na madrugada de ontem, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) registrou chuva em nove municípios. A maior precipitação foi em Viçosa do Ceará, com 14,8mm. Nos últimos dias a intensidade do céu nublado começou a aumentar, sobretudo nos municípios do Interior.

Segundo o meteorologista da Funceme, Raul Fritz, as precipitações desta terça-feira foram as primeiras do que é considerada a pré-estação chuvosa, período que, conforme explica, deve se intensificar. "Dezembro costuma ter uma frequência maior de chuvas a partir da segunda quinzena, apesar de não serem muito regulares", disse. No período, as precipitações registram uma média histórica de 32mm no Estado. Até ontem, as primeiras precipitações já registraram 6,5 mm. "Até o fim do mês pode ser que cheguemos próximo dessa quantia", sinaliza Raul.

Ele explica que as chuvas são consequência de fenômenos meteorológicos oriundos da Bahia, e que podem atuar com mais intensidade no Sul do Ceará. O principal fenômeno da pré-estação, os vórtices ciclônicos de altos níveis, também colaboram. Raul adianta que ainda nesta semana, caso se confirmem, os fenômenos devem trazer novas chuvas. "Temos uma tendência razoável, de que a partir de sexta-feira venham mais chuvas, a se confirmar nos próximos dias".

Pedras de sal

Da noite do dia 12 para o dia 13, alguns sertanejos mantêm a tradição de colocar pedras de sal nos parapeitos das janelas, que recebem umidade durante a madrugada. Ontem, cedinho, verifica-se que as pedras estavam molhadas. São seis. Cada uma representa um mês de janeiro a junho.

O agricultor Francisco Domingos Dias, 74, morador do Sítio Açude do Governo, no distrito de José de Alencar, em Iguatu, mantém a tradição e, a cada ano, faz a sua experiência predileta: coloca as pedras de sal. Neste ano, ele contou com a sobrinha, Maria Carvalho. Conhecido por Chico de seu João, Francisco Dias, disse que a experiência foi boa. "Os melhores meses foram janeiro e abril, que deverão ter mais chuva. Junho vai ser melhor que maio", conta. A próxima experiência será observar a barra (horizonte) no Natal.

O poeta Patativa do Assaré deixou o poema "A triste partida", que foi musicado na voz de Luiz Gonzaga. A música fala do sofrimento do sertanejo em meio à seca que se agrava e a fé nas experiências místicas dos agricultores. "A 13 do mês/ ele fez experiência/ perdeu sua crença/ nas pedras de sal".

Barra do Natal

Outra crença em que o sertanejo se agarra é na barra do Natal. É a esperança e o esforço do agricultor em encontrar indicações da natureza para se saber se as chuvas serão abundantes, tardias ou irregulares e escassas. O agricultor Francisco Dias enfrentou anos de seca com os pais, passou fome e viu muita gente morrer em 1958, quando uma estiagem intensa castigou o Ceará. Ainda hoje ele fica emocionado quando recorda as dificuldades para conseguir trabalho e alimento para a família. "Só tinha água no pote. Depois o governo colocou frentes de serviço nas estradas e entregou de comer", recorda.

As experiências, aprendeu com o avô, que veio da Paraíba. "Antes havia mais agricultores que observavam muitas coisas, mas hoje esse costume está se perdendo entre os jovens. Além disso, acho que o tempo está virado, uma experiência aponta para um caminho, outra diz diferente", afirma. Na casa do agricultor Francisco Dias, mulher, filhos e nora acompanham as experiências. Depois de cinco anos seguidos de reduzida chuva, o produtor rural mostra confiança em 2017. "Espero um bom inverno, pois já é tempo".

dsa