Arte é alma viva em evolução

Escrito por Redação ,
Legenda: José Lourenço está entre os nomes contemporâneos que marcam época e contribuem para a solidez de uma atividade morta e ressuscitada, a xilogravura
Foto: Elizângela Santos

O centenário da xilogravura no cordel testemunha uma arte de resistência, uma alma viva em constante evolução

Juazeiro do Norte. Este município entra na história como o grande centro produtor de cordel do Brasil, com uma xilogravura de traço peculiar, em filigranas. Algo minuciosamente trabalhado sob a influência européia. O italiano Agostinho Balmes Odísio, escultor formado na Escola de Belas Artes de Turim e Roma, ensinou a técnica de trabalhar com cortes detalhados na madeira aos talentosos artesãos da terra do Padre Cícero.

O xilógrafo e poeta, José Bernardo da Silva, percebeu o bom negócio que era comercializar os folhetos pelas reentrâncias nordestinas, sendo um dos grandes distribuidores da gráfica de João de Athayde. O romeiro alagoano fez de Juazeiro sua morada. Começou com uma tipografia em sua casa. Ele e seus amigos escreviam, mas faltavam bons ilustradores. Não compensava ter que se deslocar até Recife para ilustrar os folhetos e foram os artesãos que começaram a enveredar pela arte da xilogravura.

Agradar ou agredir

A capa era a síntese do folheto. “A ilustração tinha que agradar ou agredir”, diz Geová Sobreira, professor da UnB. Isso nos anos 30. Mas a fase áurea veio mesmo nos anos 40 e 50. Grandes xilógrafos começam a se destacar nesse cenário. Damásio de Paulo e Expedito Sebastião foram dois deles. O último merece destaque também pela sua poesia.

Princesas, cangaceiros, história da II Grande Guerra, Padre Cícero, falecido em 1934, foram grandes temas explorados. O consumo da literatura de cordel era tanto que chegou a 24 mil exemplares impressos por dia. “A Morte de Getúlio”, de Francisco Minelvino da Silva, chegou a vender 200 mil exemplares em uma semana. Não se pode deixar de lembrar de nomes como Walderêdo Gonçalves, Mestre Noza, Antônio Batista, João Pereira.

Segundo o professor Sobreira, o cordel “A Chegada de Lampião no Inferno”, de José Pacheco, chegou a ter mais edições do que “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do escritor Machado de Assis.

Na porta da Gráfica São Francisco, à Rua Santa Luzia, em Juazeiro, onde hoje está localizado o banco Bradesco, os caminhões faziam filas para serem carregados com os fardos de cordel. Os folhetos eram distribuídos para todo o Brasil, direto de Juazeiro.

O cordel foi meio de vida para muita gente, além de Leandro Gomes, João de Athayde e Francisco das Chagas, veio Manoel Caboclo, José Pacheco, Delarme Monteiro. “Os poetas viviam de poesia”, diz.

Esse contexto marcou o auge da xilo até que, nos anos 60, um dos maiores estudiosos da literatura de cordel, Raymond Chantél, escreve trabalho decretando a morte da xilo. Já o fim da arte vinculada, a xilo no cordel, teve como anunciador Floriano Teixeira, ilustrador do escritor baiano, Jorge Amado, por meio de artigo da revista cearense “Clã”.

A indústria cultural toma conta. Os mocinhos e os vilões das novelas adentram no imaginário do povo. Circulam novas idéias romanescas. É desviado o foco da rima criativa.

Técnica enriquecida

A valorização como arte, a xilo desvinculada do cordel, veio após estudo na Sorbonne, de Robert Morel, no final dos anos 60. Ganharam espaços trabalhos do Mestre Noza, com a Via Sacra, e do artista plástico Sérvulo Esmeraldo. Em 1972, a Quaderna, de Ariano Suassuna, recebia belas xilos. Está lá a presença da arte dentro do filme primoroso de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, entre tantos outros trabalhos artísticos.

A arte sobrevive, com mais xilógrafos hoje do que antes. A tradição cultural traz técnica enriquecedora, conforme o professor Geová. Nomes como Stênio Diniz, Abraão Batista, Francorli, Nilo, José Lourenço, Jô, entre outros, figuram como xilógrafos que marcam época e contribuem para a solidez de uma atividade morta e ressuscitada. Como a arte de resistência, uma alma viva em constante evolução.

PROGRAMAÇÃO - Exposição destaca velhos mestres da xilo

Juazeiro do Norte. A programação do seminário “100 anos da xilogravura ilustrando o cordel”, será aberta com a inauguração da exposição “Xilógrafos de Juazeiro, os velhos mestres”, no Serviço Social do Comércio (Sesc), às 16 horas, desta segunda-feira. Às 20 horas, no Memorial Padre Cícero, acontece a abertura oficial, com a conferência de Geová Sobreira, trazendo como título o tema do seminário. Estará presidindo a mesa o secretário da Ciência e Tecnologia, René Teixeira Barreira.

Amanhã, “Os Novos Xilógrafos”, será tema de debate, sob a presidência do reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Plácido Cidade Nuvens, com abordagem do professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Casimiro. Às 20 horas, será realizado o show “Violas Encantadas”, na Praça Padre Cícero, com desafios e cantorias de violeiros.

O professor e pesquisador Gilmar de Carvalho realiza conferência sobre “Padre Cícero: Cordel e Xilogravura”, com a presidência de Jesualdo Pereira, reitor em exercício da UFC. Na Praça Padre Cícero, às 20 horas, será realizado o show da Orquestra de Rabecas.

Um dos grandes estudiosos da cultura popular do mundo acadêmico, Eduardo Diatahy, estará sendo o conferencista do dia 13, sobre “A Xilogravura na Literatura Popular em Versos: Uma História Impossível”. Estará presidindo a mesa o secretário de Cultura do Estado, Francisco Auto Filho. À noite serão realizadas leituras dramáticas, na Praça Padre Cícero, durante a “Noite de Lampião”. O encerramento do seminário será no dia 14, às 20 horas, no Memorial, com Recital Instrumental “Influências” e sessão solene. As conferências serão abertas todos os dias a partir das 15 horas. O evento está sendo realizado pela Secretaria de Cultura de Juazeiro, Banco do Brasil e governo do Estado.