Ceará exporta estudantes e acolhe estrangeiros de vários países

Sistema Verdes Mares publica, ao longo deste mês, uma série de conteúdos sobre a cearensidade; hoje, abordamos histórias de saudade da terra por quem foi para longe, e de acolhimento àqueles que vieram de fora

Escrito por André Costa , andre.costa@diariodonordeste.com.br
Legenda: Apaixonado pelo mar, o holandês Tim Stijntjes deixou o país natal e veio para o Ceará
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

Um sotaque embolado aqui. Um oxente ali, no outro lado do Oceano. O mundo se tornou uma aldeia, e o Ceará faz valer esse conceito cunhado pelo sociólogo canadense Herbert Marshall McLuhan. Já não há mais limites territoriais impossíveis de serem quebrados, e a língua universal é a força de vontade. Força para desbravar o novo. Vontade para apreciar o pôr do sol em horizontes inéditos.

Do calor ao frio

As altas temperaturas cearenses já não fazem mais parte do cotidiano da fortalezense Zara Laís Radge Monteiro, de 31 anos. Movida por novos desafios, ela arrumou as malas no início do ano e zarpou para a capital dos nossos colonizadores.

Em março, começou o doutoramento em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa), onde permanecerá até o fim de 2020. Até lá, a cearense anseia conseguir assimilar as diferenças culturais. "No início, tudo é muito difícil. Afinal, é outra cultura", pontua. Para driblar tais dificuldades, ela conta algumas artimanhas "gaiatas típicas do cearense".

Legenda: A cearense Laís Radge Monteiro foi morar em Portugal para concluir o doutorado

"Sinto falta do calor do povo, da facilidade de fazer amizade, da alegria da nossa terra. Então, para matar a saudade, toda semana escuto o podcast 'chá com rapadura', que faz com que eu me sinta em casa com as gaiatices que contam", detalha.

Distante do lar, também está o jovem Hermeson Benício, de 22 anos. Em agosto do ano passado, ele mudou não somente sua residência, mas, sobretudo, sua vida. "Embarquei para os EUA, deixando para trás noiva, família e amigos", relembra.

Na mala, o fortalezense levou, além das roupas e da saudade, "bastante comida". "Trouxe muito café, massa de tapioca e cuscuz, além de farinha d'água, doce de goiaba, doce de leite e paçoquita", descreve. A comida fez tanto sucesso que se esgotou em três meses. "Sorte que minha noiva veio me visitar no fim do ano e me reabasteceu", brinca o doutorando em Química na Wayne State University, na cidade de Detroit.

Legenda: Hermeson Benício deixou a família no Ceará e rumou para os EUA para estudar

Benício e Zara têm em comum, além da cidade natal, um sentimento que "não passa": a saudade. "É difícil morar longe de todos os familiares e amigos", pontuou Benício. Ambos contam que a tecnologia tem sido uma importante aliada neste momento em que residem longe das terras alencarinas.

Conforme o sociólogo Herbert Marshall, a evolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação interliga o mundo e estreita as relações econômicas, políticas e sociais.

"Todos os dias converso com meus familiares. A internet me possibilita isso", comemora Zara. Benício, compartilha da mesma rotina. "Por mais corrido que seja o dia, falo diariamente com meus pais e com minha noiva, nem que seja para desejar uma boa noite ou perguntar como foi o dia", conta.

Apesar de todos os avanços, a tecnologia ainda não é capaz de "exportar as comidas típicas cearenses", lamentam de forma bem-humorada.

"Moro próximo a duas churrascarias brasileiras. Quando a saudade aperta, corro lá para sentir o gostinho da comida cearense", confessa o jovem.

Movido pelas ondas

O holandês Tim Stijntjes fez o caminho inverso. Apaixonado pelo mar, desde jovem, ele conta que tinha "muita vontade de aprender kitesurf". Encorajado por amigos que já haviam conhecido o Ceará, Tim pegou um voo e, em 2007, veio de férias conhecer o Estado.

"O clima quente e as pessoas acolhedoras", conforme descreve, foram suficientes para conquistar o holandês. "Me apaixonei". Retornou a Amsterdã convencido de que queria mudar de vida. Pediu demissão do emprego, alugou seu apartamento na capital holandesa e, no ano seguinte, retornou ao Brasil.

"A ideia era passar um ano para ver se as coisas iam dar certo" e parecem ter dado. Já são 11 anos morando em Cumbuco. Hoje, Tim que se casou com uma manauara, que não somente pratica kitesurf como vive do esporte. Ele abriu uma loja voltada para turistas e kitesurf.

Não pretendo voltar. Aqui, as pessoas são alegres, vivem o hoje, não se preocupam muito nos próximos dez anos. A vida no Brasil é muito boa".

Receptividade

A história de vida da francesa Adeline Stervinou começou a se entrelaçar com o País canarinho quando fazia doutorado em sua cidade natal, Toulouse. "Encontrei um brasileiro que se tornou o meu melhor amigo. Ele sempre falava muito do País dele e contava muitas histórias interessantes a respeito", lembra.

A amizade foi além. Adeline se casou com o então "melhor amigo de sala" e, em 2011, ele passou em um concurso público do Magistério Superior na Universidade Federal do Ceará (UFC), Campus de Sobral. "Alguns meses depois, defendi a minha tese na França e vim encontrá-lo. Nunca mais voltei a morar na França".

Legenda: O primeiro contato da francesa Adeline com o Brasil foi através de um amigo que contava histórias sobre o país.
Foto: Maristela Gláucia

Assim como o holandês, se encantou pelo "calor humano", Adeline conta que também ficou cativada pela receptividade do cearense. "Aqui todo mundo faz amizade rapidamente, as pessoas são acolhedoras. É uma simpatia que eu nunca vi em nenhum canto do mundo", pontua.

A desejar

Embora rendam elogios ao País que escolheram para viver, ambos elegem a "corrupção" como ponto negativo do Brasil. "Vejo que se não tivesse tanta corrupção, o dinheiro seria melhor revertido ao povo", avalia Tim.

O contexto histórico da colonização brasileira é apontado pelo professor Batista de Lima como razão da imagem negativa que, para ele, ainda deve levar um tempo para mudar.

Ministrando aulas de Literatura na Universidade de Fortaleza (Unifor), Batista diz que, por "a terra ser agradável, as pessoas vão ficando" e, a partir daí, surge uma mistura cultural, que pode ser percebida no linguajar e nos costumes. O professor destaca ainda a hospitalidade e o clima como um dos motivos para a permanência dos estrangeiros.

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