Cego Aderaldo, o patriarca dos cantadores nordestinos

Escrito por Redação ,
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Muitos dos principais cordelistas da atualidade consideram Cego Aderaldo, o patriarca dos cantadores nordestinos. As razões são muitas: cego, andarilho, tocador, improvisador, destemido, repentista de primeira, pobre, com uma história de vida marcada por desventuras, sem saber ler nem escrever, era genial. Nordestino, nascido no Crato, na Rua da Vala, em 24 de junho de 1878, logo cedo transportou-se para o Quixadá onde virou estátua. Mas só a estátua ficou lá, quando perdeu o pai, a mãe e a vista, caiu no mundo sem ter mais o que perder. Saiu por aí como Noé no dilúvio, apenas com um ponto de partida. Antes, porém, perguntou o rumo do nascente.

Aderaldo Ferreira de Araújo, devoto de São Francisco do Canindé, perdeu a visão aos dezoito anos, mas, figura picaresca, já havia sido aprendiz de carpinteiro, empregado de hotel e ferreiro. Quando perdeu para sempre o colorido das paisagens, recebeu um cavaquinho de presente. Quando os olhos lhe negaram as cores do mundo, os outros sentidos escancararam suas comportas e aí nasceu o cantador já imortalizado em 1923, quando Firmino Teixeira do Amaral editou o cordel “Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum”, um clássico do cordel em todos os tempos, baseado em fato verdadeiro. Realmente, Aderaldo esteve em Pimenteira, em 1916, no Piauí, e cantou com o negro Zé Pretinho, a quem venceu num desafio, onde uma das armadilhas foi a travalíngua: “Quem a paca cara compra, paca cara pagará”.

Daquele cavaquinho inicial, Aderaldo chegou à viola e à rabeca. Virou exímio rabequeiro. Antes, no entanto, encarou muitas desventuras. Talvez a pior tenha sido quando a mãe morta em casa, no caixão das almas, emprestado pela paróquia de Quixadá, e que levava o morto para jogar na cova e voltava para outros enterros; teve que cantar num bar para ganhar a paga do coveiro. Os ouvintes eram aliciadores de nordestinos (paroaras) que levavam incautos conterrâneos (arigós) para a exploração da borracha na Amazônia. Aderaldo teve que cantar enquanto a mãe era velada. Depois, também arigó, teve que ir ao Pará fugindo da seca do dezenove. Aliás o único momento em que se sentiu bem em ser cego para não ver tanta miséria, foi na seca de 1915, quando o Ceará foi mais uma vez devastado pela estiagem.

Além do cordel de Firmino Teixeira do Amaral, outra fonte para o leitor se abeberar da sabedoria de Aderaldo é o livro “Eu sou o Cego Aderaldo”. Editado pela Maltese, em 1994, com a coordenação de Eduardo Campos e a apresentação de Rachel de Queiroz. São 208 páginas de poemas, a maioria sextilhas em redondilha maior. Há também depoimentos do Cego Aderaldo, que sempre foi um modelo para os outros cantadores, até quando morreu em 1967, em Fortaleza, onde foi enterrado como pedira sempre. Afinal sempre apregoara que jamais queria ser enterrado em Quixadá onde a terra era muito dura e pesaria sobre ele. Queria ser enterrado em Fortaleza onde a terra era fofinha, e assim foi.

Batista de Lima
Diretor do Centro de Ciências Humanas da Universidade de Fortaleza (Unifor)